O Movimento Cultural da Terra de Miranda (MCTM) acusa o ministro do Ambiente de estar “a condicionar” a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), depois de Matos Fernandes ter insistido recentemente que o negócio da venda de seis barragens da bacia do Douro, pela EDP, não está sujeito ao pagamento do IMT nem do IMI. Para o MCTM as recentes declarações do governante, reiterando que negócio não dá lugar a pagamento destes impostos são “uma ameaça à independência da AT e uma intromissão inadmissível na sua ação de investigação”.
“Está nitidamente a querer condicionar o trabalho da AT – a única entidade que pode avaliar se há, ou não, lugar ao pagamento de imposto – na investigação que o próprio Governo diz que vai fazer, ao negócio, porque quem tutela a AT é o Governo”, defendeu ao JE Aníbal Fernandes, membro do MCTM, um movimento cívico que surgiu para defender os interesses do Planalto Mirandês e da região transmontana e que tem defendido que o negócio da venda de seis barragens (Miranda, Picote, Bemposta, Foz Tua, Baixo Sabor e Feiticeiro) ao consócio francês Engie lesou os cofres do Estado em centenas de milhões de euros pela não cobrança de impostos como o do IMI, IMT e do Selo, estimando só neste caso uma “borla fiscal” de 110 milhões de euros correspondendo a 5% dos 2,2 mil milhões do negócio, que não foram entregues às regiões abrangidas pelas barragens na bacia hidrográfica do Douro.
Em causa estão declarações à TSF do ministro do Ambiente e da Ação Climática que, no final da semana passada, acusou o PSD de ter mentido aos transmontanos na polémica da venda de seis barragens na bacia do Douro, depois de ter sido conhecida uma queixa dos social-democratas à Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o negócio, mas na resposta o governante fala num “ato de desespero” do partido que, “muito provavelmente, só agora percebeu ter mentido aos transmontanos” ao ter prometido receitas de IMT e de IMI às populações.
“Logo ao dizerem que era preciso pagar IMI e IMT sabiam que não havia nenhum pagamento pois as barragens são bens públicos. Se isso acontecesse, o Estado estava a oferecer a um operador privado as barragens e pelos vistos é essa a vontade do PSD. Eles sabem perfeitamente que mentiram”, garantiu novamente o ministro, depois de no Parlamento, em fevereiro, ter voltado também a argumentar que “sendo uma operação entre privados, o Estado apenas verifica os requisitos mencionados” e que as entidades públicas “não tinham, por isso, o direito de reclamar qualquer contrapartida”. Na altura, foi ainda reiterado que “aquelas barragens nunca tiveram incidência de IMI, porque são de utilidade pública, não se qualificando como prédios, numa transmissão não são objeto de IMT”.
Sobre o imposto de selo, aos microfones da TSF Matos Fernandes sinalizou na semana passada que a decisão caberá apenas à AT e não ao Governo.
Para o MCTM estas declarações são “uma ameaça à independência da AT e uma intromissão inadmissível na sua ação de investigação”. Não existe motivo para que um ministro do Ambiente venha dizer que não há lugar a pagamento de impostos. A única autoridade competente para dizê-lo é a AT. O único motivo para estas declarações é uma tentativa de condicionamento. Não vemos outra explicação”, prossegue Aníbal Fernandes.
As sucessivas declarações do governante sobre as questões fiscais em torno do negócio de venda das barragens leva agora o MCTM a questionar: “a nossa interrogação é porque não se cala e continua perorar sobre o não pagamento de impostos quando não é da sua competência”, prossegue Aníbal Fernandes, acrescentando que “já houve autoridades competentes na matéria como um ex-subdiretor da AT que se vieram pronunciar publicamente que os impostos são para pagar. Para o Movimento, as declarações do ministro do Ambiente são “ainda mais estranhas porque ele próprio afirmou na Assembleia da República não conhecer os contratos de alienação da exploração das barragens”.
“Achamos todo este processo de atuação do ministro do Ambiente muito estranho desde o primeiro dia. Recebeu-nos em setembro do ano passado, e disse-nos que trataria o assunto das pedreiras e dos impactos ambientais e para nossa desilusão acabou por não fazer rigorosamente nada”, acrescenta o membro do MCTM, adiantando ainda que “nessa altura foi apresentado um documento do Movimento onde se alertava por escrito para a possibilidade muito forte de haver um planeamento fiscal abusivo que levaria ao não pagamento de impostos”.
“Estamos profundamente convictos que não enviou essa carta ao Ministério das Finanças”, realça Aníbal Fernandes, reiterando que o Movimento considera que foram utilizados esquemas de planeamento fiscal abusivo que conduziram ao não pagamento do imposto. Este responsável já presidiu o consórcio Eneop – Eólicas de Portugal – onde fez parte a EDP – que consolidou-se ao longo da última década como o mais ambicioso projeto de energia eólica do país. E constata: “este planeamento fiscal abusivo não era timbre da EDP. Participei no consórcio Eneop e na altura consignou-se na legislação que 2,5% das receitas dos parques eólicos fossem consignados às autarquias”.
Para Aníbal Fernandes “há um contraste notório da atuação da EDP que não acautelou a reparação dos danos ambientais” no negócio de vendas das barragens, apontando ainda que “não colhe” o argumento de empresa em reestruturação para a isenção de impostos. “A EDP, que saibamos não está em dificuldades económicas, e criou uma empresa na véspera do contrato com um único trabalhador, não havendo reestruturação não há isenção de impostos”, defende.
Ex-dirigente da AT defende pagamento de impostos
O MCTM realça que vários especialistas da área fiscal, em especial o ex-subdiretor da AT, Manuel Cecílio, responsável máximo pelo IMT, pelo Imposto do Selo e também pela investigação da Fraude, “já vieram a público declarar, sem quaisquer margens para dúvidas, que as barragens estão sujeitas ao IMI e a sua transmissão ao IMT e ao Imposto do Selo, bem como do IRC e de emolumentos”.
Ex-responsável da Autoridade Tributária contesta “borla fiscal” no negócio das barragens da EDP. Num artigo de opinião publicado no Eco, Manuel Cecílio pergunta: “O leitor conhece alguma empresa que tenha em curso um negócio complexo e beneficie do privilégio de uma declaração de dois membros do Governo, asseverando que não são devidos impostos?”
Manuel Cecílio refere-se ao ministro do Ambiente e da Ação Climática, João Pedro Matos Fernandes, e ao secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF), António Mendonça Mendes, que por duas vezes declararam que as barragens do Douro Internacional não estão sujeitas ao IMI nem ao IMT, defendendo que são “bens de domínio público”. Mendonça Mendes disse ainda que são “bens de interesse público”.
O antigo dirigente da administração fiscal considera, no entanto, que ambos os impostos são devidos, apontando que os edifícios e construções das barragens estão “construídos em bens de domínio público”, mas são “bens privados” e, como tal “estavam inscritos no balanço da EDP até 17/12/2020, data em que foram vendidos, estando agora no balanço da sociedade adquirente”. E ainda que os terrenos e as águas do rio são públicos, assim como “o licenciamento do direito à utilização desses imóveis para a produção hidroelétrica”, mas os bens concessionados são bens privados, que o seu titular, no caso a EDP, “só os pode utilizar mediante um licenciamento e uma concessão”.
Manuel Cecílio afirma ainda que “não é a classificação de um bem privado como sendo de interesse público que impede a sujeição ao imposto”, mas sim a sua passagem ao domínio público, quando terminar a concessão, contestando a afirmação do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. “Até lá, sendo bens privados, que estão no ativo de empresas privadas, são prédios sujeitos ao IMI”, sublinha e acrescenta que “é também devido IMT pelas transmissões desses imóveis”, “por ambas as transmissões”.
O antigo subdirector geral da AT nota ainda que não é usual, nem normal “um governante excluir a aplicação da lei fiscal num contrato entre privados”, refere que é à Autoridade Tributária e Aduaneira que compete verificar se os impostos são devidos ou não, pelo que “teria sido prudente estes membros do Governo manterem prudente silêncio”. Por fim, refere que o ministro do Ambiente afirmou no parlamento que não conhecia os contratos de transmissão das concessões das barragens e pergunta: “Se não conhecia, como é que sabe que não devem pagar impostos, nem IMI nem IMT?”.
Em 25 de fevereiro, o presidente executivo da EDP afirmou que a operação de venda de seis barragens no Douro ao consórcio liderado pela Engie foi “uma operação normal”, garantindo que foram “escrupulosamente” cumpridas “todas as leis” e pagos “os impostos devidos”
O MCTM estima que a “borla” fiscal à EDP ronda os 300 milhões de euros. Entre as receitas do fundo local estará ainda, segundo este movimento, uma participação dos municípios nas receitas do IVA e do IRC, o valor correspondente ao IMI que incidiria sobre os prédios que compõem as barragens e as construções anexas à sua exploração.
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