Alguns dos maiores bancos nacionais preparam-se para introduzir um limite de zero nas taxas de juro do crédito à habitação para os contratos em curso. Com a média mensal da taxa Euribor a três meses a chegar aos -0,3%, existem ‘spreads’ no mercado que já estarão a ser totalmente absorvidos pelo indexante negativo.
O economista da Deco Proteste, João Fernandes, nota precisamente a existência de ‘spreads’ de 0,25%, e até de 0,2%, praticados no final da década passada, no auge das facilidades na concessão de empréstimos para a compra de casa. Ou seja, ‘spreads’ que hoje, quando somados ao indexante, resultariam numa taxa de juro líquida ne gativa que, previsivelmente, seria refletida abatendo ao capital em dívida. No entanto, e ao contrário das orientações que cons tam da carta-circular do Banco de Portugal (BdP), de março de 2015, alguns dos maiores ban cos nacionais assumem a introdução de um limite de zero nes tes casos. Em resposta ao Jornal Económico, BCP e Santander confirmam que não vão praticar taxas de juro negativas no crédito, o que significa que deixarão de refletir a totalidade da descida do indexante na taxa de juro cobrada aos seus clientes.
E aqui parece existir o que o pró prio Governador do BdP classifica de “um aparente conflito nor mativo”. Nas orientações dadas ao mercado ainda em 2015, o regulador cita a regra legal que impede a introdução de limites à variação do indexante para os con tratos de crédito em curso, as sumindo, portanto, que a introdução de um ‘floor’ não é admissível. No entanto, já em abril deste ano, tanto Carlos Costa como Carlos Albuquerque, diretor do Departamento de Supervisão Prudencial, argumentaram, em audição parlamentar, a favor da introdução de limites, quer para os contratos em curso, quer para os novos em préstimos.
Em causa, para além da saúde do sistema financeira, está o ar tigo 395.º do Código Comercial, segundo o qual “o empréstimo mercantil é sempre retribuído”, ou seja, o princípio da onerosidade do mútuo mercantil. Na opinião do regulador, além de um limite de zero na taxa de juro final para os contratos em cur so, deveria ainda ser introduzido “um valor de indexante igual a zero nos casos em que esse indexante assuma valores negativos (assegurando-se, assim, que a taxa de juro destas operações será, pelo menos, igual ao ‘spread’)”. Uma posição justificada com a necessidade de manter a sustentabilidade do sistema financeiro. Carlos Albuquerque afirmava então que: “As taxas praticadas num crédito devem ser de tal ordem que cubram os custos de financiamento, o custo do risco do crédito, o retorno do ca pital e os custos operacionais, de forma a garantir a sustentabilidade e a autonomia financeira do sistema bancário no longo-prazo”. Além disso, com um rácio de transformação em torno dos 100%, a banca tem hoje quase todo o seu crédito financiado por depósitos. Recorde-se que, em Portugal, as taxas de juro dos depósitos não podem ser inferiores a zero o que cria, na aopinião do regulador e do setor, um importante desequílibrio na formação das taxas ativas e passivas dos bancos.
Cinco meses volvidos, os deputados continuam sem oferecer uma clarificação legislativa sobre a matéria. Em cima da me sa, permanece um projeto de lei do Bloco de Esquerda que institui a obrigatoriedade de as instituições de crédito refletirem totalmente a descida da Euribor nas taxas de juro dos contratos de crédito à habitação e ao consumo, cuja votação foi adiada. Já em declarações ao Jornal Económico, João Paulo Correia, coordenador do grupo parlamentar do PS na Comissão de Orçamento e Finanças, remete para “a ori en tação do Banco de Portugal sobre o assunto que determina que os bancos têm de aplicar plenamente a taxa Euribor, mesmo que isso leve a uma taxa de juro global negativa”.
Na falta de legislação específica, o responsável da Deco nota que qualquer diferendo terá de ser resolvido em tribunal. “A con testação terá de ser feita contrato a contrato, o que é dispendioso em termos de tempo e dinheiro. Estamos a falar de duas par tes com dimensões completamente desproporcionais e, mesmo que os tribunais decidam a favor dos mutuários, essa decisão não faz jurisprudência, o que significa que o banco apenas terá de devolver umas décimas. Será sempre mínima a penalização que os tribunais lhes podem causar”.
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