Em declarações ao Económico Madeira, Rui Gonçalves aborda algumas das questões que se colocam, neste momento, ao Centro Internacional de Negócios da Madeira, reafirmando que os sucessivos governos nacionais prejudicaram esta infraestrutura que hoje poderia ter uma outra consolidação e dimensão.
Económico Madeira – O CINM contribui com 150 a 160 milhões de euros anuais em receitas em impostos para a RAM. O Governo Regional está satisfeito com esse valor ou quer mais?
Rui Gonçalves – Em 2016 estimamos alcançar uma receita na ordem dos 190 milhões de euros, o que equivale a cerca de 20% do total da receita fiscal da Região. É bom, muito bom mesmo, mas naturalmente que ambicionamos mais e sabemos que tal é possível.
Aliás, não fora os erros estratégicos – e as ações intencionais, como aquela que está atualmente em curso – que no passado os Governos de Portugal intentaram contra o CINM e hoje estaríamos já numa posição muito mais pujante e em níveis de receita completamente diferentes. Provavelmente teríamos dispensado o PAEF.
Mas temos é que olhar para o futuro e trabalhar com os instrumentos que temos e com o quadro legal de que dispomos, nomeadamente o IV Regime em vigor, com licenciamentos até 2020 e benefícios vigentes até ao ano de 2027.
Este instrumento fundamental de atração de investimento, desenvolvimento económico e internacionalização da economia regional, em conjunto com outras iniciativas já implementadas – como o Código Fiscal do Investimento – e outras a implementar, deverão constituir um conjunto de fatores de atração e fixação de investimento, tal como da sua dinamização, determinantes para ultrapassarmos as contingências que enfrentamos, mesmo as de ordem natural, nomeadamente a ultraperiferia e a nossa dimensão territorial.
Temos, contudo, de estar conscientes que estamos cada vez mais dependentes do CINM, o que também constitui uma fragilidade, na medida em que infelizmente ainda existem algumas pessoas empenhadas em destruir o Centro.
Até onde
ED.M. – Até onde pode ir o CINM em termos de captação de mais receitas fiscais?
Rui Gonçalves – A tentação de dar a resposta clássica é muita, mas vou resistir. O CINM poderá ir até onde nos deixarem ir. Hoje, encontra-se em franco crescimento, noutra ordem de valores e dimensão empresarial é certo, mas de forma muito firme e consolidada. Desde 2012 – ano em que as empresas passaram a pagar IRC – que a receita fiscal direta proveniente da Zona Franca da Madeira não pára de aumentar o que nos deixa boas perspetivas para o futuro. Veja-se, por exemplo, o enorme sucesso do RIN-MAR, Registo Internacional de Navios, com um crescimento exponencial a todos os títulos notável.
Todo o nosso historial de credibilidade, cumprimento escrupuloso das normas vigentes em Portugal, na União Europeia e na OCDE – que nos distingue claramente dos modelos “off-shore” –, está agora a dar os seus frutos num panorama internacional claramente imbuído de um paradigma de “compliance”, rigor e transparência nos negócios internacionais, precisamente o modelo onde o CINM se insere, quer estar e continuará a estar.
Aliciar empresas
E.M. – Como é que a RAM pode aliciar empresas de grande dimensão para se instalarem no seu CINM? Que tipo de cedências tem que encontrar em Lisboa?
R.G. – A RAM pode “aliciar”, como disse, empresas até ao limite dos plafonds da matéria coletável – no limite 205,5 milhões de euros, indexados à criação de postos de trabalho – objeto do benefício fiscal da taxa reduzida, plafonds esses negociados, até onde foi possível, neste regime, muito mais em consonância com a realidade e dimensão das empresas que tínhamos no CINM e com a noção daquelas que aqui se poderiam instalar. Seria bom não existir essas limitações, mas em boa verdade já dispomos de um quadro muito interessante de benefícios por forma a tornar o CINM muito atrativo à instalação de empresas na Região.
Não se coloca a questão de “cedências” de Lisboa, mas sim de colaboração e entendimento da importância do CINM para a Madeira e para todo o Portugal. Com uma ou outra exceção, que haverá sempre, quero crer que isso hoje felizmente é uma realidade, que há um mútuo entendimento quanto a esta matéria e à importância do CINM.
O CINM e Bruxelas
E.M. – Acha que Bruxelas está disposta a abrir mão de medidas que a RAM precisa que seja aprovadas para dinamizar o seu CINM?
RG – Neste momento não se colocam quaisquer questões. Existe um quadro legislativo e de benefícios em vigor até 2027 e com licenciamentos até 2020. Ao aproximarmo-nos dessa data, serão desenvolvidas novas negociações, nestes ou noutros termos – o que é mais provável – para um novo ciclo, que até pode extravasar o âmbito do CINM, se nos for dada a possibilidade de dispor de um sistema fiscal próprio, conforme preconizado na recente proposta de alteração ao Estatuto Político-Administrativo apresentada pelo Grupo Parlamentar do PSD.
Proposta de Sousa
E.M. – Conhece certamente o documento do deputado Miguel Sousa e as previsões de receitas que ele continha. Acha que aquela proposta, ou ideia, tem acuidade e é exequível?
R.G. – Acuidade tem com certeza. O desafio do Dr. Miguel de Sousa colocou, com oportunidade, uma série de questões no plano da discussão de qual o modelo de financiamento que precisamos e ou desejamos e que sistema fiscal queremos para a nossa Região, no âmbito de um quadro autonómico que se deseja cada vez mais sustentável por recursos próprios.
Quanto à sua exequibilidade, a questão principal coloca-se ao nível do período transitório e como iremos garantir, nesse hiato, o nível indispensável de receitas para fazermos face às nossas despesas. Este é, do meu ponto de vista, um aspeto muito sensível, que reputo de fundamental e que não pode ser ignorado ou subvalorizado, e cuja resposta permitirá determinar se o modelo é exequível ou não.
Diga-se, com justiça, que o próprio autor reconhece que o seu documento é uma proposta e não uma solução em definitivo, o que lhe confere o mérito da possibilidade da abertura de uma discussão séria e tecnicamente sustentada com vista à tomada de decisões políticas. Aliás, julgo que foi sempre essa a sua intenção primeira, sendo esse o caminho que está já a ser percorrido.
Não há nem modelos nem sistema perfeitos, mas alguma vez temos que ser arrojados e procurar melhorar o que temos. Faz parte de um processo evolutivo que encaramos com naturalidade e que contará sempre com a minha adesão.
Concessão por ajuste direto
E.M. – Ainda sobre a concessão do CINM, por que razão a opção foi a de ajuste direto quando se desconhece se uma concessão totalmente da responsabilidade do sector público, funciona ou não? Tem medo de empolar ainda mais o chamado sector empresarial público regional?
RG – O modelo tem funcionado bem, e nunca foi nem é pelo facto de ter uma gestão privada em parceria com o Governo Regional que o CINM sofreu qualquer contratempo. Antes pelo contrário, a atual concessionária demonstrou em todos os momentos uma grande capacidade de gestão e negociação, tendo ultrapassado com sucesso todas as fases mais turbulentas (e infelizmente foram muitas) porque passou o CINM ao longo destes anos.
Não creio que uma gestão pública tivesse feito melhor ou mesmo que alcançasse os mesmos níveis de eficiência e de eficácia. Não porque o setor público não tenha capacidade de gestão, até porque está dotada de quadros altamente habilitados e preparados, mas porque estamos a falar de uma área muito específica, objetivamente direcionada para critérios e métodos de gestão muito mais próximos da lógica do setor privado. Como disse, e bem, porque haveríamos de correr riscos num setor tão decisivo para a Região se a atual fórmula, devidamente ajustada, nos dava mais garantias de sucesso e estabilidade do CINM? O Centro é hoje demasiado importante para a Região para corrermos qualquer risco.
O que fizemos foi elaborar um caderno de encargos com novas condições e uma repartição mais equitativa das receitas operacionais, tendo-se optado, dentro da legislação vigente, por um procedimento concursal por ajuste direto, convidando a actual concessionária a aderir a essas novas condições.
O resultado final parece-me extremamente justo e equilibrado para ambas as partes. Tendo por base as contas do período de 2005 a 2014, com as regras em vigor a Região arrecadou 39% das taxas e dividendos, com a parte privada a ficar com 61%; com o novo contrato de concessão, o cenário inverte-se: são 62% para a Região e 38% para os privados. Atualmente a Região arrecada uma média de 1,9 milhões de euros por ano, valor que passará para os 3,3 milhões de euros anuais. Um aumento de 74%.
Esta solução nada teve a ver com qualquer tipo de receios em “empolar” o setor público regional. Caso contrário, não teríamos reforçado a nossa posição societária na SDM dos 25% para os 49%.
A par deste reforço do capital, indicámos ainda o Dr. João Machado para o Conselho de Administração da SDM, o que, dada a sua vasta experiência e conhecimentos, será uma mais-valia no garante do sucesso da Zona Franca da Madeira e, consequentemente, da defesa dos interesses da Região.
Privados ou público?
E.M. Não acha que sendo o GRM a negociar em Lisboa seria mais fácil uma concessão totalmente pública do que totalmente privada como acontece agora? Não acha que uma concessão entregue a privados suscita desconfiança em processos negociais em torno, por exemplo, de atribuição de benefícios fiscais?
RG – Não, de todo. Essa questão nem se coloca, é mera especulação. Os processos negociais são conduzidos junto do Governo da República pelo Governo Regional com o apoio técnico da SDM enquanto concessionária onde o Governo é acionista. Não faz sentido sequer, irmos por aí, é redundante.
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