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João Cotrim de Figueiredo: “Pedro Siza Vieira não tem peso político para levar a sua avante”

Candidato único à sucessão de Carlos Guimarães Pinto promete lançar “ataques preemptivos” contra “medidas estatizantes” do Governo e centrar debate parlamentar na luta entre socialismo e liberalismo.
7 Dezembro 2019, 08h30

Dois meses após ser eleito para a Assembleia da República, João Cotrim de Figueiredo encabeça a única lista para a comissão executiva do Iniciativa Liberal que irá a votos na convenção do partido que decorre neste domingo, em Pombal. O desafio da liderança está a ser abraçado “com enorme entusiasmo” pelo empresário e gestor de 58 anos, ex-presidente do Turismo de Portugal.

Se lhe disserem que é o mais discreto dos três deputados únicos eleitos a 6 de outubro encara como crítica ou elogio?
Nem uma coisa nem outra. Encaro com naturalidade, pois o Iniciativa Liberal (IL) é dos três claramente o partido mais ideológico. Estou ciente do que se exige de mim, mas não me vou pôr à frente de qualquer movimento mediático só para ganhar protagonismo sem conteúdo ideológico por detrás. Serei sempre porta-voz de uma ideia. Nesse sentido, acho normal que o partido mais ideológico tenha mais discrição.

Esperava que o seu primeiro combate na Assembleia da República fosse a alteração do regimento para poder intervir nos debates quinzenais com o primeiro-ministro?
Não só não esperava como não desejava, porque discutir regras, quando a nossa ideia é discutir política, é um contra-senso. Vamos ver como se desenvolve essa batalha. Já estive mais otimista, porque logo nos primeiros dias surgiram questões similares à do plenário nos regulamentos das comissões, nas quais também estamos a viver em regimes transitórios, parecendo ser claro que vai haver da parte dos partidos à esquerda (PS, PCP e Bloco de Esquerda) uma tentativa de diferenciar negativamente os deputados únicos em relação àquilo que eram as prorrogativas do PAN. Temo que o resultado esteja mais perto do silenciamento que se discutiu há três semanas do que da verdadeira repesentatividade que gostaríamos de ter.

Ficou satisfeito com a intervenção do presidente da Assembleia da República?
Na altura foi importante. Mas no dia anterior a apresentarmos o projeto de alteração de regimento reunimos com ele, para dar nota da saudação pela sua eleição e da mágoa de não termos podido fazê-la logo de viva voz. Nem na sessão protocolar nos atribuíram qualquer tempo de intervenção e nem nos informaram de que não teríamos tempo. Foi tudo um pouco desconsiderante. O presidente da Assembleia da República percebeu isso e a rápida reação mediática e das pessoas de forma geral à injustiça óbvia que se estava a processar, e foi sensível às duas coisas.

Foi uma prenda inadvertida para o IL, o Chega e o Livre?
No sentido em que durante uma semana não se falou de outra coisa, deu de facto destaque mediático e acabou por ter algumas vantagens. Mas isso dilui-se no tempo e acho que a montanha vai parir um rato que não será equitativo para os partidos novos, nem sequer em comparação com aquilo que o PAN tinha na legislatura anterior.

Tem pela frente a discussão e votação do Orçamento do Estado (OE) para 2020. O que é que os eleitores, atuais e futuros, do IL podem esperar de si e do partido?
Há a resposta óbvia: vamos ser muitíssimo exigentes quanto a tudo o que seja carga fiscal declarada ou encapotada. Iremos contrapropor medidas em todas as áreas em que o Governo pretenda aumentar carga fiscal. Mas há outras coisas de natureza estatizante ou socialista, até porque já tivemos uma indicação de onde é que as grandes linhas do Orçamento vão incidir. Por exemplo, a política de rendimentos e preços começou com a subida do salário mínimo – matéria importante e que não discuto –, mas implica também a atualização dos salários médios e medianos e aqueles que se aplicam aos jovens qualificados, preocupação para a qual o Governo agora acordou. Sendo que tem na mão a ferramenta para resolver boa parte da falta de atratividade, a qual faz com que Portugal seja um dos países com mais elevada taxa de imigração de jovens licenciados. Esse instrumento é a revisão do IRS, de forma a que nos escalões em que esses jovens qualificados mais rapidamente caiam não haja uma diferença de 15 ou 20 pontos de taxa média de imposto sobre o rendimento relativamente aos países para onde acabam por imigrar. O Governo, em vez de mexer no instrumento que pode gerir, vai pedir ao setor privado que faça esse pagamento. Fazer políticas com o dinheiro dos outros não me parece nada certo.

O certo é que o setor privado parece estar habituado.
Não endeusamos nenhum setor em particular. Dizemos é que há negociações que não deveriam ser tidas de todo. Se há uma política de rendimentos que o Governo pretende aplicar, que o faça com instrumentos que tem à disposição.

Foi acusado por António Costa de ser porta-voz das consultoras no que toca ao englobamento  de rendimentos de capital e prediais. Ficará surpreendido se a versão final do OE para 2020 incluir essa medida?
Estou hoje convencido de que não vai haver nenhuma medida de englobamento do Orçamento e isso fica a dever-se, em boa parte, à maneira como levantámos o assunto precocemente. Há outro tema, que é a obrigatoriedade de os médicos ficarem no Serviço Nacional de Saúde (SNS), em que estamos a fazer o mesmo: antes das medidas concretas, bastando haver balões de ensaio que o Governo gosta muito de enviar, imediatamente marcamos posição.

Uma espécie de ataque preemptivo…
Isso mesmo. Há que esvaziar medidas inaceitáveis. No englobamento não se pode estar a falar de outra coisa que não seja aumento de carga fiscal – se hoje é voluntário e passar a ser obrigatório, só vai entrar no englobamento quem não tinha interesse em fazê-lo, pois os outros já lá estão. As pessoas sabem fazer contas. E no SNS é igual: só iria ser obrigado a ficar no SNS quem já não tinha, por livre vontade, ficado no SNS independentemente das condições.

Ao contrário do que fez ao afastar o regresso do imposto sucessório, António Costa não foi taxativo no englobamento, que é uma matéria cara ao Bloco de Esquerda e de cujos deputados o Governo pode precisar para aprovar o Orçamento…
O que parece estar a preparar-se é não introduzir essa medida neste Orçamento, mas eventualmente no seguinte. A luta será a mesma e do nosso lado terá a mesma oposição.

Tem encontrado sinais de que a promoção da atividade económica, simbolizada pela subida de Pedro Siza Vieira a número dois na hierarquia do Governo, prevalecerá sobre a carga fiscal de Mário Centeno?
O ministro Pedro Siza Vieira tem uma sensibilidade para os problemas económicos muito maior do que o Governo todo, mas não tem peso político para levar a sua avante. A proximidade pessoal do primeiro-ministro não é suficiente.

Irá embater numa parede?
Vai acabar por ser ultrapassado pelas limitações orçamentais das Finanças ou pelas pressões políticas que pretendem continuar a ter uma “geringonça” sem acordo escrito. Não é só nos orçamentos que haverá necessidade de negociar pontualmente medidas mais à esquerda com impactos nas vidas das pessoas e no equilíbrio orçamental.

Teremos um OE animado pelo espírito da “geringonça” passada?
É disso que estou à espera. Pelo menos neste primeiro.

Estando a ênfase do IL na criação de riqueza, no que diz respeito à redistribuição quais são as áreas de governação que precisariam de mais dinheiro?
Não consigo responder literalmente ao “mais dinheiro” porque há muito ganho de eficiência a ter. Mas há uma área em que talvez seja preciso mais investimento, que é a das funções de fiscalização e regulação. Para um liberal, dar autonomia e liberdade às pessoas, nomeadamente liberdade económica, implica automaticamente dar mais responsabilidade, o que implica que saibam que a fiscalização não irá deixar que abusem da liberdade. Isso implica uma fiscalização mais interventiva, com melhores meios e pessoas mais qualificadas. Para ser um bom regulador é preciso saber tanto ou mais quanto aqueles que estamos a regular. Seria um excelente investimento, mais do que pago pelos ganhos que teríamos.

Uma sondagem revelada nesta semana atribui ao IL a mesma intenção de voto do CDS-PP. A incerteza quanto ao futuro dos centristas e a possível reorientação para uma linha mais conservadora é uma oportunidade de crescimento para o vosso partido?
Poderá ser, mas não por causa da sondagem. Numa altura em que um partido esteja a mudar de liderança é natural que se sinta menos direção estratégica, energia e presença mediática, pelo que poderá haver alguma desvalorização. Mas a oportunidade de crescimento está mais na capacidade que hoje temos, e que no passado tínhamos menos, de chegar a públicos aos quais a nossa mensagem apela diretamente, pois ainda não dependem excessivamente do Estado e preferem não depender. Será a forma natural de crescer.

Mas pode dizer que lhe é totalmente indiferente quais são os futuros líderes do PSD e do CDS?
Do ponto de vista político é claro que terão impacto, mas como nem está nas nossas competências fazer comentário político nem alterar as decisões dos militantes desses partidos, não adianta fazer cenários. Logo se vê quando houver escolha efetiva.

Tem pela frente uma legislatura em que o peso dos partidos com uma visão estatizante da economia provavelmente irá impedir a aprovação de qualquer iniciativa legislativa relevante que apresente. Está preparado para passar quatro anos a pregar no deserto?
Estou preparado para passar quatro anos sem aprovar muitos diplomas. Isso é natural a partir do momento em que temos um deputado em 230. Mas não vamos estar a pregar no deserto. Um dos grandes objetivos é fazer com que as ideias liberais entrem no discurso político com a maior naturalidade. Penso que vamos conseguir e estes primeiros tempos já mostram que isso é possível.

Como reagiria se há três meses lhe dissessem que seria o candidato único à liderança do IL?
Não acreditaria. Mas tendo acontecido, numa daquelas circunstâncias em que a vida nos escolhe, é um desafio e oportunidade que abraço com imenso entusiasmo, pois acredito muito no que fazemos e na possibilidade de construir um Portugal melhor.

Quando Carlos Guimarães Pinto anunciou a decisão de se afastar da liderança viu-se perante o facto consumado de ter de avançar?
Era um cenário possível, porque num partido de voluntários há uma exigência muito grande do ponto de vista dos sacrifícios profissionais e pessoais. A partir do momento em que o Carlos não foi eleito pelo Porto era muito difícil, por muito amigo que seja dele, exigir-lhe mais sacrifícios. Foi um ano muito difícil e a muito do que ele fez se deve o que o IL conseguiu em outubro. Levou o partido às costas e temos muita pena de o ver sair da liderança – não do partido. Mas percebemos que tinha de ser uma mudança de ciclo, e a partir do momento em que havia representação parlamentar, e interesse mediático maior no Parlamento, a solução só poderia ser esta.

Marcelo Rebelo de Sousa merece o apoio do IL para uma provável recandidatura à Presidência da República?
Marcelo Rebelo de Sousa não é um liberal e isso limita o nosso interesse e disponibilidade para dar esse apoio. Olhamos para as presidenciais, que ainda vêm longe, como uma oportunidade de reafirmar, no nosso ambiente constitucional de semipresidencialismo, como seria uma atitude liberal. Havendo pessoas capazes de representar essa postura, seriam essas que gostaríamos de apoiar.

E conta com António Costa a valorizar o IL, tal como valoriza o Chega, para diminuir as hipóteses do PSD e do CDS recuperarem peso eleitoral?
Não tenho como objetivo estratégico diminuir as hipóteses do PSD e CDS. Acho que há espaço para crescer no eleitorado que não vota, ainda não vota ou que se costuma abster. E há mesmo eleitorado liberal a gravitar à volta de partidos que não são vistos como sendo do espaço da direita. Dito isto, não sei se os comentários e reações do primeiro-ministro às nossas intervenções são totalmente propositados ou se são mesmo…

Genuínos?
Não iria tão longe, mas pelo menos se não são uma reação quase espontânea a uma ferida em que estamos a tocar. Tenho a certeza que foi assim quando referimos que há um interesse objetivo do PS manter um certo nível de subdesenvolvimento em Portugal, pois o voto no PS depende da existência de pobres, como qualquer análise eleitoral confirma. Acho que sentiu esse toque e acho que sentiu o toque dos englobamentos, pensando “vêm agora estes maçadores aqui levantar o assunto que ainda estou a negociar com o Bloco de Esquerda e já estão a dizer que vai ser um aumento de impostos e a estragarem a minha tática negocial”… É muito difícil perceber se isso é propositado ou não, mas não contamos com António Costa para nos ajudar. E se fosse não seria para diminuir as hipóteses do PSD – era para ser usado como um contraponto, pois o debate que vai haver nesta legislatura será entre liberalismo e socialismo. Portanto, se António Costa quiser pôr-se no lugar que lhe compete, de representante do socialismo, e o IL estiver do outro lado, como representante do liberalismo, para nós será fantástico, pois pelo contraste as pessoas irão ver que a sociedade que defendemos é muito mais interessante, quer em termos pessoais e individuais, quer do ponto de vista coletivo, do que a dele.

Até onde é que o IL pode chegar?
Não faço ideia. Sabemos que partidos mais ideológicos têm um caminho mais longo a percorrer até serem partidos de massas. Vamos crescer, as nossas ideias poderão um dia ser muitíssimo populares, mas esse dia não está perto.

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