A Comissão de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução (CPI) inquire nesta terça-feira Vítor Bento, que foi presidente executivo do Banco Espírito Santo e do Novo Banco entre julho e setembro de 2014.
À semelhança do que aconteceu com o seu, então, administrador financeiro, João Moreira Rato, Vítor Bento será confrontado com o plano de recapitalizar gradualmente o banco com investidores privados, ao longo de dois anos.
O Conselho de Administração do Novo Banco, liderado por Vítor Bento, a 14 de agosto de 2014 expressou a sua opinião que a dotação inicial de capital do Novo Banco (de 4,9 mil milhões de euros) se afigurava insuficiente e procurou evidenciar isso junto do Banco de Portugal.
O “Jornal de Negócios” noticiou nesta segunda-feira, citando documentos internos de trabalho do Novo Banco, que o capital inicial que foi injetado na instituição financeira que saiu da resolução do BES permitiu que cumprisse os requisitos mínimos exigidos para o rácio de capital total, na altura de 8%. O banco apresentou, então, um rácio de 10,28% (phased-in). No entanto, este rácio recuaria para 5,85% numa base fully implemented (assumindo a plena implementação do quadro CRD IV-CRR / Basel III).
Ainda segundo o Negócios, já então, tendo em conta as exigências regulatórias em vigor em 2017 – com o mínimo a fixar-se nos 13,25% –, o Novo Banco precisaria de mais 3,6 mil milhões de euros para cumprir os requisitos exigidos, mostram os dados.
Assim, a instituição financeira agora liderada por António Ramalho teria necessitado de uma injeção inicial de 8,5 mil milhões de euros para que pudesse estar até 2017 sem ser necessária uma nova capitalização.
Este tema deve estar na agenda do inquérito a Vítor Bento, mas não é o único. Os deputados vão questionar o ex-CEO do BES e Novo Banco sobre a reunião de 30 de julho de 2014, com a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, que terá esclarecido que a recapitalização pública do Novo Banco não era uma possibilidade.
João Moreira Rato confidenciou aos deputados que nessa altura estavam já totalmente focados na recapitalização privada do Novo Banco, e foi esse plano que levaram ao Banco de Portugal no dia 1 de agosto de 2014, altura em que foram surpreendidos com o anúncio do Governador de que iriam avançar com uma medida de resolução ao BES.
Tranquilidade. Primeira venda “ao desbarato”?
Mas o tema em que Vítor Bento está mais envolvido é no dossier venda da Tranquilidade, que os deputados apelidam de “primeira venda ao desbarato do grupo”.
A equipa de gestão liderada por Vítor Bento foi quem negociou com a Apollo a venda da companhia de seguros Tranquilidade. Os norte-americanos acabaram por pagar 40 milhões de euros a que acresce um aumento de capital de 150 milhões da companhia que tiveram de fazer para dotar a companhia de capital, uma vez que estava insolvente depois de ter investido no papel comercial das empresas do Grupo Espírito Santo, que nessa altura entraram em incumprimento.
Na audição da semana passada João Moreira Rato explicou aos deputados que o Novo Banco não tinha as ações da Tranquilidade, tinha sim um penhor sobre as ações, o banco era um credor pignoratício. Portanto a seguradora não estava no balanço do Novo Banco, o crédito é que estava no balanço do banco. Vendendo essas ações recuperava o crédito. Portanto a venda da Tranquilidade foi a execução de um penhor.
João Moreira Rato revelou ainda que era António Soares o advogado da Linklaters com quem lidava mais de perto, tendo sido esta sociedade de advogados contratada ainda antes da resolução para ajudar nos problemas jurídicos que iriam surgir naquele processo, problemas que viriam de “várias jurisdições”. Mas reconheceu o papel do outro advogado da Linklaters, Pedro Siza Vieira, no acordo de venda da Tranquilidade à Apollo.
Um dos temas por esclarecer é o valor do acordo Sales and Purchase Agreement (SPA) que inicialmente previa pagar 25 milhões de euros pelo capital, mais 19 milhões com ações da ESAF e 6 milhões de ações da ES Contact, o valor final implicaria ajustar mais tarde quando se desse a venda, era sujeita a ajustamentos futuros.
Os deputados, na audição ao ex-CFO do Novo Banco insistiram muito na proposta da Liberty, não vinculativa, que era superior à da Apollo.
Outro tema relacionado com a Tranquilidade é a avaliação que foi feita previamente pela Duff & Phelps. Era uma pré-condição do SPA de venda da Tranquilidade haver uma fairness opinion em relação ao valor da seguradora. Essa foi pedida a uma empresa norte-americana, a Duff & Phelps.
Na mesma ocasião, os deputados Miguel Matos (PS) e Hugo Carneiro (PSD) disseram na última audição que a empresa que avaliou a Tranquilidade, a Duff & Phelps, tinha trabalhado com a Apollo, que acabou por comprar a seguradora.
Pedido do PSD
O PSD pediu esta segunda-feira acesso aos relatórios de avaliação das contas da seguradora Tranquilidade antes da sua venda à Apollo, acordada em 2014, no âmbito da comissão de inquérito sobre as perdas no Novo Banco.
O grupo parlamentar do PSD quer ter acesso aos relatórios de avaliação das contas da seguradora Tranquilidade antes da sua venda à Apollo, acordada em 2014. O pedido foi feito esta segunda-feira no âmbito da comissão de inquérito sobre as perdas no Novo Banco.
Segundo o requerimento a que a Lusa teve acesso, os sociais-democratas entendem que “no seguimento da inquirição de João Moreira Rato ficou claro que a venda da Tranquilidade constitui uma primeira grande questão na venda de ativos aparentemente abaixo do seu valor real”.
Assim, depois de ter sido ouvido o antigo administrador financeiro do BES e Novo Banco, o PSD requer “ao Banco de Portugal o relatório do ETRICC 2 [análise aos grandes devedores à banca] que se refere à avaliação da Tranquilidade em 2014”.
O partido liderado por Rui Rio pede ainda acesso à Tranquilidade das “projeções económicas da companhia elaboradas em 2014 no momento prévio à venda da empresa à Apollo e, ainda, cópia dos Relatórios e Contas de 2014 a 2019”.
No requerimento, o PSD lembra que na audição a João Moreira Rato foi dito que a avaliação realizada pelo BESI [BES Investimento] no âmbito do ETRICC 2 “estaria provavelmente desajustada face aos múltiplos de mercado”.
“Este é um aspeto muito relevante para se perceber qual era o ponto de partida na avaliação da empresa, para depois se comparar com a venda à Apollo e melhor perceber a evidente mais-valia que o investidor privado conseguiu ganhar em poucos anos”, entendem os sociais-democratas.
O Novo Banco não era proprietário da companhia, mas detentor de um penhor da Partran em garantia de um crédito da Espírito Santo Financial Group (ESFG), perante cujo incumprimento “foi possível ao Novo Banco promover à venda da empresa à Apollo, conseguindo ressarcir-se em parte do crédito dado à ESFG”, lembra o PSD.
O partido refere também que a venda “ocorreu num contexto de forte pressão do então Instituto de Seguros de Portugal, que não deixou grande margem de manobra à administração do Novo Banco, nem procurou encontrar outras soluções para a recapitalização da companhia”.
O PSD conjetura assim que no processo “existiam outros interesses a salvaguardar, como o dos credores da massa insolvente da Partran/GES”, cujo excedente ao ressarcimento da linha de crédito “deveria ser entregue à Partran”, segundo um esclarecimento da sociedade de advogados Linklaters, representante do banco, refere o requerimento.
“Quanto valia afinal a companhia Tranquilidade? Valia cerca de 700 milhões ou valia cerca de 225 milhões (considerando os 150 milhões da capitalização realizada pela Apollo e o montante de 25 milhões pagos em cash)?”, questionam os sociais-democratas.
O deputado do PCP Duarte Alves disse a 12 de março que a seguradora tinha sido avaliada em 2012 pela consultora PwC, em 839 milhões de euros, tendo sido vendida em 2014 por 40 milhões de euros à Apollo.
Passados quatro anos, o fundo que a comprou, a Apollo, vende a seguradora por 600 milhões de euros, à Generali.
A pressão para uma venda rápida levou a uma desvalorização deste ativo, defendem os deputados, mas João Moreira Rato defendeu a venda da Tranquilidade àquele valor dadas as circunstâncias da altura.
“A companhia não cumpria os rácios prudenciais, e o ISP [atual ASF] propôs como remédio a recapitalização da companhia e o ESFG (dona da Tranquilidade) não tinha capacidade para a recapitalizar, a solução era venda, o negócio estava a degradar-se e havia acordos de seguro e resseguro que seriam postos em causa em setembro. Daí que tivéssemos avançado com o processo, mas demos oportunidade à Liberty para avançar com uma proposta vinculativa, que nunca chegou”, disse João Moreira Rato.
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