[weglot_switcher]

José Honório “assustou-se” com dívida de 7,6 mil milhões do GES mas acreditou que o BES estava protegido pela linha da troika

Carlos Costa terá dito a José Honório, no momento em que o convidou para ser vice-presidente do BES em julho de 2014, que a linha da troika estava disponível caso houvesse problemas no banco. Mas acabou por não ser usada. José Honório separa o Carlos Costa “sério” e a posição enquanto líder da administração do Banco de Portugal.
24 Março 2021, 17h17

O ex-vice presidente do BES e ex-administrador do Novo Banco, José Honório, que fez parte da equipa de Vítor Bento entre julho e setembro de 2014, está esta quarta-feira na Comissão de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução.

A particularidade deste gestor é que foi convidado em 2014, antes de ter ido para a administração do BES a convite de Vítor Bento, por Ricardo Salgado e por José Manuel Espírito Santo para presidente executivo da Rioforte, não tendo aceite. José Honório tinha estado antes no grupo Semapa, de Pedro Queiroz Pereira, que foi um dos grandes denunciadores da situação do Grupo Espírito Santo (GES). Quando foi convidado por Ricardo Salgado, José Honório estava, na altura, nos CTT.

José Honório contou que a presidência executiva da Rioforte não era aceitável, dada a dimensão da exposição da Rioforte às empresas do grupo em dificuldades. A dívida da Rioforte e da ESI ascendia a 7,6 mil milhões de euros, o que equivalia a 4,5% do PIB.

Tendo descoberto uma dívida de 7,6 mil milhões de euros, assustou-se e achou que devia alertar para as consequências de uma implosão do grupo. Contou que se reuniu com o Governo de Pedro Passos Coelho, com o Banco de Portugal e o presidente da Comissão Europeia mas o problema já estava na posse do supervisor e do Governo.

José Honório terá dito que o problema do grupo só se resolvia com apoio público. Acabou por, em resposta ao deputado da Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, desvendar que houve reuniões para tentar avaliar da disponibilidade de dois bancos (o BCP e a CGD) para financiarem os compradores das empresas não financeiras do GES (vendor finance). O Governo recusou intervir num problema de um grupo privado.

As reuniões, eram pedidas por Ricardo Salgado, e foram individuais, houve um “roadshow”, disse o deputado socialista João Paulo Correia. As reuniões políticas foram com José Manuel Durão Barroso, Pedro Passos Coelho, Maria Luís Albuquerque, Carlos Moedas e Paulo Portas.

O ex-vice-presidente do Novo Banco (NB) referiu também, que “não podia sequer imaginar que o desmoronamento” do grupo e do BES “fosse indiferente às autoridades do país e da comissão europeia”.

João Cotrim Figueiredo perguntou a José Honório a que título estava nessas reuniões com o Governo e outras entidades, uma vez que não era do GES e não ia aceitar a presidência da Rioforte. “Estava a emprestar a sua credibilidade ao GES?”, perguntou o deputado da Iniciativa Liberal.

José Honório contou os factos que o levaram à presidência do BES em 14 de julho de 2014. Foi convidado por Vítor Bento, e falou com Carlos Costa que invocou o supremo interesse patriótico na função.

O ex-administrador do banco contou que perguntou a Carlos Costa pela situação do banco, e que o Governador lhe disse que havia um buffer de capital para absorver as perdas. Noutras audições foi já revelado que a almofada era de dois mil milhões de euros.

Precisou que lhe foi transmitido que o banco tinha um problema de exposição ao Grupo Espírito Santo (GES) “mas que o problema estava contido na almofada de capital” existente.

José Honório lembrou que questionou o Governador sobre qualquer facto superveniente que viesse a surgir, e Carlos Costa disse que nesse caso “estaria disponível a linha de recapitalização pública” (da troika). Acabou por não ser assim, já que o BES foi alvo de resolução. Mais tarde Carlos Costa disse a José Honório, sobre a recapitalização pública, que “isso é uma decisão política, não está na minha mão”.

José Honório separa o Carlos Costa, “pessoa séria e de palavra”, do Governador, porque nesta função “refletia a posição da administração do Banco de Portugal”.

O gestor contou ainda que, depois de falar com Carlos Costa, respondeu a Vítor Bento a dizer que aceitava ir para a administração do BES, em nome de uma “missão patriótica e do superior interesse nacional”.  “Mas olha que nos vamos arrepender”, disse José Honório a Vítor Bento.

Também condicionou a ida para o BES ao não envolvimento ou responsabilidade nas contas do semestre, o que foi aceite pelo Banco de Portugal.

Grande parte das perdas registadas no banco deveu-se à exposição ao BES Angola, tal como revelou Vítor Bento na audição anterior. “Fazia-me impressão que o tema da garantia angolana não estivesse a ser tratado entre Estados”, disse José Honório.

Tal como já tinha dito Vítor Bento, a garantia do Estado angolano não era para cobrir a linha de mercado monetário de exposição do BES ao BESA, mas sim para garantir os créditos do BESA, e que o Banco de Portugal estava a tentar, precisamente, era uma garantia que cobrisse a exposição do BES ao BESA.

O BES tinha umas linhas de crédito de mercado monetário ao BESA que eram à volta de 4,5 mil milhões de dólares. Essas não tinham qualquer garantia.

Na resolução a 3 de agosto de 2014, o BES Angola ficou no BES e abriu-se uma posição cambial por cobrir, o que foi uma situação complicada de resolver, explicou José Honório. Já antes, João Moreira Rato, ex-administrador financeiro, tinha explicado que desapareceu  um ativo de 4,5 mil milhões de dólares (a dívida do BESA ao BES), mas o passivo em dólares continuava a existir, “logo ficámos curtos de 4,5 mil milhões de dólares e se o dólar aprecia perdíamos dinheiro no balanço, e essa perda iria a resultados. Pelo que tínhamos que fazer a cobertura dessa posição cambial. Mas sendo o Novo Banco um banco que começou sem rating, sem contas de abertura, foi muito difícil descobrir contrapartes a resolver esse problema”.

João Moreira Rato tinha explicado que “era difícil descobrir instrumentos de mercado que nos permitissem proteger o balanço caso o dólar caísse. Esses instrumentos são comprados aos bancos de investimento internacionais, mas como o NB não tinha rating, não tinha balanço de abertura, tinha ainda riscos de litigância, etc., nós demorámos quase um mês e meio a proteger essa posição, o que normalmente se faria em três/quatro dias”.

A garantia soberana de Angola somava 5,7 mil milhões de dólares, mas quando houve um aumento de capital no BESA, de quase dois mil milhões, o Governo angolano revogou a garantia irrevogável.

Recorde-se que Vítor Bento contou que “no dia 22 recebemos uma carta do vice-governador do Banco Nacional de Angola (BNA) a falar da necessidade de reforçar o capital do BESA na ordem de 2,6 mil milhões de euros”, e que “ou acompanhávamos o aumento de capital, investindo mil milhões de euros [para manter a posição acionista], dinheiro que não tínhamos” ou, então, “não se acompanhava o aumento de capital, perdia-se posição acionista e deixava-se de se poder acompanhar a questão da garantia”.

O consenso foi que não acompanhássemos o aumento de capital mas que procurássemos assegurar a garantia. Isso foi dito às autoridades angolanas – “a resposta de Angola veio imediatamente: não recusava mas eram dois assuntos separados e precisavam de uma decisão imediata“. Então, “eu entendi que andarmos a trocar cartas não nos ia levar a lado nenhum e propus ao governador do BNA ir a Angola, ter uma conversa franca, e preparávamo-nos para ir a Angola”, disse o ex-CEO do Novo Banco (Vítor Bento) na sua audição esta semana.

“Quem acabou por pagar a fatura do BESA foram os contribuintes portugueses”, disse hoje o ex-administrador José Honório.

O tema da venda da Tranquilidade voltou a estar em cima da mesa. José Honório lembrou que a venda da seguradora tinha sido iniciada no fim de 2013, e na altura os finalistas na corrida à Tranquilidade eram o grupo norte-americano Apollo e a multinacional Permira, esta última não avançou e quando a equipa de Vítor Bento chega ao BES executou o penhor. O Novo Banco não tinha as ações da Tranquilidade, tinha sim um penhor sobre as ações, o banco era um credor pignoratício. Portanto a seguradora não estava no balanço do Novo Banco, o crédito é que estava no balanço do banco. Vendendo essas ações recuperava o crédito. Portanto a venda da Tranquilidade foi a execução de um penhor.

A Tranquilidade era à data detida diretamente pela Partran, que detinha 100% do capital. Por sua vez, esta era detida indiretamente em 55% pela Espírito Santo Financial Group e em 45% pela Espírito Santo Financial.

Depois repetiu que o valor do negócio da venda da Tranquilidade estava alinhado com os múltiplos do mercado, nomeadamente andava próximo do múltiplo da venda da Fidelidade à Fosun.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.