Daquela vez, Shimon Peres não ficou na fotografia: Yitzhak Rabin, então primeiro-ministro israelita que acabaria assassinado às mãos de um judeu fanático, e o líder da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), Yasser Arafat, apertavam as mãos pela primeira vez mas como se fosse para sempre, sob o olhar feliz e os braços protectores de Bill Clinton, presidente dos Estados Unidos.
O mundo respirou de alívio e pensou – ou fez de conta que pensou – que a paz no Médio Oriente seria coisa de dias. Mas esse momento histórico ocorrido a 13 de Setembro de 1993, que abriu todos os noticiários do mundo, não teria sido possível sem que Shimon Peres, fundador do Partido Trabalhista – uma formação política que resultou de múltiplas alianças, divergências e coligações com diversos outros partidos desde a década de 1950 – e então ministro dos Negócios Estrangeiros, não tivesse assumido as movimentações nos bastidores.
A história dessas movimentações, por ter sido sempre secreta e porque a Mossad não costuma ser desleixada, não será ainda totalmente conhecida, mas passou por negociações secretas entre Israel e a OLP antes da assinatura do Tratado de Oslo (o tal da fotografia) – o que ‘colou’ a Peres a imagem do político israelita com mais consolidadas capacidades para assegurar a paz naquelas martirizadas praias do Mediterrâneo oriental.
Isso mesmo ficou bem patente quando o seu correligionário de (quase) sempre, Yitzhak Rabin, sucumbiu à metralha de uma arma automática perante as câmaras de televisão do mundo inteiro: Peres foi chamado novamente ao cargo de primeiro-ministro (a ninguém terá passado pela cabeça convocar novas eleições por causa do assassinato do primeiro-ministro em funções) para sossegar um mundo que via nessa morte o fim da iminência da paz. Era o dia 4 de Novembro de 1995 – e só tinha passado um ano, talvez nem tanto, desde que Peres, Rabin e Arafat tinham posado juntos para outra fotografia célebre: a da entrega do Prémio Nobel da Paz aos três políticos. Mais de 20 anos depois, a paz no Médio oriente continua a não ser coisa nenhuma.
Um polaco no Mediterrâneo
Shimon Peres nasceu Szymon Perski na cidade de Wiszniew, Polónia, em 2 de Agosto de 1923 – estava longe de ser o melhor sítio do mundo para quem nascia judeu, mas os progenitores também estavam longe de serem judeus ortodoxos. Tinha um irmão e era familiar de Betty Joan Persky, que uma parte do mundo haveria mais tarde de venerar quando a jovem judia decidiu mudar o nome para Lauren Bacall.
O pai do jovem polaco emigrou para a Palestina em 1932 e a sua família haveria de o seguir dois anos mais tarde, com as fogueiras do anti-semitismo europeu a lançarem os primeiros fumos e as potências liberais mas profundamente colonialistas a ponderarem já um país para os judeus a encaixar na Palestina (em detrimento da África, que muitos judeus preferiam).
Tinha apenas 20 anos quando começou a sua carreira política no partido Mapai – que seguia a par com a função de agricultor no Kibbutz Alumot. Ben-Gurion, líder do partido (também polaco, um dos pais de Israel e seu primeiro primeiro-ministro), deu conta dele, da sua destreza política e da sua sensatez, e fio buscá-lo: Peres estava lançado na vida política, que só abandonaria formalmente em 2014.
Em 70 anos de actividade política, Shimon Peres foi quase tudo o que podia ser: ministro de diversas pastas (Transportes, Comunicações, Informação, Negócios Estrangeiros, Finanças, da Integração, primeiro-ministro interino, primeiro-ministro ‘não interino’ e finalmente, entre 2007 e 2014, presidente da República.
Mas a parte da sua carreira eventualmente mais importante, a dos bastidores, teve início ainda em 1954, quando Bem-Gurion encarregou Peres das negociações secretas entre Israel e a França, com vista àquilo que passaria à história como a Guerra do Suez (1956), contra o Egipto. Mas tudo isso foi há muito tempo, noutro mundo que a queda do muro de Berlim mudou para sempre e desde então Shimon Peres quis ser a garantia de paz no Médio Oriente. Quase o conseguiu: Israel esteve durante décadas a viver em regime de ‘saltitão’ entre a abertura aos palestinianos e o endurecimento face aos seus vizinhos, conforme Peres estivesse na chefia do governo ou na chefia da oposição.
Eleito pela primeira vez para o parlamento (Knesset) em 1959, Peres foi primeiro-ministro entre 1984 e 1986 e entre 1995 e 1996, e primeiro-ministro interino entre 1994 e 1995. O Prémio Nobel trouxe-lhe a aura de defensor incansável da paz, mas talvez Peres tenha querido ser outra coisa: em 2005, os seus correligionários do Partido Trabalhista ficaram exangues quando o ‘senador’ abandonou o partido e aderiu ao novo partido Kadima, de Ariel Sharon – visto por parte do mundo ocidental como um dos carrascos da paz no Médio Oriente.
Mas tudo isso são, pensar-se-á fora de Israel, avatares da política interna israelita, tão insondável como noutro sítio qualquer. Para a história, Shimon Peres será sempre um dos construtores da paz no Médio Oriente. Só falta ela ser efectiva.
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