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Milícia emerge em Gaza quer desafiar o controlo do Hamas

As Forças Populares, uma nova milícia palestiniana em Gaza, pretende desafiar o Hamas e o seu domínio. É liderada por alguém com um passado criminoso e parece ter por trás a longa mão de Israel.
Irão
epa12172964 An Iranian woman holds a Palestinian flag during a protest against Israeli airstrikes in Tehran, Iran, 13 June 2025. Israel launched strikes on Iran early 13 June, killing top military figures, including Armed Forces Chiefs of Staff Mohammad Bagheri and Chief Commander of the Islamic Revolutionary Guard Corps (IRGC) Hossein Salami, both countries confirmed. The strikes were part of Operation Rising Lion, Israel’s Prime Minister Netanyahu said, adding that Iran’s nuclear programme poses a threat to ‘Israel’s very survival.’ EPA/ABEDIN TAHERKENAREH
10 Julho 2025, 09h52

Autodenominada Forças Populares, há uma nova milícia a operar em Gaza – que está no entanto rodeada de ceticismo quanto à sua capacidade de se afirmar, bem como quanto ao seu líder, Yasser Abu Shabab, que tem atrás de si um passado criminoso. Tem cerca de 300 membros e surgiu em Gaza com o objetivo de libertar o enclave do Hamas, revela uma reportagem da agência Euronews. Os próprios alegam ter o apoio de Israel – o que, a ser verdade, seria a repetição de uma estratégia há muito usada pelas autoridades israelitas: apoiar, nomeadamente com armas, fações beligerantes no seio dos palestinianos, para que tratem de se aniquilar entre si. Isso mesmo sucedeu quando o Hamas e a Autoridade Palestiniana pegaram em armas (parte delas fornecidas pelos israelitas) e se cruzaram numa guerra civil que enfraqueceu os palestinianos e que acabou com uma separação sem contactos: o Hamas em Gaza e a Autoridade Palestiniana na Cisjordânia.

Segundo a Euronews, as Forças Populares operam na zona oriental de Rafah sob a liderança de Yasser Abu Shabab, um beduíno de cerca de 30 anos que passou muito tempo detido pelo Hamas por atividades criminosas antes dos ataques de 7 de outubro o libertarem da prisão. De acordo com as declarações feitas em exclusivo à Euronews, o grupo de Abu Shabab – que não deve ser confundido com os extremistas islâmicos da Somália, Al-Shabaab – reuniu-se pela primeira vez em junho de 2024.

As Forças Populares, também conhecidas pelo nome de Serviço Antiterrorista, descrevem-se como “voluntários do povo” que protegem a ajuda humanitária da “pilhagem, corrupção e roubo organizado” por grupos filiados ao Hamas. “Não somos combatentes profissionais, nem somos uma milícia, uma vez que não utilizamos táticas de guerrilha”, declarou o grupo em declarações à Euronews, citado por uma reportagem assinada por Aleksandar Brezar e Gregory Holyoke.

O Hamas respondeu com assassinatos diretos contra membros das Forças Populares, numa demonstração de força contra potenciais organizações rivais, apesar de meses de ataques militares israelitas. “O Hamas matou mais de 50 dos nossos voluntários, incluindo membros da família do comandante Yasser, enquanto estávamos a guardar comboios de ajuda”, disse o porta-voz das Forças Populares. O Hamas rejeitou com firmeza as alegações de especulação de guerra e de roubo de ajuda humanitária, também elas feitas por Israel – algo que as Forças Populares insistem que continua, de facto, a acontecer.

Entretanto, o próprio Yasser Abu Shabab revelou que o seu grupo está a “coordenar” com o exército israelita em Rafah. Numa entrevista concedida no domingo à rádio em língua árabe da emissora pública israelita KAN, Abu Shabab afirmou que o seu grupo está a cooperar com Israel em termos de “apoio e assistência”, mas não de “ações militares”, que explicou serem conduzidas exclusivamente pelo seu grupo.

Embora as Forças Populares tenham desde então negado que Abu Shabab tenha dado a entrevista à KAN, depois de ter sido alvo de críticas em Gaza, o acordo representaria a última tentativa de Israel de promover parceiros locais que possam desafiar o controlo de Gaza pelo Hamas. Uma coligação mais ampla, incluindo a Autoridade Palestiniana, o Egipto, os Emirados Árabes Unidos e os Estados Unidos, está alegadamente envolvida na procura de alternativas ao domínio do Hamas.

Mas nem toda a gente está convencida de que esta estratégia seja à prova de bala. “Estas forças populares são uma faca de dois gumes”, disse à Euronews Fleur Hassan-Nahoum, vice-presidente da Câmara de Jerusalém e enviado especial do Ministério dos Negócios Estrangeiros. “Não estamos a falar de democratas amantes da paz. Estamos a falar de bandos que estão fartos do maior de todos os bandos, que é o Hamas”.

Embora desconfiado em relação ao Abu Shabab, Hassan-Nahoum também reconheceu que Israel não tem grande escolha. “Havia duas Gazas”, explicou. “Havia a Gaza do Hamas… e depois havia a segunda Gaza das pessoas sem direitos que não faziam parte do Hamas.” E alguns dos excluídos simplesmente chegaram a um ponto de rutura, disse Hassan-Nahoum. “Estes bandos, creio eu, chegaram a um ponto em que sentem que o Hamas é fraco e, obviamente, criaram a maior catástrofe da história da Faixa de Gaza”.

O sírio Ahmed al-Sharaa, que passou de líder de uma filial da Al-Qaeda e terrorista procurado sob o nome de guerra Abu Mohammad al-Julani para um papel político legítimo como líder do país, é um exemplo de como a viragem de 180 graus pode funcionar, apesar do ceticismo, acrescentou Hassan-Nahoum. “Al-Julani, na Síria, também chefiava um bando (…) e, agora, está a dar um passo em frente. Por isso, não se sabe quem é que pode sair destes gangs”.

Yasser Abu Shabab estava preso a 7 de outubro por tráfico de droga, mas foi libertado juntamente com a maioria dos outros detidos quando a guerra começou.

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