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Ilham Tohti: Uma cadeira vazia na luta pela defesa dos direitos das minorias na China

O ativista e professor de Economia é o mais recente homenageado com o Prémio Sakharov. Símbolo da luta da minoria uigure contra a repressão do regime de Pequim, Ilham Tohti não pôde receber em mãos esta distinção de excelência na defesa dos direitos humanos, pois encontra-se detido na China. Mas a sua luta obteve eco internacional e a União Europeia juntou-se à causa.
23 Dezembro 2019, 09h35

Exercer a liberdade de expressão nem sempre significa ser livre. Pela terceira vez em menos de cinco anos, o Prémio Sakharov 2019 não foi entregue em mãos ao contemplado pelo Parlamento Europeu. O economista e ativista dos direitos humanos Ilham Tohti foi condenado a prisão perpétua na China pela sua luta incansável em defesa dos direitos da minoria uigure. Reconhecido no Ocidente como uma “voz de moderação e de reconciliação”, Tohti é visto na China como “um extremista violento” com “uma doença que precisa ser tratada”.

Os atropelos constantes aos direitos da minoria uigure mobilizaram Ilham Tohti a promover o diálogo e a compreensão entre uigures e chineses ao longo de mais de duas décadas. Através da plataforma online Uyghur Online, que lançou em 2006, criticou abertamente e sem medos o regime chinês por excluir do desenvolvimento a população uigure chinesa, que vive sobretudo na província de Xinjiang, no nordeste do país. Ao mesmo tempo, Ilham Tohti procurou sensibilizar o governo de Xi Jinping para os direitos da comunidade uigure na China, sobretudo nas condições de trabalho e na educação.

Os textos que publicou no Uyghur Online despertaram a atenção internacional para a repressão que os uigures enfrentam devido à identidade étnica e às suas crenças religiosas únicas. Apesar de a constituição chinesa garantir o direito a acreditar em qualquer religião, a minoria uigure, que professa o credo muçulmano, foi proibida de ir à mesquita e de jejuar durante o Ramadão. A língua uigur, que era oficial em Xinjiang, ao abrigo da lei da autonomia da região, começou a ser proibida em 2003 nas universidades e, desde então, tem sido praticamente eliminada, num autêntico “genocídio cultural”.

Se até ao início do século havia algum espaço no sistema chinês para o ativismo local, a realidade começou a alterar-se com o avançar do descontentamento e das reivindicações independentistas. As detenções arbitrárias intensificaram-se e, com a divulgação de documentos internos classificados (os ‘China Cables’), ganhou força a ideia que os detidos estariam a ser levados para campos de “reeducação” ou de concentração. Estima-se que mais de um milhão de uigures foram detidos em campos de internamento desde 2017, sendo forçados a renunciar à sua identidade étnica e convicções religiosas.

Ilham Tohti acabou por ser sentir na pele a repressão chinesa contra a qual lutou. Entre 1999 e 2003, as autoridades chinesas impediram que desse aulas e tornaram quase impossível que publicasse qualquer artigo em revistas ou jornais. Foi acusado pelo regime de Pequim de ser um separatista e detido por duas vezes. Na última detenção, em 2014, foi sujeito a um julgamento-fantoche que o condenou a prisão perpétua e levou à apreensão de todos os seus bens. Segundo a Amnistia Internacional, durante as sessões não foram apresentadas quaisquer provas dos crimes de que estava acusado (separatismo) e foi vedado o contacto de Ilham Tohti com advogados.

Na cerimónia de entrega do Prémio Sakharov 2019, que decorreu esta quarta-feira no Parlamento Europeu, na cidade francesa de Estrasburgo, Ilham Tohti foi representado pela filha, Jewher Ilham. Em sessão plenária, a filha do vencedor do Prémio Sakharov admitiu que não sabe onde o pai se encontra e que a última vez que a família teve notícias dele foi em 2017. Lembrando as palavras do progenitor, denunciou a repressão que os uigures enfrentam, que muitos classificam como “genocídio cultural”. “Não há atualmente liberdade para os uigures na China, quer seja na escola, em público ou mesmo em casa”, disse a filha do economista.

Jewher Ilham contou que o pai, tal como tantos outros uigures, foi “rotulado de extremista violento, com uma doença que precisa de ser curada e uma mente que precisa de ser lavada”. “Foi sobre esse falso rótulo de extremismo que o governo colocou um milhão de pessoas – provavelmente mais – em campos de reeducação e de concentração, onde os uigures são obrigados a abandonar a sua religião, língua e cultura, onde as pessoas são torturadas e algumas morreram”, sustentou.

A filha de Ilham Tohti deixou ainda um apelo aos eurodeputados para que apoiem a causa de Ilham Tohti: “Pergunto aos que se encontram nesta sala e aos que estão a ouvir se acham que existe um problema na forma como o governo chinês trata a população uigure? Se sim, trabalhem por favor para que seja encontrada uma solução”. Sugeriu ainda um boicote europeu às empresas chinesas.

Em resposta ao apelo deixado por Jewher Ilham, o Parlamento Europeu aprovou, no dia da entrega do Prémio Sakharov de 2019, uma resolução onde expressa “séria preocupação” com a repressão dos uigures e exorta o Governo chinês a fechar imediatamente os “campos de reeducação” em Xinjiang. O presidente do Parlamento Europeu, David Sassoli, apelou ainda à libertação de outros laureados com o Prémio Sakharov que estão presos e que são perseguidos por defenderem os direitos humanos.

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