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Reforma do Estado “é tecnológica, não é ideológica”

Álvaro Beleza deu o mote, para debate com Luís Pais Antunes e Armindo Monteiro. Sim, é preciso rapidez, eficiência, confiança e ambição. Mas tudo isso pode entrar em conflito com interesses instalados. Reflexões tiveram lugar esta quarta-feira na conferência do CAAD, organizada pelo JE.
1 Outubro 2025, 16h25

Que reforma do Estado? A pergunta resulta daquilo que parece ser uma evidência comummente aceite: o Estado precisa de ser reformado. Mas se todos convergem nesse ponto, a convergência fica por aqui quando a pergunta passa a ser: como fazer a reforma do Estado? O painel que sobre a matéria foi introduzido na conferência do CAAD mostrou isso mesmo.

Para Álvaro Beleza, presidente da SEDES, Associação para o Desenvolvimento Económico e Social, uma associação cívica, “é preciso menos conversa e mais ação”, principalmente porque se sabe que “a reforma do Estado é dolorosa, uma vez que o doente que não tem um cancro, tem dois ou três”. Sendo certo que “não há uma terapêutica portuguesa” para que a reforma do Estado possa correr bem, “o que a SEDES tem feito é apresentar propostas que estão de acordo com o que de melhor se faz noutros países com problemas semelhantes”. Dito de outra forma: “o diagnóstico está feito” – e, disse Álvaro Beleza, bem entregue: o ministro Gonçalo Matias tem tudo para fazer a reforma do Estado”.

Mais concretamente, o presidente da SEDES afirma que “A reforma do Estado é tecnológica, não é ideológica. Temos legislação a mais” e “a ferramenta essencial é a digitalização, é usar a Inteligência Artificial” e toda a parafernália de soluções. Que permitam, por exemplo, “simplificar os impostos: acabar com benefícios fiscais, tornar o sistema mais acessível, mais justo” – até porque, salientou, “a complexidade das coisas ajuda quem tem poder”. “Isto permitirá baixar a carga fiscal e permitir o crescimento económico”, como foi provado à saciedade “pelo exemplo da Irlanda. A reforma fiscal é fundamental”.

Álvaro Beleza foi mais além: “a reforma do Estado é também juntar instituições redundantes” e deve começar pelo topo da hierarquia. “Saúde e Segurança Social deviam estar juntas. Administração Interna e Defesa deviam estar no mesmo ministério. A Justiça deve ser gerida pelo Conselho Superior da Magistratura – que devia ir para Coimbra. É que descentralizar também é reformar”, afirmou.

Pegando nessa ‘deixa’, o clínico continuou em frente: “nos 50 anos da Constituição, que se comemora para o ano, falta cumprir a regionalização. O poder local tem falta de escala. É essencial transformar as CCDR em organismos eleitos e a criar uma câmara alta das regiões, também descentralizada”, afirmou.

Pior ainda – ou melhor ainda, dependendo dos pontos de vista, “tudo isto tem de ser feito ao mesmo tempo” e para que isso aconteça “é preciso coragem – que falta muito na Europa como em Portugal. Tudo isto dói”.

Luís Pais Antunes, presidente do Conselho Económico e Social (CES) – o lugar onde se encontram os ‘stakeholders’ do Estado e por maioria de razão dos visados numa reforma do Estado – parecia ter dúvidas. Deixando claro que “o contributo da SEDES é importante– nem todas as propostas são praticáveis, mas são interessantes”, detectou um problema: “o excesso de ambição é fatal para quaisquer grandes projetos”. Na sua opinião, o problema começa ‘à nascença’: “a abordagem do processo de reforma do Estado começa pelo início: demasiada pressa na digitalização não resolve nada se estivermos a digitalizar o que está mal. O problema é em grande medida um problema de procedimentos. São muitos antigos”, afirmou. Nesse contexto, “o redesenho de procedimentos é essencial”. E o próprio CES, a que preside, é um exemplo claro de um certo anacronismo que distancia a realidade, que não para de mudar, do imobilismo de procedimentos, pelo menos enquanto imutáveis.

Armindo Monteiro, presidente da CIP – que não quis deixar de salientar o seu “reconhecimento pelo papel determinante do CAAD” – introduziu no debate do tema “um pormenor português: a utilização que os partidos fazem do medo. Transformaram-nos numa nação com muitos medos. Cada reforma tem sido feita pelo medo”. Um discurso que, não estando dentro dos cânones daquilo que são os ‘usos e costumes’ da CIP, permite compreender que a confederação tem agora alguém que olha por cima deles. “Temos de substituir o medo pela confiança, pelo compromisso. São dois fatores fundamentais: um compromisso com uma ideia central, que envolva ambição e confiança”, afirmou.

É nesse quadro, disse ainda, que o CES é de alguma forma o lugar onde se percebe que “o trabalho e capital conseguem resolver, mas a política complica”. Até porque, como se sabe, uma parte dos presentes “são uma caixa de ressonância dos partidos”.

Luís Pais Antunes concorda: “Continuamos a funcionar, na Europa, num modelo desenhado no século passado, nos anos 70 e 80. Hoje, a multiplicidade de interesse é muito diferente. E já não se revê naquela mesa. O sector financeiro, por exemplo, está um bocadinho à margem do diálogo social. Qualquer dia, estamos fechados numa sala, mas o mundo cá fora já mudou”.

É aí que Armindo Monteiro introduz a ‘arma secreta’: “é preciso combater o desperdício. Com recursos escassos queremos resolver necessidades abundantes” e isso não será propriamente fácil. Dito de outra forma: o desperdício é a discussão que não leva a lado nenhum, as ideias que não são exequíveis, as ineficiências que perturbam.

Mais otimista, Álvaro Beleza afirma que “Portugal, mesmo que não se faça uma reforma do Estado, é um porto de abrigo seguro, muito devido à geografia” que por isso continua a “atrair capital, investimentos, cérebros”. Assim, adianta, “”se fizemos uma reforma fiscal, se simplificássemos, se digitalizássemos, se tivéssemos IRC e IRS competitivos, podíamos ser muito melhores que a Dinamarca ou a Irlanda. Ou aproveitamos, ou não”. Mas, para isso – ou para tudo isso – “precisamos de velocidade – temos de ser bons e rápidos, fazer bem e depressa. E não ter medo de ter ambição”. E aí, “o CES é fundamental: temos de saber conversar, temos que ultrapassar o Estado corporativo, o Salazar que ainda está presente. E não deixar ninguém para trás”.

Mas com alguns travões, segundo concluiu Pais Antunes: “quando falo em excesso de ambição não é por não reconhecer essa necessidade. A questão é ir depressa demais quando não temos as condições para isso. Temos gente fantástica, mas temos procedimentos antigos. Há um atavismo mediterrânico que nos mantém agarrados ao passado”. Talvez seja uma boa altura de o deixar para trás.

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