[weglot_switcher]

Retalhos do Tempo: Dublin é tudo menos banal

Numa entrevista recente de Filipa Melo, publicada em outubro de 2016 na Revista Ler, John Banville afirmava ser “um romântico do século XIX com as feridas por sarar. Para mim, as mulheres são o suprassumo da beleza e de tudo o que há de mais precioso e doce na vida. Vivi toda a minha vida apaixonado pelas mulheres. Vejo uma velhinha na fila do supermercado à procura do troco na sua carteirinha e apaixono-me por ela”.
11 Agosto 2017, 11h40

Se o escritor irlandês estava a ser sincero e se considerarmos que há cidades com um carácter fortemente feminino, então Dublin deve ser uma das mulheres por quem a sua paixão se tem mantido por mais tempo. Aliás, o seu livro “Retalhos do Tempo. Um Memorial de Dublin”, agora lançado em português pela Relógio d’Água, começa com uma declaração que os homens aplicam a algumas mulheres: “Dublin nunca foi verdadeiramente minha, o que a tornou ainda mais sedutora.”

John Banville, que por vezes adota o pseudónimo de Benjamin Black para assinar alguns dos seus livros, nasceu a 8 de dezembro de 1945. Nos anos 1950, quando era criança, vivendo em Wexford – uma cidade a cerca de 150 quilómetros a sul de Dublin, num condado famoso pelos seus castelos medievais –, a prenda de aniversário da mãe de Banville era levá-lo de comboio a Dublin. Numa época em que as distâncias demoravam bastante mais tempo a percorrer do que hoje, o isolamento de pequenas comunidades irlandesas mais ou menos rurais era enorme, e uma viagem à capital era uma verdadeira aventura e o melhor presente que um miúdo poderia desejar: “Dublin, é claro, era tudo menos banal. Dublin era para mim o que Moscovo era para Irina em ‘Três Irmãs’, de Tchékhov, um lugar mágico, uma terra prometida, objeto dos anseios constantes da minha jovem alma sedenta.”

Num relato que vai intercalando épocas, desvelando pequenas histórias, quer da cidade quer pessoais, as principais personagens são os edifícios históricos, ruas, pubs, igrejas, figuras mais ou menos excêntricas, os primeiros passos de um jovem adulto na sua formação pessoal e artística, parques, o ‘Ulisses’ de James Joyce, a cerveja Guinness e, naturalmente, o rio Liffey. Neste livro, que é, sobretudo, uma intensa evocação da infância e da memória, ilustrado por belíssimas imagens assinadas por Paul Joyce, um dos nomes de referência da fotografia e do cinema irlandeses nos anos 1980, a paixão pela cidade torna-se contagiante e sentimo-nos a acompanhar o autor nos seus percursos, tanto os que o levam pelas artérias de Dublin, quer os da memória.

A sugestão de leitura desta semana da livraria Palavra de Viajante

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.