Os dados ainda não estão contabilizados, mas é sentimento geral do setor que o período de vindimas 2025, que acaba de fechar, ficou abaixo das expectativas dos produtores – que já de si não eram as melhores: a produção de 2024 tinha recuperado do mau ano anterior e esperava-se que 2025 voltasse a ficar abaixo dos valores do ano passado. Num contexto em que os excedentes passaram a ser um problema em algumas regiões, nomeadamente no Douro, uma colheita menos conseguida em termos de quantidades pode ser sempre uma boa notícia. Parece ser o que está a acontecer.
Segundo disse ao JE Paulo Amorim, presidente da Associação Nacional dos Comerciantes e Exportadores de Vinhos e Bebidas Espirituosas (ANCEVE), “muitos grandes compradores não renovaram os seus contratos de compras para as vindimas deste ano”, o que lançou muitos pequenos produtores no desespero. As consequências foram as de sempre: “muitos pequenos produtores simplesmente abandonaram as vinhas e nem sequer estiveram disponíveis para tratar das vinhas ao longo da sua fase de crescimento” – o que sucedeu não só por causa das baixas expectativas de colocação da produção, mas também porque, ao longo do ano, os produtos químicos para tratamento da vinha sofreram aumentos que ultrapassaram os 50% – como explicou um produtor da região dos Vinhos Verdes.
Ora, perante uma vindima que fixou aquém do esperado, “muitos desses grandes compradores vieram posteriormente a tentar comprar produções que antes tinha recusado”, salvando assim centenas de pequenos produtores da ruína temporária. Estas movimentações não servirão para salvar um ano que pareceu sempre estar votado ao fracasso, mas podem contribuir para minimizar a conjuntura de um setor que está confrontado com fortes desafios.
As tarifas
As tarifas impostas por Donald Trump ao resto do mundo, ou a parte substancial dele, entraram em vigor, depois de sucessivos atrasos, em setembro passado, pelo que os estragos causados pelas novas pautas aduaneiras ainda não estão contabilizadas e as suas metástases não foram ainda vertidas nas contas. Mas ninguém no setor acredita que o impacto venha a ser pouco.
Para fazer face a essas vicissitudes, o setor reclama apoios. Paulo Amorim explicou que a fileira quer que o Orçamento do Estado dê um sinal claro de que há uma estratégia estruturada para a promoção de Portugal como uma origem de produção de excelência e de resposta a um quadro de crise internacional do comércio. “O apoio à internacionalização, de uma forma concreta e bem conseguida – e que vá para além da indústria – é essencial”, disse. E o setor quer principalmente que qualquer medida de apoio e de resgate da fileira seja desta vez bem gizado. Tem esta pretensão a ver com as medidas de apoio à queima de excedentes (a sua transformação em aguardente) da região do Douro, que o Ministério da Agricultura propôs e que a Comissão Europeia recusou subscrever. De facto, o comissário europeu para a Agricultura e Alimentação, Christophe Hansen, considerou que a atribuição de um apoio financeiro de 15 milhões de euros aos viticultores do Douro, à razão de 0,50 euros por quilo de uvas entregue para destilação, aprovado em Conselho de Ministros a 28 de agosto, não só não é “eficaz”, como é contrário às normas europeias. A solução mais “pertinente” para reduzir os stocks na região é a “luta contra a fraude”, através da rotulagem e os controlos de autenticidade, e a “colheita em verde”, explicava o comissário em carta dada a conhecer pelo jornal ‘Público’. Paulo Amorim dificilmente podia ser mais crítico do processo que levou o ministério liderado por José Manuel Fernandes, e ele próprio, por este enorme enxovalho. “Tudo começou mal quando o ministro quis fazer um plano que privilegiava o Douro”, sendo certo que o vinho em excesso não é um problema exclusivo daquela região. Neste contexto, “o pacote é muito injusto para as restantes regiões”. Mais: “o plano foi tão mal pensado que teve pouca adesão e depois mereceu o chumbo de Bruxelas. Um chumbo de uma proposta que vem de alguém que esteve em Bruxelas como eurodeputado”, função para que foi eleito três vezes.
Vinho a martelo
Mas a carta do comissário encerra uma outra crítica relativa a uma circunstância que é uma espécie de tabu: a “luta contra a fraude” e os “controlos de autenticidade” escondem uma prática antiga, que se mantém longe das notícias e que não deixou de existir: o tráfico de vinho. Ou, dito de uma forma mais suave, a transferência de vinhos de outras proveniências para o interior das regiões demarcadas e a sua posterior venda como produtos ‘DOC’. Compete ao Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) fazer este controlo, mas os operadores do mercado sabem que aquela estrutura – que esteve até há pouco num impasse de que o setor muito se queixava – não tem os meios necessários para fazer uma fiscalização eficaz.
Resta ao setor tentar alternativas. Como sejam, por exemplo, como dizia ao JE o presidente da ViniPortugal, Frederico Falcão, encontrar alternativas ao impacto das tarifas. Ou seja: encontrar outros mercados. A organização tem feito esforços nesse sentido, nomeadamente em mercados que não são os tradicionais. Desgraçadamente, um desses mercados – e logo um dos que mostrava maior apetência pela produção nacional, esta fechado: a Rússia. Nos anos imediatamente anteriores à invasão da Ucrânia por parte de Moscovo, a Rússia foi dos mercados que mais cresceram para os vinhos nacionais. Mas tudo isso, para já, está suspenso. As ‘investidas mais recentes da ViniPortugal deram-se nos mercados do Japão e da Coreia do Sul, que preenchem alguns dos requisitos: são fortemente consumidores, e o PIB per capita é acima da média.
As exportações de vinho atingiram 454,2 milhões de euros entre janeiro e junho, uma descida de 0,48% face ao mesmo período do ano passado, segundo dados da ViniPortugal. “As exportações de vinho português atingiram, entre janeiro e junho de 2025, um total de 454,2 milhões de euros e 169 milhões de litros, com um preço médio de 2,69 euros/litro”. Face a 2024, verificou-se assim uma descida de 0,48% em valor e de 1,76% no preço médio, enquanto no volume exportado houve um aumento de 1,31%. Na primeira metade do ano, as exportações para a União Europeia (UE) fixaram-se em 204 milhões de euros e 79,4 milhões de litros. Já as exportações extra UE fixaram-se em 250,2 milhões de euros e 89,6 milhões de litros. Destacam-se, nos mercados internacionais, o México e Angola, com taxas de crescimento de, respetivamente, 86,14% e 37,69%. Ainda assim, França manteve-se como o principal destino das exportações, seguida pelos EUA e pelo Brasil. Os vinhos com preço entre 2,01 e 4,00 euros foram os mais exportados, representando cerca de 40% da quota de mercado.
“Estes números refletem a capacidade de resistência e adaptação do setor, mesmo num contexto económico internacional incerto e exigente. A subida em volume demonstra a continua procura pelos nossos vinhos, enquanto o desafio do preço médio reforça a importância de estratégias que valorizem os nossos vinhos e consolidem o seu posicionamento nos mercados internacionais”, afirmava, citado em nota, o presidente da ViniPortugal, Frederico Falcão.
Topo de gama
Para os agentes do setor, ViniPortugal incluído, a questão da diminuição do preço médio por litro exportado é um dos maiores problemas da fileira, porque quer dizer que a maioria do vinho que sai de Portugal não é de categorias superiores. Há muito que os organismos de controlo da produção tentam alterar este facto, induzindo os exportadores a encontrarem formas de exportarem outro tipo de vinhos. E é exatamente aqui que regressa a exigência explanada por Paulo Amorim para que o Estado tome em mãos a promoção externa da produção nacional. E nem é preciso inventar nada: basta fazer como a Itália. De facto, os produtores italianos conseguiram ‘vender’ ao exterior o facto de os seus vinhos, todos os seus vinhos, serem não apenas de qualidade, como indutores de uma espécie de ‘modo de vida topo de gama’. A acreditar nesta teoria, é isso que falta à fileira. Por artes do marketing, esta é também uma forma de rodear a tormenta das tarifas à entrada para os Estados Unidos – um dos mais importantes países de absorção da produção nacional. A teoria é clara: nos segmentos mais elevados do mercado, o impacto de um aumento do preço por garrafa da ordem dos 15% (a tarifa imposta à produção europeia) não será despicienda, mas aproxima-se muito disso.
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