Recentemente, o Tribunal da Relação de Évora (TRE) teve a oportunidade de apreciar o seguinte caso: (i) um trabalhador com a categoria profissional de carteiro, (ii) com aproximadamente 23 anos de antiguidade, (iii) sem antecedentes disciplinares, (iii) reteve a quantia de €56,94 durante cinco dias, a quantia de €113,00 durante 25 dias e a quantia de €169,22 durante quatro dias, retardando a liquidação dos valores aos clientes remetentes dos envios à cobrança, (iv) através da manipulação das informações constantes do sistema informático; porém, (v) os clientes não apresentaram queixas ou reclamações.
Dir-se-ia, à partida, que os valores em apreço eram diminutos e que o empregador não sofreu qualquer dano, visto que o trabalhador devolveu sempre as quantias em causa; por conseguinte, a decisão de despedimento com justa causa seria excessiva ou desproporcional.

Contudo, não foi esse o entendimento do TRE, o qual afirmou que não se tratava de uma conduta meramente negligente ou de uma “episódica violação do dever de zelo”; ao invés, “a atividade prestada pelo trabalhador, como carteiro, é essencialmente baseada na confiança e na lealdade, pelo que o mais pequeno desvio de conduta se repercute na quebra irremediável da confiança pressuposta na relação laboral, independentemente das consequências mais ou menos gravosas, e fundamenta o despedimento, na medida em que deixa de subsistir o suporte psicológico mínimo que legitime impor [ao empregador] (…) a subsistência do vínculo laboral”. Mais, “os actos do [trabalhador] impossibilitaram a manutenção da relação de trabalho, violando as relações de lealdade, de bom ambiente de trabalho e de confiança que devem prevalecer em qualquer relação laboral”. Nesse sentido, o despedimento era a única sanção adequada (Ac. TRE 11.1.2017 (Baptista Coelho) proc. n.º 2579/15.3T8STR.E1).

Esta decisão parece-nos acertada. Com efeito, os trabalhadores não podem utilizar os recursos do empregador – e, muito menos, de clientes – em benefício próprio, ainda que de forma temporária ou transitória. Por maioria de razão, não devem manipular a informação com o objetivo ou efeito de dissimular o seu comportamento. Esta orientação jurisprudencial poderá ter aplicação, por exemplo, no caso de trabalhadores com funções de caixa ou de cobrança ou com acesso consentido às contas bancárias do empregador. A resposta seria idêntica no caso de um trabalhador com função de revisão e confirmação prévia do pagamento das remunerações que decide, por sua iniciativa, incluir um prémio ou bónus ou pagar trabalho suplementar não realizado a algum colega? Em nosso entender, a resposta deve ser afirmativa, independentemente do valor em causa. Em bom rigor, o desvio de dinheiro ou de bens do empregador ou de clientes, em proveito próprio ou alheio, deve constituir, por si só, um ilícito disciplinar grave que justifique o despedimento com justa causa.

Não obstante, cumpre referir que qualquer decisão de despedimento deve merecer uma ponderação atempada de todas as circunstâncias do caso concreto.