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Espanha: três noites de ódio na cidade de Torre-Pacheco

Localidade no sudeste de Espanha vive dias de tensão após um ataque cujo vídeo se tornou viral e uma onda de ataques racistas. Tudo num município com uma elevada população imigrante. O Vox é diretamente acusado de incentivar o alarme num município liderado pelo PP.
Javier Ortega Smith, VOX
14 Julho 2025, 11h38

Em apenas 72 horas, o município de Torre Pacheco, em Múrcia, tornou-se o foco de uma crise marcada pelo ódio e pela desinformação em Espanha. Pedras, foguetes e proclamações racistas estenderam-se por várias noites de tensão numa cidade onde, segundo a câmara municipal, coabitam mais de 90 nacionalidades.

O ponto de partida foi a agressão a um idoso, filmada e ‘viralizada’, que serviu de pretexto para desencadear uma onda de violência contra a população imigrante. Segundo reportagem da agência Euronews, a vítima, um homem de 68 anos, foi agredida pelas costas por dois jovens, um deles menor de idade, num episódio que rapidamente se propagou através de um vídeo. Seguiram-se três noites de motins por parte de grupos de ultranacionalistas de outras localidades, como confirmam as autoridades locais. No bairro de San Antonio, onde residem muitas das famílias migrantes, foram atiradas pedras, acendidos foguetes, atacadas instalações e ouvidos gritos de “fora, mouros!”.

Segundo a delegação do governo espanhol, já foram detidas oito pessoas: cinco espanhóis e três cidadãos magrebinos, dois deles diretamente ligados ao ataque inicial ou ao seu encobrimento. As acusações incluem crimes de agressão, danos, perturbação da ordem pública e ódio.

A presença policial foi reforçada com mais de 75 agentes destacados, incluindo membros da Guardia Civil, da polícia Local e de unidades anti-motim. Graças a este destacamento, não houve registo de violência na noite de domingo: segundo a RTVE, a operação evitou a repetição dos confrontos e impediu que os ultras se reorganizassem para provocar uma nova batalha campal.

O medo, porém, persiste. “Os imigrantes não saem à rua, nem os habitantes locais”, contava uma reportagem do jornal ‘El País’. Muitas lojas fecharam as portas e algumas famílias, maioritariamente de origem marroquina, optaram por não mandar os filhos à escola ou mesmo por abandonar temporariamente as suas casas.

A Guardia Civil abriu uma investigação para identificar os responsáveis pelas mensagens que circularam em canais encriptados e nas redes sociais com apelos diretos à “caça ao imigrante”. Plataformas como “VerificaRTVE” e “Newtral” confirmaram que muitos dos vídeos utilizados para justificar a violência eram antigos, manipulados ou completamente falsos – o costume, portanto, numa estratégia que tem sido usada em todo o ocidente (Europa e Estados Unidos) para consolidar uma perceção que tem tudo de falso: a ligação entre o crime e a imigração.

As reações do governo central foram enérgicas. A ministra das Migrações, Elma Saiz, declarou que “Espanha não é um país de caça aos imigrantes” e acusou a extrema-direita de ter alimentado o ódio com os seus discursos. O ministro do Interior, Fernando Grande-Marlaska, numa entrevista à televisão SER, apontou o Vox como responsável pela difusão de mensagens que “serviram de combustível para esta situação”.

O Vox obteve quase 19% nas últimas eleições municipais em Torre Pacheco. O partido publicou na sua conta oficial várias mensagens que responsabilizam diretamente os imigrantes de origem norte-africana pelo “terror”. Saiz e a vice-presidente Yolanda Díaz acusaram o partido de “incendiar as ruas com discursos racistas” e de “usar a dor para dividir”. O Vox negou qualquer responsabilidade nos tumultos e exigiu uma “mão dura contra a imigração ilegal”.

O presidente da câmara de Torre Pacheco, Pedro Ángel Roca (do Partido Popular, que nos municípios espanhóis vai construindo uma história de sã convivência com o Vox) reforçou o dispositivo de segurança e condenou os ataques, embora uma parte da comunidade imigrante se queixe da tibieza da reação institucional. “Sentimos que estamos sozinhos”, disse um comerciante marroquino ao ‘El Mundo’.

Torre Pacheco, com uma economia centrada na agricultura intensiva, tem-se caracterizado historicamente pela convivência entre comunidades, mas também por fortes desigualdades sociais. De acordo com os dados municipais, 32 % dos seus habitantes são estrangeiros, muitos deles empregados em trabalhos agrícolas.

Pedro Ángel Roca, referiu entretanto a um jornal local que “a situação estava tranquila até agora”, mas que “há pessoas que não são da cidade e que vêm complicar a nossa convivência. Não entendo”. Roca deixou claro que a convivência na cidade é, em geral, boa: “a convivência no município costuma ser boa. É verdade que temos crimes que precisamos controlar. Os moradores de Torre-Pacheco querem uma boa convivência. Não queremos que grupos de fora venham resolver a situação, porque o que eles vêm fazer é atrapalhar a convivência”.

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