Uma parte substancial do país tem uma ideia muito precisa do percurso político de Aníbal Cavaco Silva, desde o dia em que tomou posse como primeiro-ministro até à manhã em que decidiu dar mais uma prova de vida atirando Maria Luís Albuquerque para a galeria dos social-democratas que poderiam liderar o partido em substituição de Rui Rio.
Cavaco tomou posse como primeiro-ministro no dia 6 de novembro de 1985. Dez dias depois, a milhares de quilómetros de Lisboa – mais propriamente em Helsínquia, capital da Finlândia – nascia uma jovem que se chamaria Sanna Marin e que é desde há três dias a primeira-ministra daquele país.
É todo um mundo novo que vem substituir um outro que já deixou de existir – apesar da incrível velhice de todos os candidatos ‘credíveis’ à presidência dos Estados Unidos – e que de algum modo vem recordar à União Europeia que os prestes a serem 27 precisam de sangue novo. Numa altura em que todos os politólogos andam à procura de uma explicação sobre porque é que os eleitores estão cada vez mais afastados da política europeia, talvez uma das explicações esteja precisamente aqui: há uma geração que já devia ter percebido que já pouco entende do mundo que a rodeia e cujos tiques políticos já ninguém tem paciência para suportar.
Aos 34 anos, Sanna Marin é a atual mais jovem primeira-ministra do mundo (numa altura em que o austríaco Sebastian Kurz, um ano mais novo, anda às voltas para formar governo), chefia uma coligação de centro-esquerda onde todos os cinco partidos que a formam são liderados por mulheres, foi educada pela mãe e pela sua companheira (depois de o pai partir para parte incerta), nunca teria acabado o curso superior na área da economia se não recorresse à poderosa segurança social finlandesa, acha que ser feminista é uma espécie de consequência de estar viva, ‘postou’ fotos nas redes sociais em que surge a amamentar o filho que tem agora 22 meses e considera a ecologia o ponto central do governo que vai chefiar.
Sanna Marin tinha acabado de fazer 21 anos quando aderiu à Juventude Social Democrata – e por essa via se aproximou da ala mais à esquerda do partido, sendo de recordar que a ala mais à direita é bastante à direita. Demoraria seis anos a assumir o primeiro cargo político de relevância: nas eleições municipais de 2012 , foi eleita para o Conselho da Cidade de Tampere, para entre 2013 e 2017 ser presidente da câmara municipal.
A partir daí, tornou-se claro que Sanna Marin iria chegar longe na política finlandesa, num quadro em que as coisas pareciam estar, internamente, a descambar: o populismo de extrema-direita entrou de rompante no país por via de um agrupamento chamado Verdadeiros Finlandeses – que achava, entre outros dislates, que os portugueses eram um povo dispensável à Europa – e as bases do Estado social vacilaram. Nada que pudesse agradar à jovem de 27 anos.
Quando aos 30 anos foi eleita para o parlamento finlandês, Sanna Marin já tinha ascendido bem alto na hierarquia dos sociais-democratas, tendo sido por isso com grande naturalidade que anunciou a sua disponibilidade para substituir o primeiro-ministro Antti Rinne – caído em desgraça depois de ter gerido um dossiê sobre os Correios da Finlândia como se fosse um aprendiz de feiticeiro.
Além da liderança do governo, Sanna Marin tem pela frente a custosa obrigação de contrariar as sondagens, que dão como certa a vitória dos Verdadeiros Finlandeses (que passou a chamar-se mais prosaicamente Partido dos Finlandeses, não fosse alguém levar a mal!) numas eventuais eleições. Evidentemente que a aceitação de Marin como primeira-ministra por uma coligação com cinco partidos e muitas mais sensibilidades foi uma forma de rodear o fantasma das eleições antecipadas – para onde inevitavelmente o país caminharia se aquela amálgama de centro-esquerda fornecesse o mais pequeno sinal de rutura.
Mas não deu, e por isso vai liderar um governo que, diz, tem pela frente três apostas essenciais: a luta contra o desemprego, a ecologia e a igualdade.
E talvez seja neste último ponto que Sanna Marin tem mais que fazer: lidera uma coligação onde os cinco partidos são chefiados por mulheres – Katri Kulmuni no Partido do Centro, Maria Ohisalo nos Verdes, Li Anderson na Aliança de Esquerda, e Anna-Maja Henriksson no Partido Popular Sueco da Finlândia – e um governo em que, em 21 ministros, apenas sete são homens. Para igualdade, estamos conversados!
Tagus Park – Edifício Tecnologia 4.1
Avenida Professor Doutor Cavaco Silva, nº 71 a 74
2740-122 – Porto Salvo, Portugal
online@medianove.com