A presidente do Conselho das Finanças (CFP) questiona a capacidade de Portugal e do tecido empresarial português para absorverem os milhões dos fundos europeus que irão chegar através do Plano de Recuperação e Resiliência. Em entrevista ao Jornal Económico, Nazaré da Costa Cabral alerta ainda que ou novos impostos europeus são criados ou os Estados-membros, no âmbito dos recursos próprios já existentes, vão ter que aumentar a sua comparticipação nacional para pagar no futuro as subvenções.
Segundo uma análise do Banco Central Europeu com base nos Orçamentos, Portugal é o terceiro país da zona euro com o estímulo orçamental mais baixo este ano. Apesar desta análise não tem por base o OE2021 final, com as propostas aprovadas na especialidade, ainda assim, considera que Portugal poderia ter uma postura mais expansionista?
Em Portugal, estamos numa situação muito complexa. Não apenas do ponto de vista económico, mas também do ponto de vista orçamental e que se calhar nos diferencia da generalidade dos outros países e da zona euro. Estamos numa situação dilemática. Provavelmente deveríamos ser o país que deveria estar a poder gastar mais para apoiar a economia, as famílias e as empresas nesta fase tão crítica, realizando investimento, mas também outro tipo de despesa, desde logo despesa corrente. Mas também verificamos que somos dos países que tem menos capacidade e espaço orçamental para o fazer. Sentimos isso em 2020. Provavelmente, o que o BCE diz é o reflexo dessa falta de capacidade que temos porque somos dos países mais endividados da zona euro. E não é só a questão do peso da dívida no produto. É que a nossa dívida é uma dívida que apresenta sinais de volatilidade. É uma dívida em que é preciso estar muito atento àquilo que são as condições de financiamento da economia. Neste momento sabemos que são boas, que são favoráveis, mas isso não retira o cuidado que temos que ter quanto a alterações do sentimento de mercado que possam de um dia para o outro rapidamente afetar as nossas condições de financiamento. Isso seria dramático. Neste momento vamos ter que ser capazes de fazer uma espécie de uma quadratura do círculo nesta matéria. Por um lado, começar logo que a pandemia esteja ultrapassada e logo que comecemos a crescer em termos económicos, de retomar a tal trajetória de descida da nossa dívida no produto. É importante por causa das tais perceções de mercados e é um sinal que tem que ser dado. Isso vai-nos obrigar a ter que retomar saldos primários positivos o mais depressa possível para retomarmos essa trajetória de decréscimo da dívida. Por outro lado, também vamos ter que ser chamados nessa fase pós-pandemia a fazer um esforço enorme de investimento. O próprio investimento sendo despesa implica uma pressão sobre a despesa e até eventualmente sobre a dívida. Sabemos que o investimento é fundamental porque permite aumentar o potencial de crescimento da economia, que mesmo no curto prazo pode funcionar como um instrumento de dinamização económica importante, mas há esse risco de poder ter essa pressão contrária sobre as contas públicas.
Mas também haverá a ajuda dos fundos europeus, que alivia essa pressão.
Temos um problema: pensamos que este investimento agora vai ser facilitado. Que as condições como esse investimento vai ser feito serão fáceis. Mas tenho que chamar a atenção que há um conjunto de riscos e problemas.
Como por exemplo?
Desde logo no uso desses fundos europeus. Não sei se Portugal tem todas as condições para enfrentar da melhor forma esses riscos, desde logo na utilização desses fundos europeus. Será que Portugal tem condições para absorver esses fundos? Há o princípio da adicionalidade, que significa que os países têm que acompanhar também com uma componente nacional de investimento. A pergunta que coloco é se temos condições para acompanhar, tendo em conta, aquele que é o esforço inteiramente nacional, para fazer face a esse investimento que nos vai ser pedido e que é necessário fazer? Há outra questão muito importante. Estas subvenções, quer aquelas que vêm no âmbito do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, quer as do novo Quadro Financeiro Plurianual, têm uma característica que muitas vezes não se olha para ela que é facto de serem subvenções específicas, que têm que ser utilizadas em áreas específicas e não onde o Estados-membros entendem que devem usar. Há aqui objetivos que estão pré-definidos. Ao mesmo tempo estes investimentos que sabemos pela natureza das coisas que são investimentos que normalmente levam muito tempo a produzir efeito e a ser efetivos do ponto de vista dos seus efeitos, é esperado que tenham efeito agora. Já como forma de combater rapidamente os efeitos da pandemia, dando emprego às pessoas, apoiando o rendimento, as empresas.
E tem dúvidas quanto a isso?
A questão que eu pergunto é: será que Portugal neste momento, tendo em consideração aquilo que é o seu setor produtivo está preparado para acomodar estas subvenções que vêm para estes fins específicos e ao mesmo tempo garantir que possam rapidamente começar a produzir os seus efeitos? No caso da Alemanha, por exemplo, não tenho dúvida que nas mais diversas indústrias – de automóvel, aeronáutica, farmacêutica, das tecnologias – que estas ajudas vêm na altura certa. Eles estão a fazer a transição digital, estão a fazer a transição ambiental. É o impulso que estão a precisar para não perder o comboio da competitividade enquanto bloco económico fundamental. Tenho dúvidas se Portugal e se o setor produtivo português está em condições de rapidamente absorver estes fundos e de sermos capazes desde já de apanharmos o comboio da digitalização e da transição ambiental. Se as nossas empresas têm essa capacidade. Ao mesmo tempo possam servir o tal objetivo de no imediato apoiar o rendimento, o emprego e a economia nacional. Tenho estas dúvidas. Temos uma questão que é muito portuguesa e pensamos que vamos receber este fundo desta facilidade europeia através das subvenções e as pessoas dizem: ‘ah isto vem a fundo perdido’. É um pouco esta ideia que está no imaginário português e que não existe em mais lado nenhum. Nada é a fundo perdido. Uma subvenção é uma despesa que o Orçamento europeu está a fazer, apoiando os vários países. Não há dúvida de que Portugal é um importante beneficiário dessas subvenções e isto pode ser efetivamente uma oportunidade que temos que saber aproveitar, mas alguém vai ter que compensar o Orçamento europeu. Das duas uma ou os tais impostos europeus novos são criados, ao nível da tributação do carbono, do digital também. Ou esses impostos são cobrados e criados, e sabemos as dificuldades que existe do ponto de vista de decisão institucional para criar novos impostos à escala europeia. Ou então, os Estados no âmbito dos recursos próprios já existentes vão ter que aumentar a sua comparticipação nacional. A menos que a Comissão Europeia tenha condições de em 2028, que é quando vai ter que começar a pagar os empréstimos, faça o refinanciamento, contraia nova dívida para fazer o rollover desta. Mais cedo ou mais tarde isto pode de facto ter um impacto prático para as contas públicas portuguesas e temos que ir pensado. 2028 é já aí.
Acha que Portugal não deveria usar a parte dos empréstimos do Plano de Recuperação?
Neste momento não se sente essa necessidade uma vez que as condições de dívida são condições muito apelativas, como recentemente se viu no financiamento a 30 anos que é de facto um resultado muito favorável. Não se vê essa necessidade. Pode haver necessidade se eventualmente o risco nacional neste momento fosse elevado, que não é. Se o Estado português se conseguisse financiar em condições mais favoráveis junto da Comissão Europeia beneficiando de um risco europeu, aí poderia ter de facto vantagens. A importância deste instrumento do ponto de vista da construção da Comissão Europeia é esse. É que temos agora um instrumento em condições de alteração da perceção de risco, alterações das condições de financiamento. Podemos ter um instrumento à escala europeia, que de alguma maneira substitui o prémio de risco nacional, por um prémio de risco europeu. Isto é uma mudança do ponto de vista da construção europeia.
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