A partir de uma viagem na A1 com muitas ultrapassagens a camiões, o presidente da Aplog – Associação Portuguesa de Logística, Afonso de Almeida, antevê ao Jornal Económico qual será o futuro do setor perante as metas da União Europeia em diminuir a circulação de veículos automóveis e baixar as emissões. Assinala ainda que as dificuldades no recrutamento estão a acelerar a automatização dos armazéns logísticos mesmo que o retorno do investimento seja menor do que o esperado.
Qual será o papel da logística num futuro que se prevê com menos automóveis nas cidades e veículos mais limpos?
O papel da logística vai continuar a ser determinante em todos os setores, para abastecer os supermercados e [entregar ] todas as coisas que nós compramos. Não vamos conseguir carregar no botão e o nosso produto chegar a casa sozinho. A logística continuará a existir em toda a cadeia de abastecimento, da produção à distribuição, até à chegada ao consumidor final. Mas o comércio online – que deveria ser mais regulado – já está a gerar alterações: todos queremos descarbonizar mas estamos a seguir o caminho contrário, sobretudo nas cidades. São centenas de viaturas que andam a fazer entregas todos os dias nas nossas casas. É uma contradição porque é muito cómodo para o consumidor receber em casa todos os dias um pacote de um produto que encomendou, mas não é bom para a poluição e o trânsito nas cidades: em Lisboa e no Porto, nos últimos 2 anos, o crescimento do tráfego foi superior a 20%. Se nada for feito, a tendência irá continuar.
O que a logística está a fazer para mudar a forma como os objetos são entregues?
Os produtores já há muito tempo se esforçam em otimizar as suas cadeias de abastecimento, tendo as matérias-primas, se possível, mais perto das suas fábricas. Mas a globalização não nos trouxe isso, com matérias-primas vindas de todo o lado do mundo e a demorarem muito tempo a chegarem aos produtores. Isso vai continuar e não significa que tenha de mudar radicalmente. Mas, de qualquer maneira, os produtores, se querem encurtar as suas cadeias de abastecimento, só terão vantagens e contribuirão para a sustentabilidade.
Nos retalhistas, esse trabalho de otimização está feito há muito tempo. Trabalha-se com menos inventário e mais em modo “picking by line”: recebem a grande maioria dos produtos de madrugada e de manhã; durante o período da tarde/noite, esses produtos são distribuídos para todas as suas lojas. Os grandes retalhistas têm normalmente dois grandes centros logísticos, que abastecem as suas lojas. O retalho tem uma preocupação extrema de otimizar tudo o que for possível no processo logístico para que não haja falha de produtos nas lojas e se consiga fazer uma distribuição muito eficiente e sem custos desnecessários.
Uma das coisas mais importantes nesta área são os quilómetros em vazio, que têm de ser o menor possível: camiões vazios estão a poluir e a gastar dinheiro à empresa. Existe um grande esforço para, quando fazem uma carga para um local, ter logo a preocupação, se for possível, de ter outra carga por perto para fazer o mínimo de quilómetros em vazio.
Também a eletrificação dos veículos pesados ainda não está tão avançada quanto nós todos gostaríamos. Os camiões elétricos ainda são muito caros e custam duas a três vezes mais do que um veículo a gasóleo. É necessário criar condições para que aumente significativamente o número destas viaturas [até outubro, foram matriculados 35 camiões elétricos, segundo a ACAP].
O que tem a dizer sobre o quick commerce, com as entregas muito rápidas aos consumidores?
Há países em que esse tipo de entregas já deu uma resposta extraordinária. Por detrás disso estão processos logísticos e de otimização muito associados a soluções de inteligência artificial (IA). Mas a logística já utiliza muitas das ferramentas de IA há mais de 10 anos e existem armazéns automáticos há mais de 40 anos. Claro que a evolução nestes últimos 10, 20 anos tem sido muito grande.
Nas pequenas entregas, as empresas já têm as suas frotas elétricas a mais de 50%. E nos próximos três a cinco anos estarão muito perto dos 100%. Nesta matéria, tem havido um grande investimento nestas empresas para responder a estas questões da sustentabilidade e da descarbonização. Estamos a caminhar bem. Obviamente todos gostaríamos de que fosse ainda mais rápido, mas trocar frotas de centenas de veículos corresponde a investimentos muito grandes, mas que estão a ser acelerados.
Mesmo que troquemos por opções elétricas, os veículos continuam nas ruas e nas estradas, gerando trânsito. É possível pensar numa logística com menos veículos?
Talvez seja. Mas se as pessoas continuarem a consumir desta forma, os produtos têm de chegar forçosamente aos mercados. A logística está aqui para prestar um serviço a todos os setores. Quando queremos receber as coisas em 12 horas, isso implica haver mais transportes para responder rapidamente. Não podemos querer receber as coisas em nossa casa num estalar de dedos e mais descarbonização. É uma contradição clara e os países vão ter de decidir o que pretendem.
Ao mesmo tempo, muitas cidades estão a começar a limitar o número de viaturas e os horários, nomeadamente viaturas pesadas. Isso já está a gerar uma grande alteração e fará com que, por exemplo, não seja possível continuar a abrir supermercados, sobretudo dentro das cidades, porque estes têm de ser abastecidos. Hoje em dia, os camiões vão completamente cheios para que haja menos veículos em circulação.
Podemos pensar em entregas com veículos não motorizados ou em formas alternativas?
Há entregas feitas com bicicletas de carga, nomeadamente em zonas históricas das cidades. Na Polónia, por exemplo, usam muito os cacifos, que também já encontramos em Portugal. Mais de 90% das entregas aos consumidores na Polónia passaram para os cacifos, reduzindo bastante as entregas em casa e o número de veículos que é necessário, pois numa só deslocação as encomendas ficam concentradas num espaço em vez de parar em 300 casas.
A logística em Portugal está preparada para esse cenário?
Sim, as grandes empresas já começam a instalar cacifos. Podemos aproveitar edifícios que estão desativados no centro das cidades que pertencem ao Estado ou às Câmaras Municipais e instalar lá esses cacifos. Mas ainda há muito trabalho a fazer em Portugal.
Fora das cidades, a população é menos densa. De que forma a logística se comporta para ser o mais eficiente possível?
No passado, as grandes empresas apenas tinham centros logísticos em Lisboa, Porto, Algarve, Coimbra e pouco mais. Por exemplo, antigamente, um camião saía do centro logístico do Porto, ia distribuir a Bragança e voltava no mesmo dia. Atualmente, na sua otimização de logística e transportes, as empresas estão a abrir pequenos hubs noutras regiões do interior. Por causa disso, podemos ter um centro logístico em Vila Real a servir toda a região de Trás-os-Montes.
Nestas regiões há muita logística inversa: como há muitos produtores industriais, os camiões vão fazer as entregas e recolhas ao mesmo tempo. Os produtos recolhidos vão depois para pequenos centros logísticos e depois são encaminhados para o hub principal do Porto e depois distribuídos por todo o país. A situação é mais vantajosa para o ambiente e melhora a qualidade do serviço, com muito menos falhas.
Em que medida estão a incluir o comboio e os canais navegáveis na logística de longa distância dentro da Europa?
Não temos infraestruturas eficientes e rápidas para o transporte ferroviário, que seria o ideal. Esperamos que daqui a um, a três anos ou a cinco, já comecemos a ter uma resposta. Na parte marítima, há produtos que hoje, por exemplo, chegam ao Porto de Sines e vão de comboio ou de camião para o porto de Leixões. Há muitas ineficiências. Podia haver um serviço de proximidade entre os portos portugueses. Outro aspeto é o prazo de validade: os produtos perecíveis têm de ser refrigerados e a rodovia continuará a ser o meio de transporte privilegiado. Se há produtos ou matérias-primas mais duráveis, podemos utilizar cada vez mais o transporte marítimo sempre que possível.
Considerando a primazia da logística rodoviária, tem sido fácil contratar motoristas?
É um tema muito complicado na Europa e Portugal não é exceção, sobretudo para motoristas de pesados. Nos ligeiros, o motorista é cada vez mais especializado, sobretudo nas pequenas entregas, por causa do uso de ferramentas tecnológicas. Nos pesados, temos muitos condutores que foram para outros países, por conta dos salários. São outros patamares. Mas isso não significa que, em Portugal, não tem havido um esforço tremendo das empresas para darem cada vez melhores condições aos seus motoristas.
Ainda assim, os horários são um problema.
Horários de longo curso ou de entregas noturnas não são fáceis para os motoristas terem uma vida familiar. Nem todas as pessoas terão disponibilidade para tal; outras viram uma oportunidade de tirar a carta de condução de pesados porque puderam dobrar ou triplicar o seu vencimento e o trabalho que tinham antes também não era apelativo.
Quais são as consequências da dificuldade de recrutamento?
Nos períodos de pico, as companhias têm camiões, veículos e pedidos, mas não têm motoristas. Não conseguem fazer 100% dos serviços que lhes são solicitados. Em certas situações — e já aconteceu — pode haver ruturas de abastecimento. Isto ainda não tem grande significado em Portugal, mas acontece por essa Europa fora e com mais frequência do que há cinco ou 10 anos.
De que forma a automatização já chegou aos armazéns logísticos?
Em Portugal, a automatização não está tão avançada quanto deveria e tem chegado sobretudo aos armazéns das grandes empresas. Acredito que tenha a ver com o valor dos nossos salários, nomeadamente, do salário mínimo. Com a subida do valor nos últimos anos, as coisas vão mudando e ainda bem. Mas também já começamos a ter falta de pessoas preparadas para trabalhar em armazéns e vemos muitos imigrantes. Se não fossem eles, as empresas não teriam gente suficiente para trabalhar.
A nova lei da imigração vai dificultar ainda mais as contratações?
A automatização implica investimentos muito pesados, que necessitam de bastantes anos para gerar retorno. No entanto, com a falta de mão de obra, as empresas têm mais uma razão para investirem cada vez mais na tecnologia e tentarem não estar tão dependentes, em certas operações, de recursos humanos. Além disso, a automação não faz férias nem greves e, se for preciso, trabalha 24 horas seguidas.
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