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Solução entre Portugal e Cabo Verde serve de exemplo para a UE e África

A Cimeira UE/África refletiu uma mudança geopolítica, porque a Europa quer manter relevância económica face à China e aos países do Golfo no continente. E foram assumidos compromissos quantificados.
epa12547794 President of the European Council, Antonio Costa (C), and Angola President, Joao Lourenco (R), during the 7th European Union-African Union Summit in Luanda, Angola, 25th November 2025. The summit marks 25 years of AU–EU partnership and is convened under the theme ‘Promoting Peace and Prosperity through Effective Multilateralism’ as Angola holds the rotating African Union presidency. EPA/AMPE ROGERIO
28 Novembro 2025, 07h37

A Central Fotovoltaica do Palmarejo, na ilha de Santiago, em Cabo Verde, tem uma capacidade instalada de 4,4 MW, capaz de abastecer uma população de cerca de 10 mil pessoas, cerca de 8% da população da cidade do Sal, onde está instalada. Mas vai ser revitalizada, através da substituição integral dos cerca de 20 mil painéis solares por modelos mais modernos e eficientes, elevando a capacidade para 10 MW, que permite fornecer quase 30 mil habitantes da capital cabo-verdiana.
Este projeto de reabilitação envolve um consórcio que inclui uma empresa portuguesa especializada em soluções energéticas, tem um orçamento de 6,8 milhões de euros e só está a ser concretizado por causa do apoio do Fundo Climático e Ambiental de Cabo Verde, de que é o primeiro projeto a ser financiado. Este fundo resulta da conversão de dívida de Cabo Verde a Portugal. Começou com 12,5 milhões de euros convertidos em investimento e o envelope foi depois alargado para 42,5 milhões de euros até 2030.
Este foi o exemplo dado na Cimeira UE/África, realizada esta semana em Luanda, como solução para aligeirar a dívida dos países africanos, sem ser através de um perdão liminar, mas transformando dívidas soberanas em investimento produtivo. O modelo tornou-se o eixo central da discussão política e das expectativas económicas para a próxima década.
A Europa quer mais estabilidade e mais investimento; África exige mecanismos que libertem espaço orçamental para crescer. Nesta cimeira, pela primeira vez, os dois lados convergiram numa fórmula com efeitos imediatos.
A conversão das dívidas é “a única perspetiva com pés para andar”, afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Paulo Rangel, que defendeu que nãos e trata aqui de um exercício conceptual, mas de uma solução “já no terreno e com provas dadas”.
O exemplo cabo-verdiano, que converte parte da dívida em projetos de transição energética e resiliência climática, funciona como modelo de exportação para outros países africanos. Isto é já uma realidade. Depois de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe é quem se segue na lista, estando o processo já a ser preparado. No total, entre conversão de dívida e apoios vários, são cerca de 135 milhões de euros que estão em causa, diz ao JE fonte do Ministério do Ambiente e Energia.

À procura de ação
A mensagem africana seguiu na mesma direção. João Lourenço, presidente angolano e atual líder da União Africana (UA), enfatizou que a parceria entre os dois espaços “não se constrói com discursos, mas com ações concretas”. Sublinhou que a UA quer resultados tangíveis nos próximos anos em energia limpa, modernização de infraestruturas, mobilidade regional e aproveitamento de recursos naturais. Para Lourenço, o alívio de dívida é apenas a porta de entrada: o objetivo é desbloquear “investimento que mude a vida das pessoas”.
O compromisso europeu foi reforçado ao mais alto nível. António Costa, presidente do Conselho Europeu, afirmou que a UE tem de adaptar as instituições financeiras internacionais “para que África tenha uma voz efetiva”, e insistiu que a Zona de Comércio Livre Africana é uma oportunidade estratégica para a Europa: abre mercado, reduz custos de transação e cria condições para que o investimento europeu tenha escala. “Se a integração africana avançar, todo o nosso relacionamento económico avança com ela”, afirmou.
Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, colocou a tónica na transição energética e na necessidade de a Europa apoiar o continente vizinho “não com caridade, mas com investimento que cria valor económico e social”. Sublinhou que o Global Gateway — o programa europeu para infraestruturas — será reforçado para financiar energia solar, redes elétricas, corredores logísticos e digitalização.
A cimeira produziu compromissos quantificados, sobretudo em energia e conectividade. Os programas anunciados contemplam investimento significativo para eletrificar zonas rurais, diversificar fontes de produção energética e modernizar portos e estradas, com o objetivo de fornecer energia sustentável a cerca de 100 milhões de pessoas até ao final da década. A UE também deu luz verde a novos financiamentos para digitalização administrativa, expansão da banda larga e sistemas de mobilidade urbana.
Mas foi a agenda financeira que dominou os bastidores. Vários governos africanos chegaram a Luanda sob pressão da subida dos juros globais e da incapacidade de financiar necessidades básicas. A ideia de converter dívida em investimento — substituindo obrigações financeiras por projetos com impacto económico — tornou-se o único ponto verdadeiramente consensual. Países como Angola, Moçambique, Senegal e Gana já manifestaram interesse em adaptar o modelo cabo-verdiano, que é negociado bilateralmente e permite dirigir verbas libertadas para energia, água, proteção costeira e qualificações profissionais.
A discussão também refletiu uma mudança geopolítica. A UE quer manter relevância económica face à China e aos países do Golfo, que têm reforçado posições estratégicas no continente. Ao mesmo tempo, vários líderes africanos deixaram claro que a Europa não pode continuar a agir apenas como regulador ou financiador: tem de entrar nos projetos, partilhar risco e assumir compromissos de longo prazo.
A declaração final da cimeira aponta para um novo quadro de cooperação em cinco áreas: dívida e financiamento sustentável; energia e clima; infraestruturas e corredores logísticos; segurança e estabilidade; e mobilidade académica e profissional. Os primeiros projetos-piloto de conversão de dívida deverão ser anunciados no próximo ano, com acompanhamento conjunto da Comissão Europeia e da União Africana.


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