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Caixa: Homem que “enfeitiçou” Berardo “só podia ser José Sócrates”, diz ex-gestor do BCP

Quando José Berardo se preparava, em 2007, para reforçar da sua posição no BCP para 7% com um empréstimo da CGD para investir cerca de 400 milhões em ações, o empresário terá dito ao antigo administrador do banco privado, Filipe Pinhal: “Ainda estou para saber como é que aquele homem me enfeitiçou e deu-me a volta”.
11 Junho 2019, 17h24

Filipe Pinhal, antigo administrador do BCP, revelou esta terça-feira que sugeriu a José Berardo para vender a sua posição (de cerca de 4%), com a qual podia evitar guerras e “deixar o BCP em paz,” além de poder  fazer uma mais-valia com a alienação. Em resposta, assegura Pinhal, José Berardo, que preparava o reforço da sua posição no BCP para 7% com um empréstimo da Caixa Geral de Depósitos (CGD) para investir cerca de 400 milhões em ações, terá confidenciado: “ainda estou para saber como é que aquele homem me enfeitiçou e deu-me a volta”.

A expressão utilizada por Filipe Pinhal levou o ex-administrador a explicar aos deputados da comissão parlamentar de inquérito à gestão da Caixa, onde está a ser ouvido nesta terça feira, 11 de Junho, que é sua interpretação que o homem referido por Berardo como o tendo enfeitiçado só podia ser uma de duas pessoas: o antigo presidente do BCP, Paulo Teixeira Pinto, ou o então primeiro-ministro, José Sócrates.

“Paulo Teixeira Pinto procurava obter votos para a sua causa. Enquanto com José Sócrates, Berardo procurava nessa altura um espaço para expor as suas obras. Acho que Paulo Teixeira Pinto tinha pouco peso. Já as palavras de José Sócrates teriam mais peso, por conta do espaço que procurava para as suas obras por conta da despesa do estado [espaço CCB]”, detalhou Pinhal, na comissão parlamentar de inquérito à gestão da Caixa. Uma audição que se realiza hoje, depois de José Berardo ter dito aos deputados que foi Filipe Pinhal que lhe sugeriu fazer um crédito na CGD. Pinhal assegurou que está fora de questão que um administrador que José Berardo quis afastar da administração do BCP o fosse ajudar a aumentar o seu ‘poder de voto’.

O antigo administrador recordou ainda que sugeriu a José Berardo para vender a sua posição (de cerca de 4%), com a qual podia evitar guerras e “deixar o BCP em paz” além de poder  fazer uma mais-valia com a alienação, mas o empresário madeirense acabou por não seguir esta sugestão. Filipe Pinhal acrescentou aos deputados que quando Miguel Cadilhe formou uma lista para concorrer contra Carlos Santos Ferreira à liderança do banco, Berardo assegurou publicamente que “chegou tarde”, pois “nós estamos a tratar disso”.

Teixeira dos Santos e Sócrates estavam alinhados

Pinhal frisa que em declarações feitas na altura num jornal, Berardo “não informou quem era o nós”, mas avança com a sua leitura: “Para mim eram a Sonangol, a EDP, a CGD, o grupo dos sete Berardo, Manuel Fino da Soares da Costa, Bernardo Moniz da Maia, João Pereira Coutinho, Filipe Botton da Logoplaste, Diogo Vaz Guedes do Compromisso Portugal e Vasco Pessanha da Inapa)”. E sistematizou: “Este conjunto de pessoas, na minha interpretação, estava alinhado com o então presidente do banco, Paulo Teixeira Pinto; Vitor Constâncio, então governador; o ministro das Finanças da altura, Teixeira dos Santos e o então primeiro ministro, José Sócrates”.

Para Pinhal, “estavam alinhados na alteração da composição da administração do BCP” e “operaram uma insólita transferência de administradores da CGD para o maior banco privado português”.

Após a declaração do ex-administrador do BCP, o deputado do PCP Paulo Sá questionou Pinhal sobre se já teria uma ideia do que se estaria a passar, naquela altura marcada por uma guerra de poder no BCP e se tinha indícios nesse sentido. Em resposta, Filipe Pinhal assegurou que o único indício que teve foi a divulgação em finais de Abril de 2007 da proposta que ia a assembleia geral de 28 de maio e que previa que o conselho de administração do BCP fosse designado pelos accionistas e não pelo conselho geral de supervisão.

Sobre o objetivo do assalto ao BCP, o antigo administrador do banco dá a sua leitura: “Se o governo pudesse ter uma influência decisiva no BCP controlava 60% do crédito”. A afirmação surge depois de Pinhal ter dado contas aos deputados que “o Governo tinha uma grande influência na CGD, que tinha uma quota de mercado de cerca de 24% e no BES, com quota de 17 a 18%, tendo o BCP uma quota ligeiramente inferior à Caixa (22 a 23%).

O antigo administrador do BCP desmente também que o empresário José Berardo de que foi Filipe Pinhal  que lhe sugeriu fazer um crédito na CGD para comprar acções do BCP, onde, em 2007, Pinhal era um dos administradores que o empresário madeirense queria afastar. O desmentido foi dado por Filipe Pinhal depois de José Berardo ter assegurado na sua audição de 10 de maio que foi o antigo administrador do BCP que lhe sugeriu fazer um crédito na Caixa, já que o próprio banco, então liderado por Paulo Teixeira Pinto, não podia financiar compra de acções próprias

“Desminto Joe Berardo. O grande aumento da posição de Joe Berardo teve lugar no verão 2007. Por essa altura, [Berardo] estava a assinar uma proposta para levar à Assembleia Geral de 6 de agosto para destituir cinco administradores do BCP, entre os quais eu. Por isso, seria altamente improvável que ajudasse Joe Berardo a ter mais votos para me destituir”, disse esta tarde Filipe Pinhal, na comissão parlamentar de inquérito à gestão da Caixa. Os deputados estão a ouvir o antigo administrador do BCP na sequência ao pedido do PSD face às declarações públicas de Berardo a 10 de maio no Parlamento, quando falou sobre os créditos de alto risco que lhe foram concedidos em 2007 e que estão sinalizados na auditoria da EY à gestão do banco estatal entre 2000 e 2015, que concluiu por perdas de 1.647 milhões de euros em 186 operações de crédito que acabaram por se revelar ruinosas.

Esta estratégia, designada por assalto ao BCP, culminou no afastamento dos gestores fiéis ao ex-presidente  Jardim Gonçalves como o então vice-presidente Filipe Pinhal e o administrador Christopher de Beck e na nomeação, no início de 2008, de Carlos Santos Ferreira para liderar o BCP. Na dança de cadeiras Santos Ferreira foi acompanhado pelo seu vice na CGD, Armando Vara, que se manteve como número dois.

Uma guerra de poder que coincidiu no tempo com os o empréstimo concedido pela CGD às entidades da esfera empresarial de Joe Bernardo para a compra de ações do Millennium bcp. Uma operação que sabe-se agora era do conhecimento do ex-governador do Banco de Portugal (BdP), Vítor Constâncio, que, no final da semana passada, garantiu que não esteve presente na reunião do conselho de administração do BdP que tomou a decisão de não oposição ao reforço de Joe Berardo no BCP em agosto de 2007. E garantiu ainda que só teve conhecimento das operações de crédito “a posteriori”.

O jornal “Público” assegura, no entanto, na edição de hoje que, o ex-governador do BdP teve acesso aos documentos com a informação completa sobre a operação que foi analisada durante dois meses pelo departamento de supervisão do banco central.

CGD deu créditos de 350 milhões a Berardo sem garantias

Em causa está o reforço de Berardo no capital do BCP que foi financiado por um empréstimo de 350 milhões de euros da CGD, cuja garantia eram as ações (títulos especulativos) do próprio banco que iriam ser adquiridas. Estes títulos viriam a cair drasticamente em bolsa durante a crise financeira de 2008 e 2009, não tendo o empresário madeirense conseguido pagar o empréstimo.

O grupo do empresário madeirense Joe Berardo é apontado pela auditoria da EY à gestão da Caixa entre 2000 e 2015 como um dos maiores devedores da Caixa e este crédito integra a lista de várias dezenas de créditos de alto risco concedidos pelo bancos a clientes, desrespeitando os próprios regulamentos internos do banco. Só a Fundação Berardo tem uma dívida de 280 milhões de euros à Caixa. Acrescentando o valor do outro crédito, perfaz um valor global de 333 milhões de euros, numa linha de até 350 milhões de euros, com imparidades já assumidas de 152 milhões de euros.

A 14 de julho de 2006, Berardo contratou com a CGD um crédito de 50 milhões de euros, para compra de 58,2 milhões de acções do BCP, a vencer a cinco anos em regime de bullet (empréstimo-bala): a pagar no final do prazo de 14 de julho de 2011. Além da dispensa do aval de Berardo neste crédito, os responsáveis da Caixa deram luz verde a várias outras alterações às condições de concessão de crédito, de acordo com a ata nº14/07, que revela que o empréstimo concedido por um prazo de cinco anos passou a ser uma “operação sob a forma de conta corrente”, e o rácio de cobertura da dívida contraída caiu dos iniciais 110% para 105%.

No ano seguinte, em maio de 2007, o investidor acordou, no mesmo regime, um novo financiamento de 350 milhões de euros, a vencer em maio de 2012, repartido em duas tranches. Novamente para compra de acções do BCP.

Em contrapartida, a Fundação Berardo deu, como garantia do pagamento desse crédito ações das ex-PT e ex-PT Multimédia, BCP, EDP, BPI, Brisa, Sonae SGPS e ex-Sonaecom. Quando autorizou o crédito à Fundação, no início de março de 2007, a CGD admitiu dispensar o aval de Berardo após analisar as contas da fundação.

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