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Armando Vara: “Decisão de crédito a Vale do Lobo foi tomada por unanimidade na Caixa”

“O projecto do autódromo de Portimão que foi apresentado à Caixa no tempo em que fui administrador da CGD e não foi aprovado e fui encontrá-lo depois aprovado no BCP (eram 20 e tal milhões)”, disse Armando Vara
22 Março 2017, 19h30

A audição do antigo administrador da Caixa Geral de Depósitos (CGD) Armando Vara na comissão parlamentar de inquérito à recapitalização e gestão do banco do Estado está a decorrer.

O ex-administrador da CGD desempenhou essas funções entre o fim de 2005 (entrou a convite do ministro das Finanças Teixeira dos Santos) e o final de 2007. Armando Vara era vice-presidente do banco público quando se desvinculou da CGD, no dia 15 de Janeiro de 2008, para ir para o BCP.

João Almeida perguntou em que moldes foi feito o convite para administrador da CGD? Se houve trabalho prévio? Se foi feito com orientação política? Armando Vara diz que foi Teixeira dos Santos que o convidou e explicou que o ex-ministro das Finanças lhe disse que “gostava que fizesse parte das mudanças que estava a pensar na CGD” e “falámos mais tarde em projetos, ideias para a Caixa”. Armando Vara diz que conhecia muito bem o então ministro. “Tinha muita confiança em mim”.
E com Sócrates? Quando falou? “Não sei o que é que o faz pensar que falei com ele”, defende-se Armando Vara. “Nunca falei com o engenheiro Sócrates sobre isso [o convite para a CGD]”, começou por dizer Armando Vara em resposta ao deputado do CDS, João Almeida.

Recorde-se que o gestor é arguido na Operação Marquês, precisamente por causa de uma operação de crédito quando era administrador da Caixa (do empreendimento de Vale do Lobo). Portanto, as perguntas centram-se agora nas decisões da concessão de crédito. O ex-administrador diz que foram nomeados três novos membros da administração. Já sobre os pelouros, Carlos Santos Ferreira é a pessoa certa para falar do assunto, diz Armando Vara.

 Armando Vara acaba a dizer que haviam clientes (empresas/pessoas) que escreviam aos administradores directamente com dossiers de pedidos crédito que eram remetidos para a respectiva direcção e serviços competentes.
Sobre o conselho de crédito, diz que “participava nas reuniões de conselho de crédito e coordenava a atividade dessas direções”, diz Armando Vara.
Relativamente às indicações do Governo para créditos da CGD, Vara diz que “todas as articulações com o Governo era feito através do presidente da Caixa e na sua ausência o seu vice-presidente”.
João Almeida refere uma conversa de Vara com um membro do Governo  e pergunta se quando saiu da CGD teve alguma conversa sobre a importância da CGD financiar algum projecto em concreto ou entrar na estrutura acionista de alguma empresa em concreto? Vara escuda-se no facto de enquanto administrador da CGD não teve conversas com membros do Governo sobre projectos da CGD.
Mas acaba por referir uma conversa com Laurentino Dias, então secretário de Estado do Desporto, por telefone, que foi alvo de escutas, em que diz que foi “caso único” a propósito num projecto do Algarve. “O projecto do autódromo de Portimão que foi apresentado à Caixa no tempo em que fui administrador da CGD e não foi aprovado e fui encontrá-lo depois no BCP aprovado (20 e tal milhões, tendo depois a CGD se juntado ao projecto de financiamento)”.
“Se aquele era um Projecto de Interesse Nacional [PIN] o Estado devia lá meter dinheiro foi o que eu disse ao secretário de Estado”.
“Não me lembro de ter chamado chefe àquela pessoa [Sócrates]”, diz a propósito desse telefonema.
Acaba a dizer que o dinheiro devia ser do Orçamento do Estado e não da CGD.
A conversa encaminha-se para os PIN (liderados pelo AICEP). Armando Vara admite que “a classificação de um projecto como Projetos de Interesse Nacional (PIN), a CGD no mínimo tem de avaliar também essa componente. Mas nem todos os pedidos de crédito de PIN eram aprovados. Não era indiferente, mas não era condição”.
Quando iam a conselho de crédito, “aprovava quando achava que tinha de aprovar”, refere Vara, depois de admitir que esta classificação era relevante.
“Agora, não raras vezes, a Caixa discutia até ao fim e provavelmente alguns não foram aprovados apesar disso”, mas o facto de ser PIN era relevante.
Havia interação da CGD com as entidades publicas? Vara cita Carlos Santos Ferreira quando disse que terá falado com o presidente da Agência Portuguesa do Investimento [Basílio Horta], o que “era normal”.
Os projectos de Vale de Lobo e La Sede: eram PIN?
“Vale de Lobo nunca teve a classificação de PIN. La Seda não tenho a certeza”, diz Armando Vara. Mas João Almeida confirma que o projeto da empresa espanhola era PIN e pergunta se essa classificação foi determinante?
“La Seda tinha uma série de condições importantes para o país que podem ter sido determinantes, acrescenta o ex-administrador”. A CGD envolveu-se no financiamento do projecto de uma fábrica da La Seda em Portugal (a fábrica da La Seda em Portugal produzia embalagens plásticas) porque o considerava viável, admite.
O contrato de investimento da La Seda em Sines foi assinado em 2007, era a primeira unidade de produção PTA [ácido tereftálico purificado] de raiz da La Seda em Portugal. O investimento  teve o apoio de 99 milhões de euros do Estado português. Segundo o Correio da Manhã à CGD a dívida soma 476 milhões de euros e as imparidades seriam 214 milhões de euros.
A CGD financiou e entrou no capital da La Seda e em 2010 passa de 7,2% para 14,7% quando a situação do grupo já era muito negativa.
Armando Vara responde com a crise financeira despoletada pela falência do Lehman Brothers para explicar a mudança de circunstâncias entre 2008 e 2010.
O projecto Vale do Lobo
Com a assinatura de Armando Vara (que era administrador na altura) está o empreendimento de Vale do Lobo e que tem na CGD uma dívida de 283 milhões (com imparidades de 138 milhões).
João Almeida contra-ataca: “A CGD fez uma exigência para que os acionistas do projecto que pediram financiamento, entrassem com 36 milhões de euros para o capital da empresa. Mas só entraram com 6 milhões e a CGD entrou com 26 milhões mais 2 milhões para despesas. Apesar disso a estrutura acionista fica 75% dos donos do projecto e a CGD com 25%.
Vara responde: “A CGD olhou para aquele projecto como um projecto de grande interesse para a estratégia que queria desenvolver num segmento prime. Numa altura em que vários bancos disputavam aquele crédito. Não é raro que as empresas se constituam com um determinado capital social e que a realização desse capital social não seja imediata”.
“Nós sabíamos quando o projecto arrancou que os acionistas estavam reticentes em pôr mais capital porque as garantias que eram pedidas para o empréstimo superavam largamente o valor desse empréstimo que estava a ser pedido à CGD. Tínhamos avaliações da KPMG que avaliavam  os activos daquele resort em mais de 400 milhões de euros e tínhamos pareceres doutras consultoras como a Deloitte que certificavam essas avaliações. Mas no primeiro ano a previsão eram vendas de 25 casas no primeiro ano, mas venderam-se 50, e foi pago à CGD até 2013 cerca de 100 milhões do empréstimo que foi pedido na CGD (que optou por financiar sozinho o empreendimento)”, diz.
Portanto para Armando Vara “foi um dossier bem pensado, que fizemos questão que ficasse só com a Caixa quando havia outro bancos interessados”.
“A decisão de crédito ao projecto de Vale do Lobo foi tomada de forma unânime dentro da Caixa e ficámos contentes por ter ganho aquele projecto à concorrência e aquele activo cada dia que passa valoriza-se e acredito que o banco não vai perder dinheiro com aquele empreendimento”.
Este é um dos créditos alvo de imparidades que poderá recuperar-se, diz Armando Vara.

O ex-vice-presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD) e do BCP, Armando Vara, e o vice-presidente da CGD, Francisco Bandeira, foram em 2012, condenados pela CMVM a uma multa de 50 mil euros por “negligência”, por não terem impedido – apesar de terem conhecimento dos factos – um conjunto de ilicitudes realizadas na rede comercial do grupo público. Em causa estão financiamentos concedidos a clientes e directores, através de centenas de contas-fantasma, no valor de um milhão de euros, para aquisição de acções durante as ofertas públicas de venda da Galp e da REN e a oferta pública de subscrição da Martifer.

A CMVM considerou que Armando Vara que, na altura dos factos, tinha o pelouro da rede comercial de Lisboa, e Francisco Bandeira, com responsabilidade nas agências do Norte, foram negligentes ao autorizarem financiamentos de um milhão de euros e que serviram para aplicar em operações ilícitas sobre valores mobiliários, mas não actuaram com intenções de cometer fraude.

“O que aconteceu nesse dossier foi que a Caixa detetou e resolveu o problema” e “quando tudo estava resolvido, explicámos a todas as entidades oficiais o que se tinha passado e a CMVM que não tinha feito nada para prevenir aqueles acontecimentos, achou que a melhor forma de responder foi acusar-me de negligência”, diz. “Recorri da decisão e acabei ilibado dessa infâmia”, concluiu.
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