Económico Madeira – Há quem faça alguma confusão com o facto de a RAM não ter receitas próprias suficientes para fazer face ao seu próprio Orçamento anual. Isto é real? Constitui um problema e, em caso afirmativo, em que medida?
Rui Gonçalves – As receitas próprias nos últimos anos têm representado valores próximos dos 80% do total das receitas, o que atesta a robustez do rácio de receitas próprias da Região.
Note-se que praticamente nenhum País, por mais rico que seja, tem o seu orçamento coberto a 100% com receitas próprias; é sempre necessário contrair financiamentos para pagar outros financiamentos que se vencem ao longo do ano.
Por outro lado, no tempo do Estado Novo Portugal tinha receitas próprias que cobriam todas as despesas e não me parece que isso tenha sido positivo para o País. Isto para dizer que temos de manter um equilíbrio na gestão orçamental, mas que é perfeitamente normal que nem todas as nossas despesas sejam pagas com receitas próprias. O importante é termos recursos suficientes para fazer face às nossas despesas. E isso está assegurado.
EM – Se lhe pedissem um balanço a quase meio mandato, o que diria?
RG – Sempre tive muita dificuldade em me avaliar a mim próprio. Prefiro deixar essa tarefa para outras pessoas, que com certeza conseguem ver as coisas com mais distância e imparcialidade do que eu… Posso é dizer que tenho procurado fazer sempre o meu melhor, numa tarefa que tem tanto de exigente quanto de nobre. Espero que no final do mandato o balanço seja positivo, não por mim mas pelo que isso significaria para a Região.
EM – Quais os três pontos positivos e já resolvidos e, ao invés, quais os 3 aspectos menos positivos ou que ainda aguardam resolução?
RG – Termos conseguido o financiamento para 2016, sem a garantia do Estado, foi um aspeto muito positivo, porque senti que os bancos nos emprestaram o dinheiro – 185 milhões de euros – pela credibilidade do trabalho feito, mas também porque acreditaram neste Governo. Foi um marco, porque significou que todos os sacrifícios que foram pedidos ao Povo da Madeira tinha servido para alguma coisa; não tinham sido em vão.
O fecho das negociações das PPP (Vialitoral e Viaexpresso) foi também muito importante, porque era um processo que já se arrastava há anos, e que estava num impasse. Não sei se foi persistência ou teimosia, mas o facto é que conseguimos reduzir a fatura dos contribuintes em 250 milhões de euros, o que é sempre gratificante.
Depois foram resolvidos uma série de outros processos, mais pequenos e menos mediáticos, mas que foram muito importantes porque eram dossiês que estavam parados há anos. Lembro-me, por exemplo, das obras que estavam suspensas, como a Variante ao Caniço e o Centro de Saúde de Câmara de Lobos, só para dar dois exemplos, que só foram possíveis de desbloquear graças ao trabalho que foi feito para termos acesso ao Fundo de Coesão Nacional.
Por outro lado, o financiamento do Novo Hospital continua a ser “uma pedra no sapato”, pela forma como o Conselho de Acompanhamento das Políticas Financeiras “resolveu” o assunto, atropelando a lei.
O pagamento das dívidas do Estado à Região – na ordem dos 116 milhões de euros – é outro dossiê em que (ainda) não tivemos qualquer resultado, apesar das múltiplas insistências.
A nível interno, as maiores dificuldades estão na agilização dos procedimentos, já que não só existem muitas resistências, como a teia burocrática é enorme. É muito fácil sermos capturados pela máquina burocrática e tem de haver muita tenacidade e lucidez para levar por diante as reformas que a Administração Pública exige. Mas já estamos no caminho certo e a andar na direção correta. Só falta acelerar o passo.
EM – Qual é o retrato que faz da proposta de Orçamento Regional para 2017? Que áreas são privilegiadas?
RG – O Orçamento Regional para 2017 é um orçamento que foi pensado em nome de uma sociedade mais justa e de uma Região melhor e, por isso, e como já referi numa anterior ocasião, é um orçamento que a todos beneficia, mas que dá uma atenção especial àqueles que dispõem de menos recursos.
O Orçamento para 2017 privilegia claramente as áreas sociais, sobretudo da saúde e da educação, canalizando mais de metade das dotações disponíveis para estas funções, num sinal claro e inequívoco da matriz social da atuação do Governo.
É um orçamento que aumenta o rendimento das famílias, através da redução das taxas de IRS, nos tais 6,5 milhões de euros já referidos, e da reposição do subsídio de insularidade a cerca de 19 mil funcionários públicos, aumentando esta via os rendimentos em mais de 4,5 milhões de euros.
EM – Parece que há uma nova filosofia nesse OR-2017 a de privilegiar as pequenas obras públicas de construção na expectativa delas darem trabalho e gerarem emprego nas chamadas pequenas e médias empresas regionais. Concorda com esta conclusão? Acha que é por aí que se reduz o desemprego que continua a ser a nossa principal chaga?
RG – Ainda que os últimos dados confirmem a continuada redução da taxa de desemprego, a criação de emprego continua no topo das prioridades do Governo Regional.
Para tal, estamos a apostar fortemente na promoção de políticas ativas de emprego e na continuidade de programas de apoio à empregabilidade e à formação.
Uma dessas medidas passou, efetivamente, pela inscrição no PIDDAR para 2017 de 580 milhões de euros que, distribuídos por 660 iniciativas a realizar nos onze concelhos da Região, propiciarão trabalho a pequenas e médias empresas e permitirão a manutenção e a criação de emprego.
Este é um caminho iniciado este ano, mas que é para continuar nos próximos anos, já que o melhor investimento público é aquele que concilia criação de emprego à satisfação de necessidades das populações, de preferência sem onerar a dívida pública.
EM – O que foi que o ministro das Finanças pretendeu quando acusou a RAM de não estar a cumprir a Lei de Finanças Regionais? Falaram consigo sobre isso?
RG – Terá de perguntar ao Ministro das Finanças porque da nossa parte ainda não vislumbrámos qualquer incumprimento.
Tenho para mim que foi um lapso de linguagem, até porque a semana passada o Ministro das Finanças afirmou no Parlamento que a Região tinha um bom desempenho orçamental (o que é verdade).
Nunca ninguém do Ministério das Finanças me abordou sobre esse episódio.
EM – Acha que existe uma certa “diplomacia” paralela, argumento usado pelo PSD, protagonizada pelos deputados do PS-M na Assembleia da República a qual faz mais ruído do que garante eficácia de decisões?
RG – Eu não chamaria diplomacia, mas antes interceção ou apropriação de informação – grande parte dela depois de termos feito todo o trabalho prévio, tanto ao nível técnico como político –, que depois é utilizada pelos deputados do PS-M para passar a mensagem de que estão na linha da frente da defesa dos interesses da Região junto da República.
Mas quando avaliamos a eficácia dessas ações, que é praticamente nula, confirmamos que na maior parte das vezes não existe um trabalho consistente por detrás desses anúncios. Veja-se a questão da redução da taxa de juro do empréstimo do Estado à Região, defendida e apregoada vezes sem conta pelos deputados do PS-M – mas também pelo PCP e pelo BE – e que até hoje continua por resolver. Isto para não falar no Novo Hospital, que nem merece mais comentários…
A RAM tem capacidade de aproveitar todos os fundos europeus que terá ao seu dispor até 2020? Ou precisará de financiar-se?
RG – A Região tem conseguido, ao longo dos últimos 30 anos, o aproveitamento integral das verbas comunitárias disponibilizadas nos sucessivos Quadros Comunitários de Apoio, e este quadro não será exceção.
Refira-se que, a exemplo dos períodos de programação anteriores, a Região terá ao seu dispor, até 2020, vários mecanismos providenciados pelas entidades nacionais e comunitárias que visam facilitar a implementação dos projetos cofinanciados, sendo o financiamento, nomeadamente através do BEI, uma opção que poderá ser utilizada, caso se justifique. Mas neste momento não perspetivamos que seja necessário recorrer a empréstimos para assegurar o integral aproveitamento dos fundos comunitários.
EM – Foi anunciado que o OR-2017 coloca os madeirenses a pagar menos IRS a partir do próximo ano. Fala-se de mais de 6,5 milhões de euros para as famílias madeirenses, dos quais mais de 80% cerca de 5,4 milhões de euros – beneficiarão os agregados familiares que estão nos dois primeiros escalões. Confirma?
RG – Confirmo. Pelo segundo ano consecutivo, o Governo Regional voltou a avançar com o desagravamento fiscal através da redução da taxa de IRS, no cumprimento da promessa assumida de devolução do rendimento às famílias. A alteração consta do Orçamento Regional para 2017 e representa uma poupança de 6,5 milhões de euros para as famílias. Esse desagravamento reflete a redução no primeiro escalão de rendimentos, mas terá influência em todos os escalões de rendimento, por força da progressividade do imposto, favorecendo assim todos os contribuintes da Região.
Na Madeira, a redução de 7,5% no primeiro escalão de rendimentos relativamente às tabelas do ano anterior, atualiza a taxa aplicável para este ano em 12,4%, o que significa uma redução de 14,4% face à taxa aplicada no Continente.
Por exemplo, todos os trabalhadores dependentes solteiros cujo rendimento bruto anual seja de 14 mil euros pagarão menos 103 euros de IRS. No caso dos trabalhadores dependentes casados sem filhos, a poupança para quem usufrua de rendimentos anuais brutos de 28 mil euros, será de 208 euros. Da mesma forma, os trabalhadores dependentes casados, com rendimentos brutos de 28 mil euros anuais pagarão, caso tenham um filho, menos 195 euros, e caso tenham dois filhos, menos 182 euros de IRS. No caso dos pensionistas com rendimentos de 14 mil euros, essa redução será de 159 euros. São reduções de impostos que têm expressão.
EM – Há um mito que precisa também de ser desvendado: quantas famílias madeirenses pagam impostos e qual a percentagem que esse valor representa em relação ao total das famílias?
RG – O que posso adiantar é que com base nos dados do IRS de 2015 – pois como compreenderá, a esta data ainda não temos dados finais de 2016 –, foi apurado um total de 116.349 contribuintes com obrigações declarativas.
Não nos é possível tipificar os contribuintes que efetivamente ficaram totalmente fora da obrigação declarativa, em face do tipo, estado civil e diversidade de rendimentos para efeitos de englobamento.
EM – EM – Quantos madeirenses não pagam de facto impostos por não terem rendimentos suficientes para serem abrangidos pela tributação em vigor?
RG – Em 2015 foram 21.854 os agregados familiares que não apresentaram declarações por força da alteração da dispensa de entrega, representando uma
EM – O tempo das grandes obras públicas na RAM -salvo as obras ainda realizadas no âmbito da Lei de Meios -já passou? Tem a noção que isso representou muitas empresas do sector encerradas e milhares de pessoas atiradas para o desemprego, muitas delas com níveis de escolaridade baixos?
RG – Falta ainda uma grande obra, que é o novo Hospital da Madeira. E depois temos também as obras da Lei de Meios e as obras que foram suspensas, onde foram já investidos largos milhões de euros, e que têm de ser acabadas para que esse dinheiro já gasto não seja desperdiçado.
À parte disso, estamos a apostar nas pequenas obras, que acabam por ser aquelas que, e ao contrário do que possa parecer, mais mão-de-obra emprega e mais ajuda a resolver o problema do desemprego, sobretudo dessas pessoas com níveis de escolaridade mais baixo e que dificilmente encontrarão trabalho a não ser no sector da construção ou no sector primário. É uma questão muito sensível para a qual estamos muito atentos e focados em encontrar soluções.
EM – O facto do Governo Regional ter decidido repor aos funcionários públicos o chamado subsídio de insularidade poderá suscitar um debate em torno da velha questão da conflitualidade entre funcionários públicos e os restantes trabalhadores?
RG – Foi uma questão que o CDS trouxe à liça quando da discussão do Orçamento para 2017, mas que não faz qualquer sentido. Aliás, até acho que o CDS levantou essa questão porque em questões de substância não encontrou argumentos para discordar das opções do Governo.
Quanto à questão em si, no caso do subsídio de insularidade estamos a repor um direito que foi subtraído em 2012 no âmbito do Programa de Ajustamento. Mas ao mesmo tempo estamos a reduzir, pelo segundo ano consecutivo, a taxa de IRS, que abrange todos os Madeirenses e Portossantentes.
São medidas complementares, que não deixam ninguém de fora.
EM – Acompanhou certamente o que se passou com a banca, particularmente os processos relacionados com o BANIF e o ex-BES. Que opinião tem sobre tudo o que se passou?
RG – É algo que nunca deveria ter acontecido, para o qual ainda não consegui encontrar uma explicação racional. Foi demasiado mau e minou totalmente a confiança no sistema bancário.
EM – O Governo Regional foi previamente ouvido nestes dois processos, BANIF e BES?
RG – Quanto ao BES não posso falar porque o resgate ocorreu em 2014. No que se refere ao BANIF procurámos, com a informação que tínhamos disponível, alertar as entidades envolvidas no processo para a importância do banco para Região e para a necessidade de defender os interesses dos clientes e dos trabalhadores. Temos vindo a reafirmar estes princípios, que são muito sensíveis para o Governo.
EM – Acha que o sector financeiro nacional está devidamente protegido ou continua vulnerável a uma crise semelhante à de 2008 que alguns especialistas dizem estar no horizonte?
RG – É uma pergunta difícil de responder, mas quero acreditar que tudo o que passou com a banca nacional, com custos altíssimos, serviu para hoje estarmos melhor preparados para eventuais tempos de turbulência que possam um dia chegar. Quero acreditar nisso, com também quero acreditar que as instituições comunitárias vão passar a olhar de forma diferente – com menos sobranceria – para os problemas que afetam os países periféricos. O processo de capitalização da CGD é um bom prenúncio.
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