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A IA pode revolucionar ainda mais a prática jurídica em Portugal

Fundada em 1996, a Claranet Portugal é o maior fornecedor de serviços de tecnologias de informação no país. Conversamos com Nuno Sousa, Financial Services Director, que nos revela as especificidades da transformação digital nas sociedades de advogados
6 Junho 2025, 07h30

A digitalização constitui um imperativo competitivo inevitável, considerando a crescente sofisticação das expectativas dos clientes, e as pressões de eficiência operacional. Com praticamente 30 anos de experiência e conhecimento profundo de tecnologia e do setor jurídico, a Claranet Portugal tem vindo a apoiar a transformação digital das sociedades de advogados. Nesta entrevista, Nuno Sousa explica como este trabalho tem sido feito e deixa claro que a IA não substitui o advogado, pois todos os outputs dos sistemas implementados requerem validação humana.

Como vê a transformação digital nas sociedades de advogados?A digitalização constitui um imperativo competitivo inevitável, considerando a crescente sofisticação das expectativas dos clientes, não esquecendo as presentes pressões de eficiência operacional. A abordagem da Claranet Portugal, especializada e direcionada às sociedades de advogados, permite-nos identificar os desafios principais e propor as soluções tecnológicas mais adequadas aos requisitos rigorosos de confidencialidade cliente-advogado e à necessidades de conformidade regulatória complexa.

De que maneira a Inteligência Artificial (IA) tem vindo a entrar nestas transformações?
A adoção da IA no setor jurídico segue padrões de adoção tecnológica caracteristicamente conservadores, mas acelerados desde 2022. Soluções de pesquisa jurisprudencial assistida, análise documental automatizada e a revisão de minutas contratuais, em ambientes controlados, ou privados, que preservam a confidencialidade cliente-advogado, são alguns exemplos que conhecemos enquanto especialistas e prestadores de serviços de Data & AI.

Neste âmbito, qual o apoio que a Claranet Portugal oferece às sociedades de advogados?
Posso afirmar que oferecemos algo que muito poucos players no mercado conseguem: uma abordagem verdadeiramente tecnológica e especializada para o setor jurídico.

Somos uma das empresas em Portugal com certificações auditadas de Managed Service Provider pelos grandes hyperscalers e por um dos maiores fabricantes de hardware no mundo. Temos equipas certificadas de Cloud Data Architects, AI Engineers, Data Scientists, que entendem tanto de tecnologia como de práticas jurídicas. Isto não é marketing – significa que temos as competências técnicas mais avançadas e capacidade para implementar soluções enterprise adaptadas ao nosso mercado.

Mas, no setor jurídico, as capacidades técnicas são apenas metade da equação. O que realmente diferencia a Claranet Portugal é compreendermos profundamente os requisitos únicos deste setor: confidencialidade absoluta, compliance regulatório rigoroso, e resistência cultural à mudança.

E, talvez mais importante: assumimos riscos em conjunto. No caso de tecnologias emergentes, avançamos como parceiros, não apenas fornecedores. Isso cria confiança e permite inovação genuína.

A aplicação de IA levou a alterações na abordagem legal?
A IA está e poderá revolucionar ainda mais a prática jurídica em Portugal. Vou dar exemplos concretos do que estamos a ver nos nossos clientes. A pesquisa jurisprudencial está a ser completamente transformada. Onde, antes, um advogado júnior passava horas a procurar precedentes por palavras-chave, hoje faz perguntas em português corrente ao sistema – exemplo: “quais os precedentes sobre responsabilidade civil em acidentes de viação com veículos autónomos?” – e obtém resultados contextualmente relevantes em alguns segundos.

Na análise contratual, pode ser implementado um sistema que identifica automaticamente cláusulas de risco, inconsistências terminológicas e lacunas contratuais. Numa due diligence que tradicionalmente levaria semanas, conseguimos agora ter uma primeira análise em dias. Mas vou ser muito claro: a IA não substitui o advogado. Todos os outputs dos nossos sistemas requerem validação humana. O que fazemos é potenciar dramaticamente a capacidade analítica dos profissionais jurídicos.

Os algoritmos têm capacidade para prever, por exemplo, processos de lavagem de dinheiro? Como?
Os sistemas de IA demonstram notável eficácia na identificação preventiva de potenciais operações suspeitas através de análise avançada de padrões transacionais, deteção de anomalias comportamentais e identificação de relações entre entidades aparentemente desconexas. Estas soluções podem avaliar, de forma contínua, milhões de operações, identificando desvios de comportamento normativo que poderiam escapar à análise humana convencional. Contudo, é essencial enfatizar que estas ferramentas não estabelecem determinações conclusivas, mas sim alertas de potenciais riscos que requerem avaliação crítica por especialistas da área financeira. Funcionam, portanto, como instrumentos de suporte à decisão, particularmente valiosos no contexto de conformidade regulatória crescentemente exigente.

Quanto ao risco, de que maneira a IA pode influenciar?

A IA pode influenciar o risco de duas formas diametralmente opostas. Por um lado, mitiga riscos tradicionais, deteta anomalias, identifica padrões suspeitos, antecipa problemas de compliance. Por outro lado, introduz riscos completamente novos que o setor jurídico nunca enfrentou.
Um bom exemplo disso são as “alucinações”, que ocorrem quando o sistema gera informação factualmente incorreta, mas apresentada com total confiança. Imaginemos um sistema que cria precedentes jurisprudenciais inexistentes ou interpreta incorretamente a legislação portuguesa.
Existindo estes riscos, recomendamos que todos os outputs de IA tenham sempre a validação humana qualificada, neste caso particular com conhecimentos jurídicos suficientes, de forma a garantir o chamado “human-in-the-loop” obrigatório.
A IA no setor jurídico é uma ferramenta poderosa mas, como qualquer ferramenta poderosa, pode causar danos sérios se mal utilizada. A nossa responsabilidade como fornecedores de tecnologia é assegurar que isso não acontece.

A IA tira conclusões baseando-se numa quantidade de informação infinitamente superior ao humanamente possível. Como é que a Claranet Portugal garante a fiabilidade?
Quando um sistema processa milhões de documentos em minutos e produz conclusões que um humano levaria anos a alcançar, como sabemos que podemos confiar?
Considerando este desafio, recorreríamos à implementação de uma “metodologia de validação em camadas”, à semelhança dos sistemas financeiros.
Primeira camada, AI Act Europeu. Recomendamos sempre um assessment inicial para perceber que sistemas de IA se enquadram nas diferentes categorias de risco definidas pela regulamentação. No setor jurídico, muitos sistemas podem ser classificados como “alto risco” devido ao impacto nas decisões que afetam direitos fundamentais. Isso significa requisitos específicos de documentação, testes e monitorização que devem ser implementados desde o início.
Segunda camada, implementar Data Governance nas várias dimensões de Data Controlo de Acessos, Qualidade, Privacidade e Segurança da Informação.
Terceira camada, testar constantemente os outputs contra casos conhecidos. Se sabemos o resultado de mil casos similares, verificamos se o sistema teria chegado às mesmas conclusões.
Quarta camada, todos os sistemas jurídicos com auxílio de IA têm de mostrar como chegaram a cada conclusão. Se o sistema diz que há 85% de probabilidade de sucesso num litígio, tem de explicar exatamente quais os fatores que levaram a essa percentagem.
Quinta camada, revisão constante por humanos – exemplo disso é garantir um acompanhamento por Cloud Data Architects, AI Engineers e Data Scientists certificados que supervisionam cada implementação dos sistemas de IA. Mas, mais importante, é garantir que cada output jurídico crítico passa sempre por validação humana qualificada.
E quando surgem dúvidas? Paramos. É melhor perder eficiência do que perder credibilidade.

Eticamente, existem desafios? Quais e como assegurar o cumprimento?
Absolutamente. Os desafios éticos são enormes e quem disser o contrário está a ser irresponsável.
Temos alguns desafios, como o viés algorítmico – se treinamos com dados históricos discriminatórios, perpetuamos essas discriminações. Também a transparência versus confidencialidade, como explicar decisões sem comprometer privilégios advogado-cliente; e a democratização versus exclusão, sendo que a IA pode criar uma justiça de duas velocidades. Por isso, é importante garantir um princípio basilar, nomeadamente o “Ethics-by-Design”.

Em relação à proteção de dados, tem havido avanços?
Sim, houve avanços significativos, e isso traduz-se diretamente em vantagem competitiva para os nossos clientes. Hoje, com as soluções adequadas, a compliance é automática e os clientes vêem isso como diferenciador no mercado.
Para sociedades de advogados que lidam com informação ultra-sensível, desenvolvemos sistemas exclusivos para cada cliente. Criámos assistentes de IA que funcionam exatamente como ChatGPT, mas operam exclusivamente no ambiente da sociedade. Os advogados acedem a toda a informação que precisam sendo que os dados sensíveis estão protegidos automaticamente. Não há compromisso entre segurança e produtividade.
Para clientes maiores, vamos ainda mais longe e desenvolvemos modelos de linguagem dedicados sobre infraestrutura dedicada, treinados especificamente na jurisprudência e documentação da empresa. É como ter um advogado digital que conhece apenas a sua área de especialização. Mais preciso, mais rápido, totalmente privado.

Quais os desafios mais importantes em todo este processo de transformação digital com IA?
Creio que, como qualquer grande transformação, o principal desafio reside nas dimensões humana e organizacional. A adaptação de profissionais com práticas estabelecidas a novos paradigmas tecnológicos requer a conhecida gestão de mudança. Não podemos ignorar a necessidade de desenvolvimento de competências digitais avançadas nas equipas de jurídicos, que formam as sociedades, não esquecendo a temática da manutenção do equilíbrio entre eficiência tecnológica e relacionamento interpessoal. A sociedade que encontrar este equilíbrio estará, certamente, em clara vantagem competitiva relativamente à sua concorrência.

O que se pode prever para o futuro próximo?
Antevemos a evolução contínua de sistemas de IA especializados para aplicações jurídicas, com integração de análise em tempo real, permitindo assim uma análise de documentação com sentido critico e empírico, de uma forma possivelmente mais eficiente do que a abordagem tradicional.

Prevemos, assim, o surgimento de perfis profissionais que combinam competências jurídicas e tecnológicas avançadas. O futuro não se orienta para a substituição do profissional jurídico, mas para a sua potenciação através de ferramentas que amplificam as suas capacidades analíticas e decisórias.

Este artigo foi produzido em parceria com a Claranet Portugal.

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