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“Medo” e “escravatura” nos cruzeiros do Douro? PLP diz que sim e promete manifestação

A PLP-Plataforma Laboral e Popular denuncia casos de medo, precariedade e escravatura laborar nas empresas que operam cruzeiros no rio Douro. Para sábado está agendada uma manifestação dos cais de Gaia e do Porto.
8 Setembro 2017, 14h10

A polémica é levantada pela Plataforma Laboral e Popular (PLP), que denuncia vários casos de contratos temporários, com salários baixos e jornadas laborais de 60 horas semanais contínuas nas empresas que operam os cruzeiros no rio Douro.

Mas isso não é tudo. Citada pelo Público, a PLP aponta ainda o dedo às folgas que se acumulam sem serem gozadas, dormidas a bordo em espaços exíguos e sem privacidade e refeições feitas de restos.

A corroborar estas denúncias estão os relatos dos trabalhadores ao jornal, sempre sob o manto do anonimato, com medo de represálias. Mas no próximo sábado a plataforma criada em 2016 realizará duas manifestações, nos cais de Gaia (10h) e do Porto. O objetivo é conseguir uma “organização dos trabalhadores” para combater “a vergonha da precariedade”.

Gonçalo Gomes, porta-voz da PLP e ex-trabalhador de três empresas de passeios fluviais refere que a paz que reinou em quase três décadas de cruzeiros no Douro se deve a “um clima de medo” instalado, o que também diminui a adesão de trabalhadores às manifestações agendadas pela plataforma. Mas isso não diminui a sua vontade de trazer a público estes problemas nem a convicção de que, aos poucos, mais gente se juntará. “O meu caso é paradigmático. Queriam-me fora do rio e a verdade é que conseguiram. Mas calar-me não”, afirma ao Público.

“Todos exploradores”
São muitas as operadoras de cruzeiros no rio Douro: além da Douro Azul, do empresário Mário Ferreira, existem ainda outras, como a Tomaz Douro, a Douro Acima, a Manos do Douro, a Rota do Douro, a Três Séculos, a Cruise Europe, a Viking Cruise, a Barcadouro, a Feeldouro, num total de 61, segundo os dados da Administração dos Portos de Douro e Leixões (APDL). Operando um total de 143 embarcações, 20 delas navios-hotel, a APDL estima que, entre todas, sirvam este ano um total de um milhão de passageiros.

“Todos exploradores”, acusa Gonçalo Gomes, que diz ainda que a servir todas estas empresas estarão cerca de 500 trabalhadores: marinheiros, maquinistas, mestres, cozinheiros, ajudantes de cozinha, copeiros, empregados de mesa e bar, camaroteiros, auxiliares administrativos, vendedores de cruzeiros e assistentes de bordo, “Quase todos precários”, continua Gomes.

O Público contactou as empresas Tomaz do Douro e Douro Azul – segundo o jornal, duas das mais representativas nas travessias do Douro –, mas não conseguiu obter respostas prontas dos seus responsáveis. A única referência a estas denúncias surgiu na página de Facebook do empresário Mário Ferreira, afirmando que o noticiado são “práticas não existentes” e acusando o porta-voz da PLP de “ameaças e calúnias” a vários operadores turísticos do Douro.

A lista de reivindicações da PLP é longa e foi dada a conhecer em panfletos que por estes dias foram entregues nos do Porto e de Gaia. “Acabar com a precariedade laboral, substituindo os contratos de três e seis meses por vínculos efetivos, por fim aos ordenados miseráveis de salários mínimos e exigir que nenhum trabalhador receba menos do que 750 euros mensais, terminar as jornadas laborais de 60 horas sem direito a folgas.”

Além dos patrões, Gonçalo Gomes aponta o dedo aos partidos de esquerda, nomeadamente PCP e Bloco de Esquerda, certo de que este combate “deve ser encarado do ponto de vista da luta de classes”, afirma que os partidos em causa “dizem ser de esquerda mas não são revolucionários”.

Expectativas defraudadas
Já PLP, promete Gonçalo Gomes, irá “até ao fim”: “Se todo o legalismo não funcionar podemos até passar à clandestinidade.”, diz ao periódico. O extremismo do seu discurso assenta em nove anos de “exploração”, em três empresas que de diferente só têm o nome: “Estive sempre precário. Vi coisas que julguei impossíveis. O Douro é ouro para estas empresas, mas não para quem trabalha nelas.” Sempre com salários baixos e contratos de três ou seis meses, Gonçalo era mandado embora quando chegava o período em que teria obrigatoriamente de passar a efetivo. Mais tarde, chamavam-no outra vez.

Nos barcos por onde passou Gonçalo Gomes, os trabalhadores entravam ao serviço para fazer a preparação do pequeno-almoço e continuavam até depois do jantar. Faziam pequenas pausas, mas nem sempre, e a maior parte das empresas não registava os horários cumpridos. “Agora já fazem, mas é tudo forjado”, diz, acrescentando que os pagamentos de feriados e fins de semana “nunca foram feitos”.

Mais, as gorjetas eram “divididas de forma injusta” e o espaço para dormir consistia em “beliches colocados em espaços minúsculos, sem qualquer privacidade”: “Num dos barcos onde trabalhei nem sequer se conseguia estar de pé na zona onde se dormia.” As refeições eram feitas com restos dos buffets dos clientes. Para a PLP, “a escravatura laboral é clara e aberta”, sem que os sindicatos ajudem a resolver o problema: “Os sindicatos afetos à UGT e à CGTP fornecem as respostas do costume aos problemas de sempre”, lamenta a organização num dos panfletos que têm distribuído. Gonçalo Gomes não trava a língua: “Não tenho qualquer dúvida de que há conluios com o patronato.”

Luta laboral
Francisco Figueiredo, da Federação dos Sindicatos de Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal (FESAHT), pertencente à CGTP, explicou ao Público que a estas embarcações se aplica “o Contrato Coletivo de Trabalho da hotelaria e alojamento”. Mas reconhece que “muitas empresas não estão a aplicar, incluindo a Douro Azul, que assinou um Acordo Coletivo de Trabalho com outras organizações”. É essa a justificação da FESAHT para a dificuldade em organizar estes trabalhadores.

Nos barcos onde esteve Gonçalo Gomes, a estrutura sindical pertencia à Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores do Mar (FESMAR), afeta à UGT. O responsável da PLP afirma que a sindicalização é até incentivada, mas porque os sindicalistas “estão alinhados com os patrões”. A prova disso foi “o que se passou em 2016”, afirma, relembrando o ano da primeira luta laboral no Douro. Foram nove os trabalhadores da Tomaz Douro que se organizaram e pediram à FESMAR para convocar uma greve. No dia seguinte, conta, “os responsáveis declararam férias, sem deixar o assunto entregue a ninguém”. A reunião com um representante sindical aconteceria semanas depois, e não teria mais que 15 minutos. “Começou por nos dizer que só iam representar quem descontasse 1% do salário, quando há a possibilidade de descontar 0,75%. Uma discriminação.”

As autoridades também não conseguem detetar irregularidades. Gonçalo explica porquê: “De todas as vezes soube antecipadamente que eles iam visitar o barco”. “Se era a ASAE deitava-se a carne borda fora, se era a ACT havia que fazer outras diligências.” Revoltado porque “ninguém quer saber dos precários do Douro, o turismo dá jeito a muita gente”, Gonçalo Gomes acredita num possível boicote: “Acredito que se os turistas soubessem o que se passa a bordo dos barcos onde passeiam não seriam cúmplices disto.”

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