O acordo assinado entre o Fundo de Resolução e o Lone Star para vender o Novo Banco pressupõe uma cláusula de “tag-along” que dá uma opção à entidade pública de vender a sua participação nas mesmas condições da Lone Star, quando esta vender a sua participação.
O ministério das Finanças confirmou a existência dessa opção ao Jornal Económico, bem como esclareceu que a participação de 25% do Fundo de Resolução corresponde a uma igual percentagem do valor económico do Novo Banco.
“Numa situação de venda futura do Novo Banco, o Fundo de Resolução irá receber 25% do valor. O mesmo acontece com qualquer valor que seja distribuído aos acionistas, como sejam dividendos”, disse Mário Centeno.
Mas nos primeiros oito anos (e não cinco como disse o primeiro-ministro na conferência de imprensa) o Novo Banco não pode distribuir dividendos. Os oito anos do mecanismo de responsabilidade contingente são os mesmos oito anos de retenção dos dividendos do Novo Banco.
A Lone Star está fixa ao Novo Banco pelo menos durante três anos, mas o Fundo de Resolução pode sair quando quiser, disse o primeiro-ministro. No entanto toda a operação está feita para que o Fundo só venda quando o Lone Star vender. Repare-se: Há uma questão em aberto, se o Fundo de Resolução por hipótese sair antes dos oito anos definidos para estar em vigor o mecanismo de recapitalização contingente (de recapitalização até 3,89 mil milhões de euros) quem é que se compromete com as condições desse mecanismo? O comprador dessa posição? É uma questão que em teoria se pode pôr e é mais um dos motivos para pensar que tudo está montado para que o Fundo de Resolução e o Lone Star fiquem juntos no Novo Banco pelo menos durante oito anos.
Dúvidas por esclarecer
O acordo é complexo e ainda não foi suficientemente explicado. Sabe-se que o Lone Star fica com 75% do Novo Banco e o Fundo de Resolução com 25%, mas não se sabe como é processada a compra. O Banco de Portugal diz que nos termos do acordo, a Lone Star irá realizar injeções de capital no Novo Banco no montante total de 1.000 milhões de euros, dos quais 750 milhões de euros no momento da conclusão da operação e 250 milhões de euros no prazo de até 3 anos. Como é injectado o montante inicial, com um aumento de capital? A compra ao Fundo de Resolução é feita por zero?
Sabe-se que estas ações do Fundo de Resolução não dão direito a lugares no Conselho de Administração sejam executivos ou não-executivos, nem direito de voto. Mas numa futura venda estas ações retomam todos os direitos (ao comprador ou compradores). Portanto estas limitações não são para sempre.
As condições acordadas incluem a existência do tal mecanismo de capitalização contingente, nos termos do qual o Fundo de Resolução, enquanto acionista, se compromete a realizar injeções de capital no caso de se materializarem certas condições cumulativas, relacionadas com o desempenho de um conjunto delimitado de ativos do Novo Banco e com a evolução dos níveis de capitalização do banco.
O mecanismo de responsabilidade contingente tem o referido prazo de 8 anos. Portanto o limite estipulado de 3,89 mil milhões de euros é o valor que pode ser usado para repor rácios de capital nos primeiros oito anos e até àquele limite.
Na conferência de imprensa de sexta-feira, em Belém, na residência oficial do primeiro-ministro, António Costa, que se fez acompanhar do ministro das Finanças, Mário Centeno, disse que com os aumentos de capital (aparentemente são dois, um agora de 750 milhões e outro de 250 milhões de euros no prazo de três anos) o rácio de capital core CET1 fica em 15%, mas que se esse rácio core descer abaixo dos 12,5% (CET1+T1 de 13,25%) o Fundo de Resolução tem de pôr o capital suficiente até repor os rácios. Como faz isso? Com um empréstimo do Estado.
600 milhões separam o Novo Banco do mecanismo de capitalização contingente
“Com a recapitalização o rácio ficará acima de 15%, haverá mais de 600 milhões de euros de distância [do trigger que chama o Fundo de Resolução a capitalizar o banco]”, explicou António Costa. “Para que haja essa necessidade era preciso que houvesse uma sucessão de eventos de crédito que obrigasse à reposição do rácio de capital”, detalhou.
Portanto antes de ser chamado o mecanismo, em caso de descapitalização as injeções de capital são feitas pela almofada de capital que entretanto será criada. Isso mesmo diz o Banco de Portugal: “As eventuais injeções de capital a realizar nos termos deste mecanismo contingente beneficiam de uma almofada de capital resultante da injeção de capital a realizar nos termos da operação e estão sujeitas a um limite máximo absoluto (os tais 3,89 mil milhões)”.
Uma dessas almofadas foi imposta por Bruxelas e é aquela que decide se a venda do Novo Banco se faz ou não. Uma emissão de obrigações (eventualmente perpétuas) que servirá para uma troca voluntária de obrigações seniores. Isto alivia o Novo Banco porque uma grande parte das emissões de obrigações estão a vencer e por isso alongar as maturidades alivia a pressão sobre a liquidez do banco, soube o Jornal Económico. Essa conversão é condição de venda do Novo Banco. Logo aí reside o maior risco.
Pois não sabemos se essa emissão, de no mínimo 500 milhões de euros, vai ser aceite pelos obrigacionistas na respectiva Assembleia que terá de ser convocada. Sabe-se apenas que se ela não for aprovada o banco não pode ser vendido ao Lone Star e assim poderá ir para liquidação, e nesse cenário não se salvam essas obrigações. Logo o carácter voluntário da troca é relativo.
Também não sabemos ao certo como é que essa emissão vai impactar no capital do banco. Sabe-se apenas que não são obrigações AT1 (iguais às da CGD) e que o montante mínimo é de 500 milhões.
Venda do Novo Banco ainda não está garantida
O Banco de Portugal disse que a conclusão da operação de venda encontra-se dependente da obtenção das usuais autorizações regulatórias (incluindo por parte do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia) e ainda da realização de um exercício de gestão de passivos, sujeito a adesão dos obrigacionistas, que irá abranger as obrigações não subordinadas do Novo Banco e que, através da oferta de novas obrigações, permita gerar pelo menos 500 milhões de euros de fundos próprios elegíveis para o cômputo do rácio CET1.
António Costa, por sua vez, garantiu que “o necessário reforço de capital é integralmente assegurado pelo investidor privado e eventuais responsabilidades futuras não recairão sobre os contribuintes mas sobre os bancos que asseguram o capital do Fundo de Resolução”, através das suas contribuições ordinárias para este mecanismo. Se precisarem de capital podem pedir um empréstimo ao Estado.
Recorde-se que o Fundo de Resolução é uma entidade pública, detida pelos bancos, e criada para prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução adotadas pelo Banco de Portugal. Os contribuintes do Fundo de Resolução são portanto os bancos e o Estado é o financiador do fundo ao emprestar o dinheiro ao Fundo, que os bancos têm depois de pagar nas condições estabelecidas pelo Banco de Portugal que é a autoridade de resolução nacional.
Eventual empréstimo do Fundo de Resolução começa a ser pago quando?
No entanto, no último comunicado que estendeu a maturidade do empréstimo do Estado ao Fundo de Resolução é dito uma coisa curiosa: “O Fundo de Resolução fica obrigado a não proceder a pagamentos de capital e/ou juros de quaisquer outros empréstimos contraídos em momento posterior a 31 de dezembro de 2016 para o financiamento de possíveis obrigações decorrentes da materialização de contingências relacionadas com a aplicação das medidas de resolução, até que tenham sido pagos todos os montantes devidos a o abrigo dos presentes Contratos de Empréstimo celebrados com o Estado e com os bancos para o financiamento das medidas de resolução”, diz o documento. Portanto esse teórico novo empréstimo só deverá poder começar a ser pago depois de 2046. Essa é uma das perguntas ainda sem resposta.
O Fundo de Resolução terá de autorizar a venda de ativos que estão hoje no side bank e vai ser criado um mecanismo para fazer esta gestão durante oito anos. Ou seja, para mitigar os riscos associados à transação dos ativos (créditos, imobiliários, participações em fundos de reestruturação, participações financeiras, entre outros), está pensada a criação de uma estrutura, um comité que terá acesso a informação relevante sobre certos ativos. Para assegurar um alinhamento de interesses entre o Fundo de Resolução e o Lone Star. Essa estrutura pressupõe, que um conjunto de ativos, que na prática ficam protegidos por um mecanismo de capital contingente, e por um alinhamento de incentivos e de monitorização da venda. Ora fontes ligadas ao processo dizem que há um senão: Se durante cinco anos não tiver sido vendido 75% dos ativos que hoje estão no side bank e que passarão para o mecanismo de capitalização contingente, o Novo Banco, sob comando do Lone Star, toma conta deles e decide, sem necessidade de autorização do Fundo de Resolução, o que fazer a esses ativos.
Ontem António Costa disse que “eventuais responsabilidades futuras estão substancialmente garantidas pelo conjunto de ativos confiados à gestão do fundo de resolução”.
Recapitulando: a primeira absorção de perdas é da Lone Star: Respondem primeiro os 750 milhões, depois os 500 milhões de Obrigações, depois os 250 milhões de euros do aumento de capital e só depois entra o Fundo de Resolução com o capital de até 3,89 mil milhões.
Sobre a troca de obrigações seniores, o ministro das Finanças não desenvolveu, mas o Jornal Económico sabe que se trata de um alargamento do prazo (podendo no limite serem obrigações perpétuas com uma call que permita aos investidores saírem antes) e uma diminuição de juros de modo a que o capital melhore pela via da redução do passivo.
António Costa disse também que não serão exigidas aos bancos quaisquer contribuições extraordinárias para o Fundo de Resolução e que este ainda beneficiará da futura alienação de capital (25%) que continuará a deter. Ficou por esclarecer se no aumento de capital daqui a três anos, o Fundo dilui a sua participação ao não acompanhar o aumento de capital do Novo Banco.
Este acordo configura a única solução para vender o banco de transição que resultou da Resolução do BES, porque se não resultar a alternativa é a liquidação. Sobre o cenário de nacionalização que a esquerda defende, o primeiro-ministro explicou que a nacionalização é ajuda de Estado e como tal é exigido um aumento de capital com base nas necessidades efectivas, mas também com base nas necessidades potenciais (para o futuro) e revelou que estas oscilariam entre os 4 mil milhões e os 4,7 mil milhões de euros. Este seria o aumento de capital exigido pela Concorrência europeia num cenário de nacionalização do Novo Banco. Daí decorre que no futuro o Novo Banco poderá ter de fazer aumentos de capital de até 4,7 mil milhões de euros.
No cenário de nacionalização esse é o custo só à cabeça porque as perdas, que neste acordo estão limitadas 3,89 mil milhões e são imputadas (em caso de o rácio de capital CET1 ficar abaixo dos 12,5%) ao Fundo de Resolução, em caso de nacionalização seriam ilimitadas e imputadas ao Estado.
O primeiro-ministro garantiu que “não existirá impacto direto ou indireto nas contas públicas, nem novos encargos para os contribuintes” com os termos do acordo entre o Banco de Portugal e a gestora de fundos norte-americana Lone Star.
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