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Honório queria cinco anos para reestruturar o BES e um ‘whatever it takes’ das autoridades

O capital inicial “era manifestamente insuficiente face à qualidade dos ativos em função do seu nível de imparidades”, defendeu o ex-vice-presidente do BES e ex-administrador do Novo Banco. “Se não tínhamos cinco anos, se não tínhamos capital, a história do Novo Banco ia correr muito mal”.
24 Março 2021, 19h19

O ex-administrador do BES e Novo Banco, José Honório, confirmou esta quarta-feira, na Comissão de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução, o mesmo que os seus ex-colegas da administração disseram sobre a falta de capital no balanço inicial do banco.

José Honório afirmou que a capitalização inicial de 4,9 mil milhões de euros era insuficiente para os riscos do balanço do banco (como operações de crédito duvidoso que apresentavam sinais de “contabilidade criativa”) e por isso é que a reestruturação da instituição nunca poderia ser feita em dois anos.

O ex-administrador da equipa de Vítor Bento descreveu que a carteira de crédito do BES era de muito má qualidade, com créditos sem colaterais, com pouca probabilidade de recuperação e muitos imóveis. “A qualidade dos ativos em função do nível de imparidades era má”, disse.

“Para nós era evidente que o capital era insuficiente”, disse, adiantando que entre agosto de 2014 e a data da venda do banco à Lone Star, em 2017, “ocorreram as seguintes operações de recapitalização do banco: a retransmissão para o BES das obrigações seniores, no fim de 2015, no valor de cerca de dois mil milhões de euros; a dívida do BES à Oak Finance que foi para o banco mau em 2014, e que era de cerca de 560 milhões; a libertação das provisões para as cartas conforto da Venezuela, mais 263 milhões; a libertação do excesso de provisões constituídas sobre os créditos ao BESA, mais 688 milhões; e ainda a troca de um empréstimo obrigacionista de 500 milhões de euros por obrigações que contassem para capital, que foi uma condição da venda à Lone Star em 2017”, disse.

Referia-se à operação denominada de liability management exercise (LME) e que se traduzia numa troca de obrigações. A venda do Novo Banco ao Lone Star, em 2017, exigiu a imposição de perdas de pelo menos 500 milhões de euros aos obrigacionistas do banco. Mas o banco, até 2018, só conseguiu 434 milhões, o Fundo de Resolução pôs a diferença, que somam 66 milhões.

“Estamos a falar de 4,9 mil milhões de euros a que se juntam os mil milhões de euros de aumento de capital que a Lone Star fez”. Logo, o capital inicial “era manifestamente insuficiente face à qualidade dos ativos em função do seu nível de imparidades”.

“Algumas das operações de crédito e respetivas reestruturações que eram apresentadas eram de qualidade duvidosa, eu teria dúvidas que aquele crédito fosse recuperado”, repetiu.

“Perante isto o banco precisava de um plano de reestruturação, mas para isso era preciso capital e também tempo para se desfazer da sua carteira de ativos improdutivos, nomeadamente da enorme carteira de imobiliário (em alguns projetos a perda era quase certa)”, disse.

O rácio de crédito malparado do Novo Banco era de 33%, o rácio médio do país era de 20% e na Europa era 6%, disse.

“Tínhamos a certeza, com sete anos de avanço, que a história do Novo Banco ia acabar muito mal, porque das duas uma, ou era vendido a alguém estando nós disponível para pagar a quem comprasse, que foi o que praticamente aconteceu, ou, se não era assim, só havia um caminho, que era dar-lhe tempo, meios e uma equipa de gestão para conduzir um plano de reestruturação que nunca demoraria menos de cinco anos a fazer”, realçou José Honório.

O banco tinha feito um aumento de capital de mil milhões em junho e nas contas do semestre apresentou 3,6 mil milhões de prejuízos.

“Se não tínhamos cinco anos, se não tínhamos capital, a história ia correr mal”. José Honório disse que a história do que aconteceu a seguir lhe veio dar razão, até porque na venda do Novo Banco à Lone Star a Comissão deu um prazo até 2021 para concluir a reestruturação.

José Honório disse que o seu assessor financeiro, o Deutsche Bank, lhe garantiu que “interessados há”, mas era preciso alguns meses para fazer uma due-diligence às contas, era preciso liquidez do Banco de Portugal (ELA) e era preciso uma clareza da exposição do BES ao BES Angola

“Também o Citi estava na disponibilidade de uma tomada firme de parte do capital, mas também condicionado a uma due- diligence e a uma clareza da questão de Angola. O Asset Quality Review o que é que iria vir dali”.

José Honório defende que tinha de haver uma garantia pública de que todos os depósitos, incluindo os das empresas, estariam assegurados. Porque o Fundo de Garantia de Depósitos só protege particulares até 100 mil euros. As empresas não têm os depósitos garantidos e sem garantia retiravam o dinheiro do BES.

Em 2014 o BES tinha perdido 6,1 mil milhões de euros em recursos de clientes (fuga), e quando perdeu o estatuto de contraparte teria de reembolsar 10 mil milhões de euros ao BCE. O resultado foi a resolução do banco em agosto de 2014.

Salvar o BES implicava uma política “whatever it takes” (por parte das várias autoridades), conclui.

“Nunca sentimos o respaldo do Banco de Portugal”, disse o ex-administrador do BES/Novo Banco. “Estávamos num banco sem capital e sem acionista”, lamentou ainda.

José Honório esteve na equipa de gestão do BES e Novo Banco entre julho e setembro de 2014.

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