A classificação do sistema de governo depois da revisão de 1982 não é consensual e contempla uma situação que escapa às tipologias. Acontece quando o partido ou coligação que designa o primeiro-ministro tem maioria absoluta na Assembleia.
Nessa circunstância verifica-se um presidencialismo do primeiro-ministro. Uma modalidade importada do Estado Novo e que, depois do 25 de Abril, ocorreu durante as maiorias absolutas de Cavaco Silva, Sócrates e Passos Coelho.
Então o poder presidencial fica diminuído porque o governo pode contornar os vetos políticos de Belém. Assim sendo, o Presidente, se não aceitar ser uma figura decorativa, tem de definir uma agenda estratégica para mostrar ao país o seu desencanto preocupado. Algo que Mário Soares ilustrou na perfeição com as presidências abertas.
Quando tomou posse, Marcelo Rebelo de Sousa sabia de cor as competências que a Constituição lhe cometia e não ignorava que a solução governamental se baseava num apoio parlamentar quadripartido e não numa maioria absoluta de um partido ou coligação.
Conhecida a sua família partidária, houve quem julgasse que Marcelo tudo faria para dificultar a vida a António Costa. Porém, em nome da estabilidade e da solidariedade institucional, Marcelo e Costa têm vivido uma coabitação mais do que pacífica. Uma situação que não pode ser desligada da personalidade de Marcelo, embora a lógica institucional mande privilegiar a situação funcional em detrimento da personalização.
Marcelo adora protagonismo e está habituado ao respeito académico e ao sucesso que só não saboreou, exceto em lampejos, enquanto líder partidário. Como constitucionalista viu que a geringonça lhe permitia aquilo que denominei como Presimarcelismo. Uma política de proximidade próxima do dom da ubiquidade. Um Chefe de Estado mesmo que a Constituição omita essa designação.
Presidente pródigo nos elogios ao executivo enquanto, ao arrepio da veia docente, deu cobertura a algumas calinadas governativas. Por isso, Costa vê Marcelo como um seguro. Só que, ao contrário de outros veículos, a geringonça não pode contratar seguro contra todos os riscos. Algo que o governo omite e a oposição finge não perceber.
O primeiro de olho nas sondagens e na hipótese da maioria absoluta de que não convém falar. A segunda porque o líder demorou a acertar o relógio com a realidade.
Porém, a questão da duração e da cobertura do seguro foi captada pelo PCP, partido pouco habituado a passar cheques em branco destinados a pagar prémios de seguro com outros beneficiários, mais a mais com autárquicas à porta. Por isso a agitação social está de volta, apesar de a apólice Marselfie – uma selfie de Marcelo com um povo carente de afeto – estar em vigor.
Um seguro temporário e que não cobre os mesmos riscos para todos os signatários. A próxima prestação, ainda bonificada, vencerá a 1 de outubro.