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Canal do Panamá é “ponto crítico” no comércio mundial e negócio que envolve BlackRock e MSC levanta reservas da China

Dois portos localizados no Canal do Panamá foram vendidos pela CK Hutchison Holdings, em março deste ano, a um consórcio que incluiu a BlackRock, a maior empresa na gestão de ativos, a Terminal Investment Limited e a Mediterranean Shipping Company (MSC), o segundo maior operador no shipping. O negócio atinge os 21 mil milhões de euros. A China contesta o negócio e o regulador faz uma investigação. Especialistas ouvidos pelo JE destacam a “importância geoestratégica” do canal no comércio e alertam que “qualquer disrupção significativa” teria um “grande impacto” nas cadeias de abastecimento globais.
10 Julho 2025, 07h00

O Canal do Panamá é nevrálgico no que diz respeito ao comércio internacional por via marítima. A infraestrutura abre rotas para vários continentes, incluindo o europeu, e por este local passa 5% do comércio mundial.

Especialistas ouvidos pelo Jornal Económico (JE) salientam que o Canal do Panamá “é um dos pontos críticos” no comércio mundial e que a infraestrutura é também valiosa em termos estratégicos, dando vantagens a quem possui o seu controlo.

Dois portos localizados no Canal do Panamá foram vendidos pela CK Hutchison Holdings, em março deste ano, a um consórcio que incluiu, na altura, a BlackRock, a maior empresa na gestão de ativos, a Terminal Investment Limited e a Mediterranean Shipping Company (MSC), por 21 mil milhões de euros. Refira-se que esta última empresa é o segundo maior operador ao nível do shipping.

A isto junta-se uma participação de 80% num conjunto de subsidiárias portuárias que gerem 43 portos em 23 países, como Reino Unido, Alemanha, México e Austrália, no sudeste asiático e Médio Oriente, incluindo os portos em ambas as extremidades do Canal do Panamá, em Balboa e Cristóbal.

Este negócio tem sido contestado principalmente pela China. Em março, o chefe do Executivo de Hong Kong, John Lee Ka-chiu, considerou que o negócio merece “atenção especial” e confirmou que “houve amplas discussões sobre esta questão e que ela reflete a preocupação da sociedade” chinesa.

A China, que numa primeira fase evitou comentar o negócio, acabou por referir, através da porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Mao Ning, que o país rejeitava a “coerção económica, hegemonia e intimidação” na cena internacional. Logo depois, pediu que o negócio fosse cancelado, de acordo com a CNBC. Esse pedido veio através do jornal “Ta Kung Pao”, onde foi escrito que o negócio iria “prejudicar a segurança nacional e os interesses de desenvolvimento da China”.

O país asiático anunciou, também em março, que a entidade reguladora chinesa (‘State Administration for Market Regulation’) iria avaliar o negócio de venda do Canal do Panamá. Nessa altura, o regulador confirmou o início de uma investigação sobre o negócio “de acordo com a lei” e com o intuito de “proteger uma competição justa no mercado e salvaguardar o interesse público”.

Canal do Panamá alerta para risco de concentração

Junho tem marcado um intensificar da pressão sobre o negócio. A 10 de junho, o responsável do Canal do Panamá, Ricaurte Vasquez, mostrou desconforto, em declarações ao Financial Times, com a venda dos dois portos do Canal do Panamá.

Para Ricaurte Vasquez, existe “um potencial risco de concentração” se o acordo acabar por se concretizar.

“Se existir um elevado nível de concentração em operadores de terminais pertencentes a uma única ou integrada companhia de navegação, isso prejudicará a competitividade do Panamá no mercado e será inconsistente com a neutralidade”, alertou Ricaurte Vasquez ao Financial Times.

A 12 de junho, foi a vez do porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China, Lin Jian, referir que Pequim “sempre se opôs firmemente à coerção económica, ao autoritarismo e à intimidação. Em relação à navegação dos navios dos países relevantes, a China continuará, como sempre, a respeitar a soberania do Panamá sobre o canal e a reconhecer o canal como uma via navegável internacional permanentemente neutra. Estamos ao lado do Panamá nos seus esforços para manter a independência e defender firmemente os seus direitos e interesses legais como país soberano”, acrescentou Lin Jian.

O Portal Logístico do Panamá refere que as principais rotas, com o Canal do Panamá, fazem a ligação entre a Costa Leste dos Estados Unidos e a Ásia (Extremo Oriente); ligam também a Costa Leste dos Estados Unidos e a Costa Oeste da América do Sul; fazem a ligação Costa a Costa da América do Sul; ligam a Europa e a Costa Oeste da América do Sul; e também fazem a ligação entre a Costa Leste dos Estados Unidos e a Costa Oeste da América Central.

A mesma entidade sublinha que, no ano fiscal de 2024, o Canal do Panamá teve um total de 11.240 trânsitos de embarcações comerciais, que transportaram 210 milhões de toneladas de carga, gerando receitas para o Canal de 3,3 mil milhões de dólares.

Entre os utilizadores do Canal destacam-se as seguintes empresas: American President Line; CMA CGM; China Ocean Shipping (Group) Company; Compañía Sud Americana de Vapores (CSAV); Evergreen Marine; Hamburg-Sud; Kawasaki Kisen Kaisha Ltd (K-Line); Maersk Line; Mediterranean Shipping Co.; Mitsui O.S.K.; Nippon Yusen Kaisha (NYK); Seatrade Reefer Chartering NV; STX Pan Ocean Company LTD; Wallenius Wilhelmsen Lines; Zim Israel Compañía de Navegación.

Canal é “ponto crítico” no comércio internacional

O professor do Instituto Superior de Ciências Empresariais e do Turismo (ISCET), José Fernandes, salienta, ao Jornal Económico (JE), que o Canal do Panamá “é um dos pontos críticos” mundiais no que diz respeito ao comércio internacional.

“Fornece uma rota de navegação muito mais curta para múltiplas e importantes mercadorias, como cereais, minérios, produtos industriais diversos, etc. (a alternativa marítima é navegar até ao extremo Sul do continente americano, o que é bem mais moroso, mais caro e até arriscado) e é especialmente útil para o comércio dos Estados Unidos, o seu maior utilizador. Facilita, por exemplo, muito o comércio entre as zonas económicas dinâmicas da costa Atlântica dos Estados Unidos e a Ásia, ou entre a Europa e a costa do Pacífico das Américas”, diz José Fernandes sobre o Canal do Panamá.

Tendo em conta fatores como os descritos, José Fernandes considera que “qualquer disrupção significativa” desta rota teria “grande impacto” nas cadeias de abastecimento globais, devido à “interdependência existente nos processos de produção e distribuição” mundiais.

De acordo com a entidade que gere o Canal do Panamá, com dados publicados em agosto de 2023, o Canal era a principal rota para 57,5% do total de carga transportada em navios porta-contentores da Ásia para a costa leste dos Estados Unidos. Já a ‘Foundation for Economic Education’, um think tank norte-americano fundado por personalidades como Leonard Reed e Henry Hazlitt em 1946, salienta que o Canal gera cerca de 4% do Produto Interno Bruto do Panamá e cerca de 5% do comércio mundial passa por este Canal anualmente, sendo que o seu maior ‘cliente’ são os Estados Unidos (cerca de 40% do tráfego contentorizado norte-americano passa por este Canal por ano).

Contudo, a China tem ganho influência no Canal. “De outubro de 2023 a setembro de 2024, a China foi responsável por 21,4% do volume de carga que transitava no Canal, tornando o país o segundo cliente, atrás dos Estados Unidos”, sublinhou a ‘Foundation for Economic Education’.

“Para os Estados Unidos, é uma via marítima especialmente importante para o transporte entre os seus portos da Costa Atlântica e a grande região da Ásia-Pacífico. Hoje, com a rivalidade e tensões com a China (desde logo a questão de Taiwan), o seu valor estratégico-militar voltou a reemergir de forma ostensiva. O atual Governo norte-americano olha com apreensão a presença chinesa na região — que é hoje a norma em quase toda a América Central e do Sul — e, em particular, para a gestão e controlo de infraestruturas portuárias por empresas chinesas ou de Hong Kong na área do Canal do Panamá. O receio, parece ser, que numa crise geopolítica isso possa afetar os interesses norte-americanos e a sua liberdade de ação, desde logo por via marítima”, explica José Fernandes.

Face a esta importância, não são estranhas as declarações de Donald Trump, enquanto era candidato à presidência dos Estados Unidos, relativamente ao Canal do Panamá. Na ocasião, o candidato republicano ameaçava tomar controlo sobre a infraestrutura, sugerindo a devolução do Canal aos Estados Unidos, ao mesmo tempo que lançava críticas sobre as taxas cobradas no Canal do Panamá, que afirmou serem “ridículas”.

Canal teve contributo francês e norte-americano

Em termos históricos, o Canal acaba por ter influências francesas e norte-americanas, tendo em conta o contributo que os dois países tiveram na construção desta infraestrutura.

É com base nessa perspetiva histórica que o professor da Universidade Autónoma de Lisboa (UAL), Sérgio Pontes, destaca a importância que o Canal tem assumido no contexto do comércio internacional e para países como os Estados Unidos e a China.

Sérgio Pontes sublinha que os Estados Unidos mostraram, desde há muito tempo, a “importância geoestratégica” que o Canal do Panamá tem ao nível do comércio, o que se traduziu, por exemplo, no investimento feito na construção da infraestrutura.

“Desde a sua construção pelos Estados Unidos no início do século XX, que o canal é visto como tendo elevado valor estratégico em termos económicos, comerciais, mas também militares”, reforça José Fernandes, do Instituto Superior de Ciências Empresariais e do Turismo (ISCET).

Contudo, o interesse norte-americano ao longo do tempo no Canal acabou por se desvanecer, sublinha Sérgio Pontes. E tal se deveu, refere o professor da UAL, à maior importância que as empresas foram demonstrando por outras alternativas de transportes, como, por exemplo, a ferroviária.

Por outro lado, acrescenta Sérgio Pontes, a China, mesmo que de forma indireta, começou também a fazer o seu investimento em várias infraestruturas críticas, onde se incluem os portos, ao ver a importância estratégica desse tipo de infraestruturas.

Ao interesse chinês veio também um ressurgimento norte-americano no Canal do Panamá, explica Sérgio Pontes. O professor da Universidade Autónoma de Lisboa sublinha que a pressão que a administração norte-americana, presidida por Donald Trump, está a tentar fazer sobre o Canal do Panamá pode ser explicada por fatores como “o controlo do porto, em termos estratégicos”, mas também pela “informação estratégica” que podem obter caso controlem o Canal.

Sérgio Pontes adianta também que o Canal do Panamá tem sido tão importante no comércio internacional ao ponto de influenciar a construção de navios. Isto porque, como explica Sérgio Pontes, o tamanho dos navios tem sido condicionado pelas especificações do Canal. Com o alargamento do Canal, concluído em 2016, após nove anos de construção (e com um custo estimado de 4,6 mil milhões de euros), que permitiu a navegação de navios maiores, a própria construção dos navios acabou por ser adaptada a essas novas especificações.

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