Em questões muito concretas como, por exemplo, a diminuição excessiva dos tempos de consulta, os critérios cada vez mais ambiciosos para a produção cirúrgica ou a enorme burocratização de todo o processo clínico.
Conhece alguma situação em que essas pressões tenham prejudicado a saúde dos utentes ou posto em causa a relação médico-doente?
Não me vou referir a nenhum episódio concreto, até por dever de lealdade profissional para com os colegas, mas esta pressão pela produtividade e pelos resultados está a abalar todo o sistema, com sérios riscos para a saúde dos doentes e dos próprios médicos. Exemplo disso são as escalas de urgência superiores às 12 horas de trabalho consecutivo recomendado. O burnout na classe médica é uma realidade efetiva. E, nesta medida, a probabilidade do erro em saúde aumenta.
O tempo é um bem cada vez mais escasso no contacto entre médicos e doentes. Com os sistemas informáticos de premeio e a fixação de tempos mínimos de consulta é possível melhorar?
É possível resolver o problema dos processos informáticos e isso vai representar ganhos no tempo para os doentes. Basta que haja maior investimento na manutenção dos equipamentos – neste momento bastante obsoletos – e que seja melhorada a articulação entre as diversas aplicações dedicadas à prescrição e ao processo clínico. E claro minimizar a burocracia.
Tendo em conta a aposentação de especialistas nos próximos dois a três anos, é exequível a redução faseada e rápida das listas de utentes dos médicos de família?
A redução das listas de utentes terá de ser sempre faseada. No entanto, ao ritmo a que estamos a formar novos médicos de família – e estão a entrar anualmente cerca de 470 internos para a especialidade – vamos ter um número mais do que suficiente para acomodar essa alteração e garantir que todos os cidadãos portugueses tenham um médico de família e, sobretudo, tenham mais tempo com o seu médico de família.
Defende a contratação de mais especialistas em medicina geral e familiar. O que propõe?
Defendo a contratação de todos os especialistas em medicina geral e familiar formados em Portugal, o que não está a acontecer. É justo dizer que o ministério [da Saúde] fez algum esforço nesse sentido mas, ainda assim, claramente insuficiente. Os concursos têm sido lentos, pouco transparentes e muitas vezes não adequados às necessidades das unidades funcionais. Por outro lado, não tem sido feito o esforço necessário para travar o fenómeno da aposentação precoce, da emigração e da opção exclusiva pelo sector privado.
A manterem-se os atuais volumes de recursos saídos das universidades, o desemprego médico é um cenário que se perspetiva a prazo?
Não é um cenário que esteja no horizonte, mas isso não nos deve desviar do problema estrutural nesta matéria: o número excessivo de estudantes de Medicina que existe em Portugal.
O contingente especial de 15% para licenciados deve ser substancialmente reduzido e deve ser repensada a totalidade do numerus clausus, adaptando-o à capacidade formativa do sistema. De resto, não são necessários nem existem condições para novos cursos de Medicina, sejam públicos ou privados.
A compatibilização entre a inovação e a sustentabilidade é uma falsa questão?
Não. É uma questão importante e para a qual a Ordem dos Médicos deve estar atenta. No meu programa, coloco a incorporação da verdadeira inovação diagnóstica e terapêutica na atividade clínica como uma prioridade. E digo verdadeira inovação porque deve haver uma distinção clara entre o que é verdadeiramente inovador e o que é propaganda da indústria. Nesse sentido, e sem comprometer a sustentabilidade dos diversos sectores da saúde, é fundamental acolher as novas soluções terapêuticas e fazer com que os médicos participem mais nas actividades de investigação.
A que se refere quando fala em “defender a medicina e os doentes de práticas que não têm validade científica comprovada”?
Refiro-me às ditas terapêuticas não convencionais, às quais muito recentemente o poder político reconheceu um estatuto idêntico ao da Medicina, isentando-as de IVA. Para mim, é chocante e ofende a evolução que se registou na ciência médica. Os doentes devem saber que a maior parte deste tipo de práticas, se não todas, não têm qualquer evidência científica comprovada e, nesse sentido, não fazem bem à saúde, contrariamente ao que é amplamente publicitado.
Tagus Park – Edifício Tecnologia 4.1
Avenida Professor Doutor Cavaco Silva, nº 71 a 74
2740-122 – Porto Salvo, Portugal
online@medianove.com