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A estranha complexidade dos produtos mutualistas

O Jornal Económico foi conhecer a oferta de produtos de poupança da Associação Mutualista do Montepio. Juros chegam aos 3% mas riscos também são superiores.
14 Outubro 2016, 12h06

O Montepio Poupança Complementar e o Proteção 5 em 5 foram, em 2015, os planos mais subscritos pelos associados da mutualista do Montepio. Juntos representam 80% das novas subscrições e quase 60% das receitas associativas nesse ano. Com as taxas dos depósitos a renderem pouco mais de zero, o Jornal Económico decidiu analisar a oferta de produtos de poupança da Associação Mutualista.

Através do site do Montepio, que comercializa toda a oferta mutualista, é possível encontrar informação sobre o Montepio Poupança Complementar. Trata-se de uma modalidade de poupança mutualista, com “rendimento mínimo garantido”, “uma valorização atractiva” e “total flexibilidade na utilização do capital investido”. Não parece complicado mas a informação é limitada: afinal qual é a taxa de juro aplicada? Para mais informações é preciso consultar a ficha técnica.

A abrir existem três informações importantes: “A modalidade mutualista Poupança Complementar não é um depósito bancário, não se encontrando abrangida pelo Fundo de Garantia de Depósitos, nem um seguro ou fundo de investimento ou PPR”; já num ponto intitulado “equilíbrio-técnico financeiro”, é também possível saber que “a taxa de rendimento prevista nesta modalidade está sujeita a eventual ajustamento, por deliberação da Assembleia Geral de Associados”, ou seja a taxa de juro pode ser alterada unilateralmente; e ainda que a entidade tutelar é o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Em meados de 2014, o então Governo de Passos Coelho avançou com a intenção de passar a supervisão da Associação Mutualista para o regulador do ramo segurador, mas até hoje a associação continua sem supervisão por parte de uma entidade financeira e independente.

Ai a matemática
Mas afinal qual é a taxa de juro? A ficha técnica de um plano mutualista só tem paralelo com as antigas fichas de um produto financeiro complexo, entretanto alvo de regulação específica. A complexidade das fórmulas de cálculo destes produtos, acompanhadas muitas vezes de linguagem pouco acessível ao cidadão comum, levou mesmo a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários a introduzir, em 2012, um sistema gráfico de alerta de risco para fácil apreensão dos investidores.

A taxa de juro do Montepio Poupança Complementar resulta de duas componentes: o rendimento mínimo garantido, calculado de acordo com a fórmula “RMGt = TGt x SCANRt”; e o rendimento complementar, que é igual a “TCRt x SCAt”. Já o “Rendimento Mínimo Garantido relativo a um dado ano civil referente a cada Reembolso efetuado nesse ano (RMG(r)t), (…) é calculado com base na seguinte fórmula: RMG(r)t = TG(r)t x ?_(i=1)^n¦[ CARi x ( ni / 365 )]. A ficha técnica deste produto é um longo documento de 14 páginas e letra reduzida. Analisá-la exige dotes de jurista e bons conhecimentos de matemática.
Respondendo à questão, o rendimento mínimo garantido do Montepio Poupança Complementar é, desde 2014, igual a zero. Isto porque resulta da média da taxa de referência do Banco Central Europeu num dado ano, deduzida de 0,6 pontos percentuais.

Actualmente a taxa de referência segue em zero, mas na linha de apoio ao cliente do Montepio a informação é de que não são aplicadas taxas de juro negativas e portanto a taxa final é simplesmente nula. “Mas depois tem as melhorias”, alerta no entanto o funcionário. “As melhorias” são o rendimento complementar, que embora tenham uma fórmula pomposa, resultam simplesmente de uma taxa de juro proposta pela associação e aprovada em Assembleia Geral, como rendimento complementar para determinadas modalidades em cada ano. Em 2015, foi de 1,5%. Mas no limite, pode ser zero. A título de curiosidade, se quiser subscrever o PPR da associação ver-se-á confrontado com as mesmas fórmulas de cálculo.

Dotes de jurista
Analisado o “rendimento mínimo garantido” e a “valorização atractiva”, resta perceber a “total flexibilidade na utilização do capital investido”. E aqui entram os dotes de jurista. Sobre o reembolso antecipado, o documento refere que: “Salvo as situações de exceção previstas, o Reembolso de Quotas da Modalidade com antiguidade igual ou inferior a cinco anos será objeto de uma penalização de 5% sobre o valor das Quotas da Modalidade reembolsadas, que será deduzida no e até ao montante do Rendimento Global Acumulado das respetivas Quotas”.

Mais: “Se, aquando do Reembolso de uma dada Quota da Modalidade, o valor da penalização for superior ao valor do Rendimento Global Acumulado dessa Quota à data de Reembolso, a diferença não cobrada será deduzida, e até ao respetivo limite, ao Rendimento Anual Complementar associado àquela Quota que lhe venha a ser atribuído relativamente ao ano a que respeita o Reembolso”.

Mais uma chamada para o serviço de apoio ao cliente: o resgate, parcial ou total, antes dos cinco anos implica a perda de juros, mas o valor da penalização é calculado sobre o valor reembolsado. Ou seja, perde 5% do valor do reembolso, mas esse valor é deduzido aos juros ganhos até essa data. Se o valor dos juros capitalizados até à data for insuficiente para acomodar a penalização total, então o remanescente da penalização será deduzido ao eventual rendimento complementar que seja atribuído nesse ano. Se ainda assim for insuficiente, a associação dará então como “perdida” a restante penalização.

“Tem sempre o fundo de garantia geral da associação”
No total, o Jornal Económico passou quase três horas ao telefone com o serviço de apoio do Montepio, enquanto cliente mistério. A cada pergunta, um tempo de espera. Do outro da linha, as fichas técnicas dos produtos mostraram ser igualmente um desafio. A resposta sobre qual a taxa de juro aplicável no Proteção 5 em 5, veio ligeira: 3%. Encontrá-la na ficha técnica é que foi mais difícil. A informação surge no ponto “Contribuições do Associado Subscritor e respetivo processo de cobrança” e vem identificada como uma taxa técnica, logo a seguir à tábua de mortalidade. A ficha técnica não não faz qualquer referência ao facto desta ser uma taxa anualizada mas a garantia foi dada pelos serviços de apoio ao cliente.

No reembolso, ou resgate, o mesmo desafio de nomenclatura. O “ressarcimento de quotas da modalidade por desistência do subscritor” implica a perda de 10% do capital, e 60% dos juros e melhorias, em caso de resgate antecipado. Esta modalidade pode ser subscrita por prazos de dez, 15 ou 20 anos, o que significa que, se precisar de resgatar o investimento antes de, pelo menos, dez anos, perde 10% do capital investido, além de parte dos juros. Ainda assim, uma taxa de juro de 3% é atractiva, quando comparada com o actual retorno dos depósitos a prazo. O cliente tinha apenas uma preocupação: o facto da aplicação não ser garantida pelo Fundo de Garantia de Depósitos e da associação não ser alvo de supervisão financeira.

Do outro lado, a resposta por duas vezes repetida foi: “Tem sempre o fundo de garantia geral da associação”; “Então mas como é que esse fundo de garantia funciona? Têm o dinheiro à parte?”; “Sim, por cada 100 euros, a associação garante 110”.
Após alguma insistência do cliente para obter mais informações sobre esse fundo de garantia, e depois de mais um período de espera vem a resposta: “O presidente da associação, o Dr. Tomás Correia, já explicou publicamente, pode procurar, que para cada 100 euros, a associação tem de reserva 112. E pode também encontrar mais informação no último relatório da associação”.

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