Existe uma revolução silenciosa a transformar o panorama urbano em Portugal que está a mudar a forma como pensamos o setor do retalho no imobiliário. À medida que os centros comerciais tradicionais e as lojas de rua se reinventam perante novos hábitos de consumo, um novo modelo está a ganhar força: os projetos de uso misto (mixed use).

Já não faz sentido pensar nos espaços comerciais como entidades isoladas, dependentes do tráfego de fim de semana ou de sazonalidade. Em cidades como Lisboa, Porto e, cada vez mais, em centros urbanos de média dimensão, os projetos mais promissores são aqueles que combinam habitação, comércio, escritórios e lazer no mesmo espaço. Este modelo, como a cidade dos 15 minutos, não só está a prosperar, como está a tornar-se indispensável.

Mais do que uma tendência: uma mudança estrutural

Os projetos de uso misto não são uma moda passageira. Representam uma resposta à evolução das nossas formas de viver, trabalhar e consumir. O pós-pandemia acelerou a procura por conveniência, proximidade e comunidades multifuncionais.

Hoje, queremos tomar um café no rés-do-chão, ter o ginásio e a escola a curta distância e evitar deslocações desnecessárias. Do lado das marcas e restaurantes, a vantagem é evidente: acesso direto a uma base de clientes constante e diversificada.

Num contexto de uso misto, cria-se uma sinergia real. Os promotores diversificam receitas, os lojistas beneficiam de uma clientela residente e os moradores ganham qualidade de vida. As cidades, por sua vez, ganham vitalidade urbana e menor dependência do transporte individual.

Lisboa e Porto a liderar a transformação

Em Portugal, Lisboa e Porto são os motores desta mudança. Na capital, zonas como Alcântara, Marvila e, em breve, Entrecampos têm sido palco de projetos que integram habitação com restauração, espaços culturais e escritórios. No Porto, zonas periféricas como Campanhã ou Matosinhos estão a atrair investimento precisamente por oferecerem espaço e acessibilidade para este tipo de transformação urbana.

Os investidores estão atentos. Dados recentes mostram que quase metade do investimento em imobiliário comercial em Portugal, em 2024, foi direcionado para ativos de retalho — muitos deles integrados em projetos de uso misto. O retalho já não é apenas uma questão de metros quadrados, mas de contexto, acessibilidade e integração.

Planeamento, visão e parcerias

Estes projetos exigem mais do que capital. Exigem visão estratégica, conhecimento do território e capacidade de articulação com os municípios. Os desafios não são poucos: regulamentações urbanísticas distintas, custos de construção em alta e a necessidade de conciliar funções distintas no mesmo espaço.

Mas o retorno compensa. Os projetos de uso misto, quando bem concebidos, oferecem estabilidade de rendimentos, maior resiliência a ciclos económicos e atraem um perfil de consumidor mais exigente, que valoriza a sustentabilidade e a conveniência.

Uma nova mentalidade para um novo ciclo

O setor imobiliário em Portugal tem aqui uma oportunidade clara. Chegou o momento de deixar de pensar apenas no “ativo isolado” e passar a pensar em ecossistemas. Os próximos anos vão recompensar quem souber desenvolver projetos com vida própria, que combinem função com propósito.

Não se trata apenas de construir lojas ou apartamentos. Trata-se de construir bairros, teias urbanas com identidade, onde viver, trabalhar e consumir fazem parte da mesma experiência.

Portugal está pronto. O mercado está atento. E os projetos de uso misto não são uma alternativa. São, cada vez mais, o caminho óbvio para um imobiliário mais moderno, rentável e humano.