O atual presidente do Instituto de Soldadura e Qualidade (ISQ), Manuel Correia Alves da Cruz, conduz-nos por uma viagem de meio século onde se assiste ao crescimento do instituto e do próprio país, particularmente no universo industrial e de engenharia.
O ISQ está a celebrar 50 anos de existência. Com que objetivos foi criado e de que forma foram evoluindo e se ajustando às exigências do panorama português?
Para se entender a motivação e as razões que levaram à criação do Instituto de Soldadura – IS há 50 anos, é preciso enquadrar que nessa época estávamos em pleno quadro do desenvolvimento da eletrificação do país, com a construção de barragens, que se tinha iniciado quase duas décadas antes. Estava, também, a acontecer o desenvolvimento de várias indústrias de processo, na química, refinação e nos transportes ferroviários, entre outros. Esse era o tempo dos Planos de Fomento. Estou convencido que, neste âmbito, se identificou a necessidade de se dominar o conhecimento e a tecnologia associada à soldadura, à época indispensável para as grandes empresas produtoras de bens de equipamento. Havia uma necessidade de se buscar conhecimento, desenvolvê-lo e fixá-lo no país em várias áreas técnicas e tecnológicas, que seriam fundamentais para o desenvolvimento da indústria nacional e consequentemente da modernidade do país.
O fundador do Instituto de Soldadura foi o professor Luciano Faria, docente do Departamento de Engenharia Mecânica no Instituto Superior Técnico e, simultaneamente, quadro da Sorefame. Luciano Faria, que tinha uma grande ligação à indústria, mobilizou um grupo de empresas produtoras de bens de equipamento pesados, alguns dos “end users” e o LNEC, fundando assim em 1965 o IS português. Foi estabelecido como uma associação sem fins lucrativos, com o propósito de fixar e desenvolver o conhecimento nessa especialidade de engenharia. Esta é a personalidade jurídica que ainda hoje o ISQ mantém, a de associação privada sem fins lucrativos, que não tem tutela governamental. A formação científica e técnica dos primeiros engenheiros portugueses especializados em soldadura foi adquirida no IS Francês, o que aconteceu durante mais de uma década. Complementarmente, alguns investigadores nesta área científica foram doutorar-se no estrangeiro, na Universidade de Cranfield, no Reino Unido, o que permitiu uma grande independência científica neste âmbito a partir da década de 80. Foi durante essa década que o ISQ implementou várias novas áreas de atividade: do controlo de qualidade das construções, de onde vinha, evoluiu para atividades de apoio à manutenção das unidades industriais que tinha inspecionado na fase de construção. Foi um percurso longo de desenvolvimento de conhecimento, ferramentas computacionais e experimentais necessárias para a avaliação do estado e da condição dos equipamentos em uso, a avaliação da vida restante em unidades industriais. Esta especialidade no ISQ evolui para a avaliação de ativos e progride atualmente para a gestão de ativos de grandes unidades industriais. Esta é uma das áreas de ponta do ISQ, sendo um dos seus alicerces para a internacionalização, a par do RBI – Risk Based Inspection, e das tecnologias avançadas de controlo não destrutivo. Foi, também, neste período que se iniciou a análise de condição a equipamentos dinâmicos, bem como as atividades ligadas à segurança e ao ambiente. Criámos o Laboratório de Metrologia que é hoje um dos maiores laboratórios a nível internacional. Iniciou-se a atividade de inspeção na área de Civil, dando particular apoio às obras públicas, e que veio a ser um pilar fundamental para o suporte dado à reconstrução da rede viária em Angola. Estabelecemos a atividade de inspeção e formação em toda a fileira do Gás. Os laboratórios de Eletricidade e de Química são criados também nesta altura. A área dos Materiais teve um grande desenvolvimento, o que foi fundamental e importante à atividade de inspeção e consultoria em integridade estrutural e análise de falha, bem como na proteção anti- corrosiva.
Enfim, o ISQ tem hoje um leque de conhecimentos, de competências e serviços que lhe permitem resolver, de forma integrada, múltiplos problemas a qualquer unidade industrial, em diferentes sectores. Toda esta diversidade de competências, é, sem qualquer dúvida, uma mais-valia importante para a possibilidade de configurar as soluções e os serviços integrados que permitem dar resposta global às necessidades do mercado e, pela diferenciação, à compressão dos preços.
Porque todos os percursos são feitos de altos e baixos, nestes 50 anos que momentos se destacam?
Os aspetos mais relevantes nestes 50 anos, posso sinteticamente mencionar que com esta capacitação o IS teve, a partir da década de 70, uma intervenção muito significativa e relevante, através dos seus engenheiros e técnicos especialistas, na construção das unidades industriais em Sines e Matosinhos, por exemplo. Esta foi uma experiência muito importante para a afirmação e crescimento do IS. Logo no final dos anos 70 deu-se início à formação especializada em soldadura em Portugal, com a criação da pós-graduação em engenharia da soldadura, curso cujo sucesso e reconhecimento internacional se mantém até aos nossos dias. Direi, ainda em síntese, que neste meio século, o ISQ tem mais três períodos marcantes. No início da década de 80 acontece o colapso do grande projeto da siderurgia nacional o que provocou uma situação muito difícil no ISQ. Por forma a contornar e seguir, o ISQ decide diversificar muito as suas competências e atividades: na década de 90 inicia a constituição de empresas, e nos últimos 15 ano internacionaliza-se, quer exportando as suas atividades, quer estabelecendo empresas suas no estrangeiro. Em suma, o ISQ tornou-se nestes 50 anos na maior infraestrutura tecnológica do país tendo contribuído, seguramente, para o desenvolvimento e modernização de alguns sectores da indústria nacional.
Em que estratégia assenta a liderança, enquanto maior infraestrutura tecnológica, privada, do país?
Por definição este tipo de entidades tem por missão base deterem centros de competência em diferentes áreas do conhecimento e capacidades técnicas objetivas para apoiarem a indústria e o seu desenvolvimento, tanto ao nível dos processos como dos produtos. O ISQ tem vários centros de competência que prestam serviços e apoiam a indústria nacional na resolução de problemas, tanto na fase de construção, como ao nível dos processos produtivos, na avaliação de condição dos equipamentos, ou mesmo no desenvolvimento de produto, sua validação e certificação. Tem uma rede de laboratórios nas mais diversas especialidades, que dão consistência e suportam todas estas atividades junto dos diferentes sectores industriais. A associação das suas competências técnicas de inspeção e consultoria em várias especialidades de engenharia, com esta capacitação laboratorial, conferem-lhe uma capacidade muito singular de resolver problemas, suportar e testar soluções que são fundamentais para a operação, manutenção e o desenvolvimento da indústria.
Inspeção, ensaio, formação e consultoria técnica. Como foi evoluindo esta oferta?
O ISQ capacitou-se com o conhecimento, as técnicas e as tecnologias necessárias ao seu desempenho nas diferentes áreas em que é especialista e presta serviços, depois teve a visão e o arrojo de seguir caminhos que lhe permitiram ocupar áreas onde não existia quem tivesse a competência e a capacidade para nelas atuar. É minha convicção que esta aposta na inovação e na diversificação de atividades foi fulcral para o seu desenvolvimento. O ISQ tem por princípio entrar em qualquer nova área dotando-se dos conhecimentos e das capacidades fundamentais para essa atividade. Este princípio assenta numa formação sólida dos seus técnicos e numa atividade de I&D relevante, participando e concorrendo a projetos em diferentes áreas das ciências de engenharia, tanto em programas nacionais como da União Europeia. O ISQ investe 4 a 5% das suas receitas nestes projetos, o que é fundamental para se manter no estado-da-arte, o desenvolvimento tecnológico e fornecer serviços inovadores. Só assim consegue ter atividades de maior valor acrescentado que interessam ao mercado e, particularmente, dar suporte à sua internacionalização.
O ISQ tem desde a sua génese uma atividade de formação profissional relevante no contexto nacional. Formou mais de 150 mil técnicos de várias especialidades nos últimos 20 anos. Uma parte significativa são pós-graduações em especialidades de engenharia fundamentais para a atividade das empresas. Este aspeto da formação profissional é, seguramente, fundamental para o desenvolvimento do país e nós estamos fortemente envolvidos no processo de qualificar quadros e técnicos em diferentes áreas e níveis. Penso que isto é, também, muito importante para o país. A atividade de I&D na formação profissional ao nível comunitário, tem-nos permitido trazer para Portugal o que de mais moderno se faz por toda a Europa. Este é um aspeto muito importante e que tem merecido o apreço do IEFP – Instituto do Emprego e Formação Profissional, com quem mantemos uma relação de parceria muito importante e interessante para ambas as partes, e para o país.
Do ponto de vista dos investimentos realizados desde o primeiro PEDIP até hoje, penso que se poderá afirmar, também, que foi dos melhores investimentos que se fizeram em Portugal. Não tenho dúvidas que a existência de entidades de interface competentes e capazes para apoiarem o tecido económico, são decisivas para a inovação e o crescimento da Economia. Os países industrializados, como por exemplo a Alemanha, têm redes de instituições com esta natureza e propósito, que são fortemente apoiadas pelo Estado.
Na vertente inspetora, o ISQ tem lidado com os grandes projetos industriais e civis. Nesta matéria, como analisa a realidade portuguesa?
Estivemos e estamos em quase todos os grandes projetos nacionais e de investimento estrangeiro desde a década de 70. Referirei a título de exemplo dois casos, um, mais antigo, o suporte que temos prestado às atividades operacionais da Autoeuropa, sendo o mais recente o apoio do ISQ às fábricas da Embraer em Évora. Em ambos os casos há funções de suporte à produção que são assumidas pelo ISQ, reduzindo os custos fixos pelo uso das suas capacidades laboratoriais. Penso que isto é relevante para uma entidade privada com a natureza da nossa e que depende fundamentalmente do mercado. A confiança que em nós depositam, só resulta da competência e idoneidade que nos reconhecem. As chamadas inspeções obrigatórias ou legais são responsabilidades que os Estados devem assumir para garantir a segurança dos cidadãos. São responsabilidades prescritas por diretivas e prescrições legais que visam a segurança de pessoas e bens no sentido mais lato. O ISQ é, naturalmente, um ator importante no plano nacional para a garantia destas obrigações. Penso que a sua natureza de entidade independente e com competências reconhecidas em várias áreas técnicas, lhe confere um estatuto importante e singular, para assegurar estas responsabilidades que ao Estado competem. Infelizmente, em Portugal houve, e continua a haver, uma proliferação de entidades, muitas delas sem dimensão, que estão quase exclusivamente dedicadas a estas atividades legais e que as prestam praticamente a qualquer preço. Esta é uma questão e uma preocupação para as quais temos vindo a alertar as Autoridades e os Governos há anos. Estas atividades representam aproximadamente 12 a 15% do volume de negócios do ISQ e são atividades que envolvem muitos recursos, responsabilidades e que para serem bem executadas têm pouco resultado económico. Não posso deixar de salientar que em muitos países da União Europeia estas responsabilidades do Estado são delegadas em poucas entidades de reconhecido mérito e idoneidade, sendo, também, uma forma de suportar o desenvolvimento técnico destas entidades. Para além da nossa intervenção nos grandes projetos industriais, estivemos e estamos na inspeção de construção de estradas, autoestradas e pontes, quer no país, quer em Angola. Por outro lado, a nossa intervenção em projetos como o acelerador do CERN, o ITER ou o ELT da ESO, que são realizações únicas, de grande complexidade e responsabilidade em termos de inspeção e desenvolvimento de procedimentos, atestam a capacidade que Portugal tem para estar a este nível de projetos através do ISQ.
Quando começou a internacionalização? Qual foi o primeiro destino no exterior?
A nossa primeira experiência internacional, que terá 30 anos, foi na Refinaria de Luanda. Uma atividade internacional mais sistemática e estabelecida no estrangeiro tem aproximadamente 15 anos. Ao exportarmos as nossas atividades, constatámos a necessidade de criar empresas locais para suportarem essas atividades e para as desenvolverem localmente. Constituímos assim um grupo de empresas que dão corpo à internacionalização do ISQ. São disso exemplo as cinco em Espanha, duas em Angola, uma na Argélia, em Moçambique, no Brasil, no Abu Dhabi ou na Noruega. Em alguns casos, por imperativo legal dos países ou por opção nossa de partilha de risco, mercado e acesso a clientes, estabelecemos parcerias com empresas locais, ou com entidades internacionais congéneres, como foi o caso da Apave francesa, em Angola.
Neste momento, em que países está presente? Que projetos se evidenciam?
A atividade que o Grupo tem hoje no estrangeiro corresponde a 57% do seu volume de negócios, o que em si mesmo é relevante e expressivo no volume das exportações correspondentes à atividade de engenharia nacional. Temos contratos e atividade permanente em quatro continentes, onde estabelecemos empresas participadas. Este processo de internacionalização foi, e é, fundamental para o crescimento. Nos últimos quatro anos de maior incidência da crise em Portugal, a atividade no mercado interno diminuiu mais de 30% sendo que no Grupo, e muito por via das empresas no estrangeiro, a redução foi de 4%. Isto tem sido muito importante para a sustentabilidade do ISQ. Estamos agora a sentir o impacto da redução do preço do petróleo na atividade internacional, já que a nossa ação está muito assente no sector da energia em geral, e na do “oil & gas” em particular. É também interessante a contribuição do ISQ para o desenvolvimento de outros países. É o caso de Angola, onde já concebemos e implementámos três infraestruturas laboratoriais importantes para o país. Foi o caso dos laboratórios centrais da Sonangol, todo o apoio que demos para os laboratórios do ISPTEC, uma entidade de ensino superior, e os laboratórios de controlo alimentar para o Ministério da Comércio. São processos de transferência de conhecimento e tecnologia fundamentais. Não posso deixar de referir um grande projeto em que apoiamos a implementação dos laboratórios de investigação do Petroleum Institute do Abu Dhabi. Curiosamente esta é hoje uma nova área de negócio importante do ISQ.
A internacionalização passa não só pela presença em projetos internacionais, mas, muito pela própria presença física das nossas afiliadas em vários pontos do mundo. O ISQ tem afiliadas em Espanha, Noruega, Angola, Moçambique, Brasil, Timor, Macau e Médio Oriente, além de vários colaboradores em diversos países resultantes de projetos internacionais como atualmente no ITER (reator europeu de fusão nuclear).
Para este ano que metas foram traçadas neste capítulo?
Fundamentalmente, consolidar a operação em Espanha em torno de uma holding, rever a posição na Noruega por forma a crescer neste mercado (uma presença forte na Europa é muito importante), trabalhar no crescimento do mercado do Golfo, continuar com o processo em curso para estabelecer uma parceria no Brasil, e revermos a presença em Angola e Moçambique, para podermos atravessar as dificuldades que estes mercados apresentam.
Em Portugal, a curto/médio, por onde passa o futuro do ISQ?
Na sua missão o ISQ é e continuará a ser uma Infraestrutura Tecnológica importante para o país. O ISQ continuará a promover a inovação dos processos e produtos que se desenvolvem no país nos mais diversos sectores industriais e da Economia em geral. Manteremos o desígnio de sermos uma entidade que garante a segurança de pessoas e bens, tanto em equipamentos simples como em grandes instalações industriais. Continuaremos a prosseguir no desenvolvimento do conhecimento e da tecnologia para apoiarmos a indústria, como sempre o fizemos neste meio século de atividade. Com a dimensão que o Grupo ISQ hoje tem penso que, do ponto de vista institucional e organizacional, concluiremos o processo de reavaliação estratégico que temos em curso para uma definição mais atual desta entidade.
Passada a turbulência originada pela crise dos últimos anos que o nosso país e alguns mercados internacionais atravessam, e resultado de muito trabalho e dedicação dos colaboradores do ISQ, estou certo que voltaremos ao crescimento da atividade e à criação de emprego qualificado, o que já começa a haver alguns indicadores, ainda que ténues, porque isto é que verdadeiramente importa para o Grupo que tenho o privilégio de servir.
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