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Nasdaq avança para negociação em blockchain

A operadora do segundo maior mercado do mundo está a trabalhar com o regulador para poder utilizar um sistema tokenizado, que permite a negociação da representação digital de ativos. É uma revolução em curso.
14 Setembro 2025, 17h10

Negociação de títulos cotados em bolsa 24 horas por dia, sete dias por semana, sem intervalos, com a liquidação instantânea das operações, sem atrasos. Estas são promessas de um mercado de capitais que funcione com recurso a uma rede de blockchain e é isso que a Nasdaq quer fazer, aproveitando os ventos de feição para as criptomoedas soprados pela administração de Donald Trump, que tem avançado na flexibilização da regulamentação para este tipo de ativos.

A Nasdaq é o segundo maior mercado de ações do mundo em capitalização, depois da Bolsa de Nova Iorque. É um mercado digitalizado e automatizado, encarado como um indicador do mercado tecnológico. Esta semana, apresentou uma proposta à Comissão de Valores Mobiliários dos (SEC, no acrónimo em inglês) dos EUA para ajustar as suas regras e permitir a negociação de ações cotadas e produtos negociados em bolsa no seu principal mercado, “tanto na forma digital tradicional como na forma tokenizada”. Isto acontece dias depois de o próprio regulador ter divulgado a sua agenda, que inclui uma possível alteração para permitir a negociação de criptomoedas em bolsas de valores norte-americanos e sistemas de negociação alternativos.

Se for aprovada, será a primeira vez em que tokens, representações digitais de ativos (como ações ou obrigações) serão negociados num grande mercado de capitais e representará também a tentativa mais ambiciosa de um operador de bolsa de valores de trazer a liquidação baseada em blockchain para o sistema.

“É um desenvolvimento que é de enorme relevância porque assinala um passo decisivo na modernização dos mercados financeiros globais”, diz ao Jornal Económico (JE) Luís Tavares Bravo, economista, consultor e presidente da International Affairs Network. “Trata-se de uma potencial transformação estrutural dos mercados de capitais, capaz de redefinir a forma como investidores, empresas e instituições interagem, aumentando a eficiência, a transparência e a acessibilidade a nível mundial”, acrescenta.

“Marca o início de uma verdadeira revolução no ecossistema financeiro dos EUA com a Web3”, reforça Paulo Cardoso Amaral, professor da Universidade Católica de Lisboa.

Chuck Mack, vice-presidente sénior de Mercados na América do Norte da Nasdaq tem dito sobre a proposta submetida à SEC constitui um estímulo ao debate público e colaboração com stakeholders. “Estamos ansiosos para ouvir diferentes perspetivas. Aliás, parte da razão do nosso registo é fomentar o debate de forma muito transparente”, diz.

A Nasdaq não está a construir o seu próprio blockchain e propõe utilizar como base uma solução no Hyperledger Besu, um cliente Ethereum empresarial concebido para redes privadas. A proposta pretende alavancar a infraestrutura atual dos mercados dos EUA para permitir a negociação de valores tokenizados.

Coexistirão duas formas de negociação, a atual e a tokenização. Partirão do mesmo livro de ordens, terão a mesma prioridade de execução e garantirão os mesmos direitos dos acionistas. Mack sublinha que a Nasdaq que introduzir inovações, mas mantendo os pilares tradicionais dos mercados americanos de descoberta de preços, transparência e melhor execução.

À procura de densidade

Este passo dado pela Nasdaq é importante, mas não é isolado. Trata-se de mais um agente na corrida da tokenização.

A Coinbase, a maior corretora de criptomoedas dos EUA, também já tinha procurado a permissão da SEC para oferecer “ações tokenizadas” aos seus clientes. Alguns grandes bancos globais, incluindo o Bank of America e o Citigroup encaram a oportunidade de lançamento de ativos tokenizados, incluindo stablecoins.

O grupo de trabalho que trabalha com a Hyperledger Foundation para o desenvolvimento do mercado de tokens junta empresas como a consultora Accenture, Consensys, o financeiro Citigroup, a Mastercard, o Santander e a Visa.

Para que a solução seja viável, é preciso que o movimento ganhe densidade com o uso e o acesso generalizado. A ideia que os agentes de mercado têm, e daí o entusiasmo com o que está a propõe a Nasdaq, é que assim que as ações estabilizarem na blockchain, o resto de Wall Street seguirá o exemplo. O movimento torna-se imparável.

“Para que o mercado regulado possa realmente florescer com a Web3, é necessário tokenizar todos os elementos envolvidos nas transações, começando pelas formas mais simples de troca de valor, como o dinheiro, e pela identidade digital dos intervenientes”, avisa Paulo Cardoso do Amaral. “A Europa já definiu uma abordagem sólida e eficaz para ambos os casos, mas tem faltado estratégia. Falta perceber se os EUA seguirão o mesmo caminho, pois, se assim for, poderemos estar perante o nascimento do futuro líder da 4.ª Revolução Industrial”, conclui.


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