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Uber só pagou 34 mil euros de impostos em Portugal

Receitas da empresa geradas no país vão diretamente para a sede na Holanda. A inovação tecnológica tem de andar de mãos dadas com a desregulação fiscal e laboral?
14 Outubro 2016, 06h30

Quem anda de Uber já se habituou à rotina. Acaba a viagem, avalia o condutor e recebe uma fatura com o que pagou pela deslocação. Tudo através da plataforma eletrónica, sem troca de dinheiro vivo. Esta simplicidade é um dos motivos para o crescente sucesso da empresa no país, mas por trás existe um complexo planeamento fiscal que permite à empresa pagar menos impostos. De acordo com as contas da Uber Portugal, a que Jornal Económico teve acesso, a subsidiária portuguesa pagou apenas 34 mil euros em impostos sobre o rendimento, no ano passado. O grosso das receitas vai diretamente para a sede na Holanda e escapa aos impostos do país.

A Uber mostra como a economia de partilha levanta questões mais profundas do que apenas a contestação dos taxistas. A inovação tecnológica e o foco nos consumidores tornam estas empresas casos de sucesso, mas o lado menos dourado é a erosão das receitas fiscais e a desregulação laboral nos países onde operam.

Quando se recebe uma fatura da plataforma Uber, ela não é emitida em nome da empresa nascida nos Estados Unidos. Está em nome do que o grupo designa de parceiros – condutores a recibos verdes ou empresas que contratam trabalhadores a recibos verdes, muitas vezes para turnos de 12 horas. Como notou um estudo recente do think tank Bruegel, o perfil dos condutores é comum nos vários países: trabalhadores independentes, sem direito a salário mínimo, férias pagas ou seguro de saúde.

“Estamos perante formas de geração de lucros baseadas essencialmente na arbitragem regulatória e fiscal e na organização, com a complacência de demasiados Estados, de uma corrida para o fundo em matéria laboral”, considera João Rodrigues, docente na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

Os parceiros nacionais da Uber ficam com 70% a 80% do valor cobrado aos clientes nas viagens; o resto vai para a empresa, que cobra uma comissão por “ligar” os condutores aos utilizadores e por processar os pagamentos eletrónicos.

Em Portugal, os parceiros passam a fatura aos passageiros, cobram o IVA e entregam-no às Finanças. Aos rendimentos conseguidos a recibo verde é aplicado o IRS. Mas as comissões pagas pelos condutores à sede internacional do grupo na Holanda, a Uber BV, não entram nas contas das subsidiárias em cada país. Logo, não pagam impostos locais. “Como uma empresa internacional com operações em múltiplos países, a Uber BV cumpre com todas as suas obrigações fiscais e com as regras de tributação internacionais e da União Europeia”, defende-se o grupo.

Mas essa opção traz limitações às receitas fiscais conseguidas pelos países. A Uber anunciou este ano que já tem mil condutores em Portugal, que permitiram a realização de um milhão de viagens. Mas a sociedade registada no país declarou apenas vendas de 715 mil euros no ano passado, a título de atividades não especificadas de “serviços de apoio prestados a empresas”. Até a empresa que gere a Ginginha do Rossio reportou mais receitas do que a Uber Portugal: teve vendas de 779 mil euros no ano passado.

Este esquema fiscal não acontece apenas em Portugal. Esta semana, o “Guardian” avançou que a fatura fiscal da Uber no Reino Unido foi de apenas 411 mil libras (498,1 mil euros), quando a Uber BV em Amsterdão tem receitas anuais de 520 milhões de dólares (471 milhões de euros). Há deputados britânicos a contestar a atuação do grupo e ações em tribunal de condutores, que alegam ser funcionários da empresa, e não simples parceiros. Nos EUA, a empresa foi também alvo destes litígios.

Solução de compromisso
Será uma sina que as inovações tecnológicas de empresas como a Uber impliquem contornar regras fiscais e laborais? O Bruegel acredita que não. ”A solução não é banir a Uber, mas regulá-la”, ao mesmo tempo que se aligeiram as obrigações impostas aos táxis tradicionais, equilibrando as condições em que atuam os dois tipos de transporte. Esta é também a perspectiva de Francisco Veloso, director da Católica – Lisbon School of Business and Economics, onde é também é professor em inovação e empreendedorismo. “Estas plataformas não vão acabar. Por isso é mais sensato encontrar mecanismos simples e expeditos de enquadrar estas atividades em termos laborais e fiscais, para que se obtenham os impostos devidos”, considera, dando o exemplo do que foi conseguido no alojamento local. A regulamentação simples da atividade, que funciona muito com plataformas como o Airbnb, levou a uma subida exponencial do número de senhorios registados e sujeitos aa tributação. Quanto aos táxis, admite também que parte das exigências aplicadas à atividade sejam aligeiradas, desde que isso seja feito em paralelo com mais mecanismos de avaliação dos profissionais do setor.

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