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Pedro Pereira Gonçalves: “Portugal tem vinhos ótimos, mas não chega para os investidores”

Engenheiro agrónomo, enólogo e administrador do Monte da Ravasqueira, Pedro Pereira Gonçalves admite que o mercado português é demasiado pequeno para o investimento em vinhos.
Cristina Bernardo
28 Outubro 2017, 10h00

Como é que se investe em vinho?
Pode tomar duas proporções. Existe o investimento em garrafas de vinho, que aqui em Portugal não tem grande importância, apesar de já existirem algumas empresas especializadas. Lá fora, tem mais importância, mas em Portugal não temos vinhos de referência mundial. O investimento não está nos vinhos portugueses. O mercado dos vinhos está em França (Bordéus, Borgonha, Champanhe) e Itália, onde há vinhos que atingem valores astronómicos e que têm rentabilidade.
Existe um fundo de investimento de origem inglesa, o Liv-ex, que tem na sua carteira cerca de 24 produtores de referência de Bordéus e que apresentou, nos últimos cinco anos, uma rentabilidade de 135%, ou 27% ao ano. Normalmente, o investimento em vinho segue um bocadinho a performance do ouro. Como não está intimamente ligado aos mercados financeiros, pode seguir essa tendência e acaba por ser um investimento alternativo. Quando há uma crise, os investidores tendem a refugiar-se em bens de luxo. Nem todos, mas alguns vinhos entram nesta bolsa e são considerados bens de luxo.
Em Portugal ainda não temos nenhum vinho que esteja neste nível. Podemos investir num Barca Velha. Em 2004, a aquisição através do Clube 1500, que é um clube associado à adega, custava 100 ou 110 euros e agora custa 200 euros. Esse vinho tem mercado e foi rentável, mas quando falamos em mercado a sério, em termos de investimento, falamos em vinhos franceses, um ou outro americano e um ou outro italiano. O centro é França e podemos adquirir de várias formas.

Como é que não há investimento em vinhos portugueses?
Temos ótimos vinhos, com uma relação entre qualidade/preço que tem atingido nos últimos anos os patamares superiores. Além disso, a notoriedade do país tem aumentado, mas não chega para chegar a este mercado. Há uma coisa que é história e nós não a temos de forma constante. Temos sido um bocadinho díspares naquilo que somos nos vinhos, temos muitas regiões, muitas castas, muitas adegas a trabalhar longe umas das outras… Não temos a mesma história que França, Itália ou até mesmo Espanha.

E temos capacidade de dar resposta em termos de produção?
Isso temos. O nosso grande objetivo devia ser aumentar valor, porque temos um preço de exportação relativamente baixo e queremos aumentar o preço médio de exportação. Para isso tem contribuído o aumento da notoriedade do país, ou seja, temos atingido alguns mercados. Nos Estados Unidos, os maiores consumidores de vinho do mundo, já se começa a ouvir falar dos vinhos portugueses e isso é importante, pois vai aumentar a nossa performance e permitir que tenhamos um desempenho cada vez melhor, mas não somos alvo de investimento em vinho. Somos o que somos: um país com muita diversidade e isso traz complexidade, o que também traz ruído e um menor entendimento de quem está de fora.
Há países que são conhecidos por uma casta e isso traz uma comunicação muito fácil. A Austrália e a Nova Zelândia têm das maiores empresas mundiais de vinhos e existem desde 1970 porque souberam comunicar da melhor forma, alcançar o mercado e o cliente de maneira eficiência. Em Portugal, sempre estivemos muito virados para dentro, mas é um mercado. Temos de estar virados para fora, para o cliente. Os países do novo mundo – Chile, Austrália e Nova Zelândia – sempre estiveram virados para o que o cliente procura e valoriza, para que o produto tenha um valor relativamente superior ao dos concorrentes.

Disse que há várias formas de investir em vinho. Quais?
Existe uma bolsa de transação de vinhos. Se quiser encomendar uma caixa de seis garrafas de Chateau Petrus, existe lá a cotação e a pessoa faz uma oferta. É uma plataforma de troca porque o vinho pode ser tratado como uma commodity. Não é como é o azeite, que tem um valor da matéria-prima, mas existe uma bolsa para determinados vinhos.
Há várias formas. Podemos comprar um vinho, guardá-lo em casa, ver nessa bolsa o valor e esperar que ele atinja um valor razoável para ser vendido. Em média, a rentabilidade de um vinho de referência ronda os 10% ao ano. Normalmente, nunca se compram vinhos para vender logo. É um investimento de horizonte longínquo, porque não tem liquidez. Normalmente, quem compra tem um horizonte de cinco a 15 anos.
Hoje em dia, já há outras formas. Há os chamados merchants, a quem se pode comprar e eles próprios guardam o vinho. Porque há fatores críticos, a começar pelo facto de o vinho poder estragar-se ou partr-se a garrafa. O vinho tem de ter certas condições de evolução, por isso existe atualmente uma forma de compra que esses comerciantes asseguram: guardam o vinho a certa temperatura, protegido da luz, seguro, e cobram uma taxa mensal ou anual, recebendo uma percentagem na venda.
Há também outra forma muito engraçada, que não conhecia e descobri há pouco tempo, que é um armazém em Londres, o LCB, onde a pessoa adquire o vinho, põe lá e funciona como um entreposto, ou seja, não se paga IVA até se tirar de lá o vinho, mediante um fee mensal. No fundo são estas as formas. É um mercado relativamente simples, que nós em Portugal não temos muito o hábito.

Há poucos portugueses a investir em vinho? Quem investe?
Quem investe em vinho são pessoas com muita liquidez, com uma capacidade financeira muito grande. Existem portugueses com uma capacidade financeira muito grande, mas não sei se investem em vinho. Talvez. Quem eu vejo a investir em vinho são pessoas dos mercados emergentes e dos BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China, mas sobretudo russos e chineses. Os chineses são grandes investidores em vinho e são grandes produtores. Neste momento, têm a segunda maior área plantada de vinha no mundo e podem vir a ser os primeiros nos próximos dois ou três anos.

Como se faz uma escolha de investimento em vinho?
A produção é o primeiro fator. É uma raridade e se um produto de luxo é raro, é um bom investimento. Se a produção é menor, vale a pena investir porque o preço vai subir gradualmente mais do que se a produção for menor. Em Itália, por exemplo, há produtores que só fazem 200 a 300 garrafas e isso é um fator de decisão de investimento.
Depois há a qualidade da vindima. Em França, há ratings não só do vinho, mas da qualidade da vindima. Por exemplo, se a vindima de 2016 tiver sido fantástica, os investidores vão querer apostar nessa vindima e podem comprar en primeur, que é antes de estar sequer engarrafado, porque acreditam que pela qualidade da vindima, o vinho vai valorizar bem mais que o do ano anterior.
O maior crítico mundial de vinho, o norte-americano Robert Parker, também tem grande influência. Se ele disser que uma vindima fantástica ou se der um rating de 100 pontos a um vinho, é um grande fator de decisão de investimento.
Depois existe também o investimento em projetos de vinho. Cada vez há mais fundos de investimento a apostar não só em vinho como produto direto, mas também em produção de vinho. Adquirir adegas e incluí-las na carteira representa um investimento alternativo e uma diversificação de risco.

Quais são os riscos de investir em vinho?
O investimento em vinho de qualidade tem baixo risco, com todos estes mecanismos de compra e de poder guardar acondicionado. Há um risco, que é poder partir uma garrafa. No entanto, também há seguros para isso. Mas o vinho pode sofrer alterações e se a pessoa quiser comprar tem de ter cuidados. O vinho tem de estar numa cave, a uma temperatura constante de 16 graus, a uma unidade controlada por causa da rolha, ao abrigo da luz, com a garrafa deitada… Há uma série de cuidados constantes porque se, por exemplo, a eletricidade falhar e a temperatura se alterar e variar, vai influenciar imenso a qualidade do vinho.
Tem ainda outro risco, que é a conjuntura mundial, tal como o ouro. Como é que sobe o investimento em bens de luxo? A taxa de juro diminuiu, as pessoas têm o dinheiro empregue e querem procurar investimentos alternativos. O facto de o vinho ser um investimento de baixo risco, que pode dar retornos de 10 ou 15% ao ano, fez com que o interesse aumentasse. É considerado de baixo risco e é seguro neste aspeto porque não é volátil, não sofre como os mercados financeiros.

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