Julgamento de José Sócrates arranca nesta quinta-feira, 3 de julho, no Campus de Justiça, em Lisboa, 14 anos depois do início da Operação Marquês e mais de dez anos após a sua detenção a 21 de novembro de 2014, no aeroporto de Lisboa, quando chegava de Paris. O ex-primeiro-ministro será julgado por três crimes de corrupção, 13 de branqueamento e seis de fraude fiscal. No banco dos réus vão sentar-se mais 20 arguidos. É o caso do amigo do ex-governante, Carlos Santos Silva, que, segundo a acusação do Ministério Público, terá sido um dos testas-de-ferro a que José Sócrates terá recorrido para ocultar montantes com os quais terá sido corrompido para beneficiar o Grupo Lena, o Grupo Espírito Santo e o grupo Vale do Lobo. Dois dias antes do início do julgamento, Sócrates apresentou uma queixa-crime contra o Estado português no Tribunal dos Direitos do Homem.
A juíza Susana Seca, do Tribunal Central Criminal de Lisboa, vai presidir ao coletivo de julgamento do processo que, pela primeira vez, vai sentar um ex-primeiro-ministro no banco dos réus num processo de suspeitas de corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal que envolvem, não só o Governo e o Estado, pela alegada participação de um ex-primeiro-ministro, mas também grupos de construção civil, o maior banco português na altura, o BES, uma das empresas nacionais de maior dimensão, a Portugal Telecom, entre outros.
José Sócrates e mais 20 arguidos – numa lista que inclui, entre outros, o ex-banqueiro Ricardo Salgado, os ex-administradores da PT, Zeinal Bava e Henrique Granadeiro; o ex-administrador da CGD e antigo ministro socialista Armando Vara; e Joaquim Barroca, antigo vice-presidente do grupo Lena – vão responder por um total de 117 crimes no âmbito da Operação Marquês, que se arrasta há 14 anos. O lote de 22 arguidos foi reduzido a 21, que inclui três sociedades do grupo Lena, após a juíza ter decretado a extinção do processo contra a sociedade RMF Consulting, ligada a Rui Mão de Ferro e Carlos Santos Silva. Esta sociedade estava pronunciada por um crime de branqueamento, mas já não vai ser julgada.
Em 2017, o antigo primeiro-ministro foi acusado pelo Ministério Público de 31 crimes, designadamente corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal. Na decisão instrutória, em 9 de abril de 2021, o juiz Ivo Rosa decidiu ilibar o antigo governante de 25 dos 31 crimes, pronunciando-o para julgamento apenas por três crimes de branqueamento de capitais e três de falsificação de documentos.
Em janeiro de 2024, uma decisão do Tribunal da Relação de Lisboa recuperou quase na totalidade a acusação original e determinou a ida a julgamento de 22 arguidos por 118 crimes económico-financeiros, revogando a decisão instrutória do juiz Ivo Rosa.
O Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) determinou, a 11 de junho passado, a ida a julgamento do antigo primeiro-ministro José Sócrates e do empresário Carlos Santos Silva por três crimes de branqueamento de capitais. Para o tribunal, “há consistentes indícios de que José Sócrates é o homem do fundo” e esses indícios “demonstram que Carlos Santos Silva é a pessoa nomeada por José Sócrates” para movimentar o dinheiro entre 2011 e 2014 para as contas do antigo primeiro-ministro.
Detido a 21 de novembro de 2014 no aeroporto de Lisboa, José Sócrates foi o primeiro ex-chefe do Governo a ser preso preventivamente em Portugal, tendo estado 288 dias no Estabelecimento Prisional de Évora e mais 42 dias em prisão domiciliária.
No centro da investigação da Operação Marquês estão 34 milhões de euros reunidos entre 2006 e 2015, a maior parte dos quais guardados em contas offshore, na Suíça, controladas pelo amigo do ex-primeiro-ministro Carlos Santos Silva. O Ministério Público acredita que o dinheiro é de Sócrates e resulta de “luvas” que este recebeu a troco de favorecimento de interesses do ex-banqueiro Ricardo Salgado no Grupo Espírito Santo (GES) e na Portugal Telecom (PT), bem como a garantia de financiamentos pela Caixa Geral de Depósitos ao empreendimento de Vale do Lobo e favorecimento de negócios do grupo Lena. Uma versão que o ex-primeiro-ministro sempre negou.
Sócrates terá arrecadado 34 milhões de euros de proveniência ilícita, 24 milhões dos quais foram encaminhados para contas na Suíça detidas pelo amigo de infância Carlos Santos Silva, tendo grande parte do dinheiro regressado a Portugal no início desta década ao abrigo de um dos dois RERT (Regime Excecional de Regularização Tributária) aprovados pelo Executivo de Sócrates para recuperação de capitais nacionais depositados no estrangeiro, isentando-os da quase totalidade do imposto devido. O dinheiro terá sido usado por Sócrates para as mais diversas despesas.
Segundo a acusação, os 34 milhões de euros integram fundos de diversas origens: 21 milhões em entidades do Grupo Espírito Santo (GES), pagos para contas na Suíça, entre 2006 e 2009; 2,8 milhões com origem no Grupo Lena, pagos através do arguido Joaquim Barroca entre 2007 e 2008; e um milhão de euros em receitas desviadas de sociedades do grupo Vale do Lobo, por ordem dos arguidos Diogo Gaspar Ferreira e Rui Horta e Costa, através de uma conta na Suíça de Barroca, em 2008.
Dois dias antes do arranque do julgamento, o antigo primeiro-ministro José Sócrates apresentou nesta terça-feira, em Bruxelas, uma queixa-crime contra o Estado português no Tribunal dos Direitos do Homem relativa à Operação Marquês, da qual é acusado.
O antigo primeiro-ministro José Sócrates considerou nesta terça-feira, 1 de julho, que um “lapso de escrita” que, em 2024, reavivou o processo Operação Marquês, que “estava morto”, foi a “gota de água” que levou à apresentação de uma queixa contra o Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH).
Em conferência de imprensa, em Bruxelas, ladeado pelo advogado Christophe Marchand, o antigo primeiro-ministro considerou que o “lapso de escrita” é “uma artimanha que serviu apenas para manipular os prazos de prescrição e querer levar” o processo a julgamento.
Sócrates considerou “igualmente extraordinário” que o referido “lapso de escrita” tenha demorado “quatro anos a ser identificado”, visto que a acusação foi apresentada em 2017 e o lapso invocado em 2021.
O antigo primeiro-ministro denuncia que “em 2021, o Tribunal de Instrução considerou todas as alegações do processo Marquês como fantasiosas e especulativas. Foi essa a decisão do juiz Ivo Rosa. E considerou também que todos os crimes da acusação estavam prescritos. Quatro anos depois, em 2024, um Tribunal da Relação, com dois juízes, inventou um lapso de escrita. Mudaram o crime de acusação e manipularam os prazos de prescrição”.
Quatro anos depois da decisão instrutória do juiz Ivo Rosa, José Sócrates defende que as juízas “inventaram um lapso de escrita”, acrescentando que houve mais duas razões para a apresentação no TEDH, nomeadamente, o direito que disse que foi sonegado de a conduta do antigo primeiro-ministro ser avaliada por um “tribunal previsto na lei”; e o que apelidou de uma “campanha de difamação” promovida pelos órgãos de comunicação social.
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