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Apenas seis países europeus acedem a contas de cidadãos

Governo aproveitou a transposição de duas diretivas internacionais para alargar o âmbito do reporte de informação bancária a todos os contribuintes. Um caso raro na Europa.
21 Setembro 2016, 12h10

O acesso por parte das autoridades fiscais às contas dos respetivos residentes nacionais está longe de ser uma prática comum entre os paí­ses europeus. Um levantamento feito pela PWC para o Jor­nal Económico mostra que apenas seis países em 27 têm legislação interna que lhes permite ace­­der a estes dados sem que se­ja necessário recorrer ao levantamento do sigilo bancário – Croácia, Dinamarca, Espanha, Holanda, Itália e Noruega. Em todos estes casos, a legislação para o efeito é preexistente aos novos acordos internacionais e não resulta da transposição das diretivas que regulam a troca de informações transfronteiriças (ver caixas).

O diploma aprovado na se­ma­na passada em Conselho de Mi­nistros, e que aguarda agora pro­mulgação por parte do Presidente da República, transpõe duas diretivas internacionais, atra­vés das quais Portugal se com­­promete com a troca de informações bancárias sobre cidadãos estrangeiros com residência em Portugal. Acordos que o Mi­­­nistério das Finanças tem invocado para justificar o acesso por parte da Autoridade Tributária aos saldos de conta dos cidadãos, sem ser, no entanto, exaustivo quanto à abrangência destes compromissos.

Os especialistas consultados pelo Jornal Económico não têm, no entanto, dúvidas: “O Governo aproveitou a oportunidade para fa­zer o alargamento deste reporte para todos os cidadãos residentes em Portugal, uma vez que nenhum destes regimes abrange o re­porte de saldos de conta de residentes nacionais”, afirma Luís Pin­to, Tax Executive Director da EY Portugal. O mesmo responsável entende a medida como mais um instrumento de combate à frau­de e evasão fiscal ao dispor da Autoridade Tributária (AT) por­tuguesa, permitindo aferir, nomeadamente, eventuais manifestações de fortuna, as quais são passíveis de tributação por parte da AT.

De acordo com a Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, “a ge­neralidade dos países europeus incorporou, ou está em vias de incorporar, estas soluções nas respetivas legislações”. Mas, até ao momento, Portugal será caso único no que diz respeito a este alargamento de re­porte para os residentes nacionais: “No âmbito da implementação do FATCA e do CRS por par­te de outros países, não temos conhecimento, até ao mo­mento, de nenhum que tenha ado­tado esta regra, de impor às instituições financeiras a divulgação do património financeiro de contribuintes nacionais às respetivas autoridades fiscais”, afirma Cláudia Bernardo, Part­ner da Deloitte para a área de TAX FSI, em de­clarações ao Jornal Económico. Ressalva, no entanto, que, “em qualquer caso, a implementação destes regimes é um processo ain­da desenvolvimento por parte de muitos países”.

O Governo justifica ainda a me­­dida com a avaliação feita pe­la OCDE. “A falta de acesso efetivo da autoridade fiscal portuguesa a informação bancária tem cons­tituído o principal elemento justificativo da classificação pela OCDE de Portugal como “only par­cially compliant”, ou “apenas parcialmente cumpridor”, relativamente a esta matéria. Somos o único país da União Europeia com esta classificação, o que po­de prejudicar a avaliação do país pelo Grupo de Ação Financeira In­ternacional (GAFI) a realizar já no princípio de 2017”.

A avaliação feita pela OCDE res­peita apenas ao acesso à informação bancária de residentes estrangeiros em território nacional, uma vez que cabe a este organismo o acompanhamento da implementação dos regimes de tro­ca de informação transfronteiriça. De fora do radar da OCDE fica o acesso aos saldos de conta dos residentes nacionais. A classificação de “only parcially compliant” não resulta da falta de poderes abrangentes de acesso a todas as contas, mas sim do atraso na implementação dos acordos internacionais em Portugal. No compto geral, Portugal recebe, aliás, uma classificação em linha com 67, dos 101, países já avaliados, com um ‘rating’ de ‘largely compliant’, ou “cumpridor em larga medida”, em tradução livre.
Foreign Account Tax Compliance Act (FATCA)
Portugal aderiu ao regime FATCA através da celebração de um acordo internacional com os EUA, no qual o Estado português se compromete a reportar às autoridades fiscais norte-americanas – automática e anualmente – património financeiro mantido por contribuintes dos EUA junto de instituições financeiras portuguesas. Em contrapartida, os EUA comprometem-se a reportar, nos mesmos moldes, o património financeiro mantido por contribuintes portugueses junto de instituições financeiras norte-americanas, explica a especialista da Deloitte, Claúdia Bernardo.
Common Reporting Standard (CRS)
Por outro lado, o regime CRS resulta de um acordo internacional multilateral de que Portugal é signatário (juntamente com cerca de 80 países, existindo cerca de 20 países comprometidos com a assinatura do mesmo), que também estabelece uma troca de informação automática e anual entre cada Estado aderente, semelhante à que ocorre ao abrigo do acordo FATCA celebrado com os EUA. Paralelamente à vigência deste acordo multilateral, a União Europeia consagrou a obrigação da troca de informação CRS entre os seus Estados-membros, adianta a mesma responsável.
Reporte de informação relativa aos contribuintes portugueses
Aproveitando a operacionalização da transposição das diretivas que visam a troca automática de informação fiscal com outros países, o Governo quer agora estender o âmbito de aplicação da obrigação de reporte também ao património financeiro dos contribuintes portugueses para uso da autoridade fiscal nacional.
As instituições financeiras passam, assim, a enviar à AT, uma vez por ano, os saldos de conta (inclui todos os ativos financeiros, com exceção dos PPR) cujo património seja superior a 50.000 euros por depositante. O limite aplica-se a privados e empresas.

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