A instabilidade política em França está a mexer com os mercados e a ter um impacto direto nos mercados obrigacionistas. Com a demissão de Sébastien Lecornu, primeiro-ministro francês, na véspera da discussão do orçamento, os mercados voltaram a focar-se, pela negativa, nos indicadores gauleses e à incerteza política junta-se a dificuldade em aplicar medidas que levem à consolidação orçamental na segunda maior economia da zona euro.
Em entrevista ao JE, o economista António José Duarte não tem dúvida em afirmar que “as sucessivas quedas de governos e a instabilidade política em Paris estão a ter um impacto direto nos mercados obrigacionistas”.
Assim, “pela primeira vez, a dívida francesa a 10 anos negoceia com um prémio superior à de Itália, sinal claro de que os investidores penalizam cada vez mais a incerteza política e a dificuldade em aplicar medidas de consolidação orçamental”.
Desde a queda do governo de Gabriel Attal, em julho de 2024, tem-se registado um agravamento dos spreads da dívida francesa face à Alemanha, e no entender deste economista, essa situação “reflete uma perceção crescente de fragilidade fiscal e de risco político. O diferencial a 10 anos atinge hoje os 86 pontos base, o dobro do spread da dívida portuguesa em relação à Alemanha para o mesmo prazo”.
A instabilidade governativa traduz-se assim “num aumento do custo de financiamento do Estado francês, com reflexos imediatos no setor corporativo” com repercussões para as empresas francesas que “enfrentam igualmente o alargamento dos seus spreads de crédito, dado que o risco soberano serve de referência para a fixação das taxas”.
Assim, destaca este economista ao JE, “o contágio é duplo — por via do encarecimento do financiamento externo e pela deterioração da confiança dos investidores nos ativos franceses em geral”.
“Do ponto de vista económico, a necessidade de reforçar receitas fiscais para combater o défice (-5,80% em finais de 2024) poderá implicar um aumento de impostos, comprimindo o poder de compra das famílias. Este quadro traduz-se em mais risco para as empresas, que enfrentam simultaneamente custos de financiamento mais elevados e um mercado doméstico mais frágil”, destaca.
Um ponto crítico, no entender de António José Duarte, passará pelo roll over de quase 220 mil milhões de euros de dívida pública até ao final de 2025, com grande parte dos títulos emitidos a taxas fixas com cupão médio bastante inferior à yield atual. “Esta diferença”, sublinha o economista, “implicará custos acrescidos e um prémio adicional exigido pelos investidores, pressionando ainda mais as finanças públicas. Os mercados nunca ignoram o risco político: pelo contrário, incorporam-no de imediato”.
“Instabilidade significa spreads mais largos. Hoje, a França, tradicional “core” da Zona Euro, está a ser tratada pelos investidores como um emissor periférico — com impactos relevantes tanto para o Tesouro como para o financiamento das empresas”, conclui.
O primeiro-ministro francês, Sébastien Lecornu, apresentou esta segunda-feira a sua demissão ao Presidente, Emmanuel Macron, que a aceitou, mergulhando a França num novo impasse político.
Nomeado em 9 de setembro, Lecornu foi alvo de críticas por parte dos opositores e da direita depois de revelar parte do seu Governo na noite de domingo, o terceiro num ano. Lecornu deveria apresentar a sua declaração de política geral à Assembleia Nacional francesa na terça-feira.
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