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Credores do BES recorrem para Supremo e insistem em “inconstitucionalidade”

Investidores internacionais recorreram para o Supremo da sentença do Tribunal que considerou legal a resolução. Insistem que medida é ilegal e dizem que justiça “falhou” e que “é insatisfatória” a explicação.
11 Maio 2019, 15h00

Um grupo de 17 obrigacionistas subordinados que incluiu uma das maiores gestoras de ativos da América Latina, fundos de investimento internacionais e um gestor de fundos de pensões de funcionários públicos norte-americanos recorreram para Supremo Tribunal Administrativo (STA) da sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa (TAL) que concluiu que a decisão do Banco de Portugal (BdP) de resolver o BES foi legal, constitucional e que era inevitável. Investidores internacionais insistem que medida de resolução “padece do vício de constitucionalidade” e que Tribunal fez “uma má apreciação”, pelo que avançam agora com recurso para o Supremo.

O Jornal Económico teve acesso ao recurso do grupo de 17 credores subordinados, representados pelo escritório de advogados Vieira & Associados, que deu entrada a 16 de Abril após a primeira derrota para os acionistas e credores subordinados do antigo BES que contestaram na justiça a resolução do antigo banco adotada em 03 de agosto de 2014 pelo BdP.  Caso decisão do STA volte a ser negativa, investidores podem ainda recorrer para o Tribunal Constitucional dado que as principais alegações na acção inicial, e que mantêm-se, prendem-se com questões constitucionais suscitadas pela separação do BES em “banco bom” e “banco mau”, numa medida que foi requerida a nulidade junto do TAL que adotou um acórdão-piloto no contexto da concentração de processos decidida pelo presidente do tribunal. Ou seja, dos 24 processos em causa, foram escolhidos dois por reunirem toda a informação necessária e por esta ser comum a todos. Entre os autores estão a massa insolvente do Espírito Santo Financial Group e os credores subordinados do BES, “hegde funds” e outros titulares de obrigações subordinadas.

Os credores subordinados –  que apresentaram uma ação contra o BdP e pretendiam ser ressarcidos na impossibilidade da “reversão” resolução –  voltam agora a insistir numa série de inconstitucionalidades ao regime jurídico da resolucão sobre o BES, entre eles a violação da reserva legislativa do Parlamento e a violacão do direito de propriedade privada e dos princípios da igualdade e da justa indemnização.

“A resolução do BES teve na sua base um Decreto-Lei, o 114-A/2014 de 1 de agosto, que carecia de uma autorização da Assembleia da República para ser emitido. Por essa razão, o referido Decreto-Lei padece de um vício de inconstitucionalidade orgânica evidente”, avançou ao Jornal Económica Daniela Guimarães, advogada da Vieira & Associados, uma das autoras do recurso que conta com 139 páginas.

Segundo a defesa dos investidores internacionais,  o recurso “radica na má apreciação” por parte do TAL da legalidade da medida de resolução aplicável ao BES, realçando que o Tribunal  entendeu que a autorização legislativa da Assembleia da República não era necessária e que, por isso, o Decreto-Lei que legitimou a resolução “não é inconstitucional”.

Daniela Guimarães acrescenta aqui que a razão para tal entendimento tem que ver com o facto, de na perspetiva do TAL, o decreto-lei do Governo que permite a resolução  “não prever matéria nova que ofenda o conteúdo essencial do direito de propriedade dos fundos – titulares de obrigações emitidas pelo BES”. Ou seja, para a justiça a resolução bancária não foi criada por este Decreto-Lei não autorizado, pois ela já existia na Ordem Jurídica Portuguesa desde 2012, quando foi introduzida pelo Decreto-Lei que veio introduzir um regime de resolução no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (DL 31-A/2012) que, por sua vez, gozava de autorização legislativa.

Fundos alegam: resolução viola direito de propriedade

Um argumento que é agora contestado pela defesa dos investidores internacionais, pois, explica Daniela Guimarães, apesar do DL da resolução do BES não introduzir o regime da resolução bancária, introduz as regras que vão reger as indemnizações aos credores do Banco como é o caso dos obrigacionistas subordinados (estes credores são pagos em último lugar em caso de insolvência).

De acordo com esta advogada, está em causa o chamado princípio do “no creditor worse off”  (estabelece que nenhum credor poderá sofrer perdas mais elevadas num cenário de resolução do que aquelas que teria se o BES tivesse sido liquidado a 3 de agosto de 2014). “Por conseguinte, o referido Decreto-Lei contém normas que versam sobre o conteúdo essencial do direito de propriedade dos autores enquanto titulares de um direito de crédito sobre o BES que perde o seu valor a partir do momento em que o Banco perde todos os seus ativos”, realça.

A defesa dos credores subordinando alega, por isso,  que as normas em causa correspondem a uma medida similar a uma expropriação, uma vez que o Banco de Portugal fica habilitado a retirar ativos da esfera jurídica de sujeitos privados e a transferi-los para a esfera jurídica de outrem (o banco de transição). “Essa norma habilitadora de medidas similares a expropriações é materialmente inconstitucional porque não está acompanhada pela previsão de uma justa indemnização”, concluem.

No recurso são ainda alegadas inconstitucionalidades orgânico formais, nomeadamente o facto de o  direito de propriedade constitucionalmente consagrado  ser extensivo a reserva de competência legislativa da Assembleia da República, o que não aconteceu na resolução do BES. A defesa frisa aqui que até 2014, todas alterações legislativas levadas a cabo pelo Governo ao regime de saneamento, recuperação e resolução de bancos e instituições de crédito foram precedidas por uma lei de autorização legislativa. O que, conclui, não aconteceu com o Decreto Lei da resolução do BES: neste caso, “ a requerida autorização legislativa deixa de ser necessária, sem mais”.

Tribunal “falhou”, alega defesa de fundos

A defesa dos investidores internacionais alega no recurso apresentado no Supremo que  “o Tribunal falhou em perceber a problemática da concessão de um poder tão arbitrário ao Banco de Portugal, por ter entendido que o regime de resolução bancária não vai contra o núcleo essencial do direito de propriedade”.

Para este grupo de 17 credores subordinados “é insatisfatória” a explicação do Tribunal Administrativo que considerou a medida de resolução “certa, correta e verdadeira, face aos dados de que dispunha naquelas datas”. Isto porque, alega a defesa, “não apresenta argumentos bastantes que justificam tratar igualmente pessoas em situações tão desiguais como os acionistas e os obrigacionistas, por uma parte e, por outra parte, os membros dos órgãos de administração e de fiscalização, pessoas que tenham estado na origem das dificuldades da instituição ou contribuído para o seu agravamento ou pessoas que tenham tirado benefício de factos relacionados com a instituição”.

Para  a justiça “a resolução era a única alternativa” e acusa a gestão de Salgado de “ocultação ou simulação de dados contabilísticos”. Segundo o TAL,  esta situação de “desconformidade e ocultação nas contas do ES da verdadeira realidade em que se encontrava desde o início de 2014 (…) só veio ao conhecimento do Banco de Portugal nos 5 dias ao da apresentação de resultados no dia 30 de julho de 2014”.

Quanto à resolução, “perante as concretas circunstâncias em que o BES se encontrava, não havia um cenário alternativo que não fosse o de liquidação do BES, pois que não se mantinha sequer em condições de manter a autorização para o exercício da respetiva atividade, sendo totalmente hipotético e inverosímil qualquer outro cenário que não aquele”, nota o tribunal.

Artigo publicado na edição nº 1986, de 26 de abril, do Jornal Económico

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