João Machado exerceu as funções de director regional do Orçamento e Contabilidade entre 2001 e 2005. Transitou depois para a pasta dos Assuntos Fiscais, onde se manteve até Fevereiro deste ano, e foi nesse papel que integrou os grupos de trabalho para a regionalização dos serviços fiscais. É o atual administrador executivo pela Sociedade de Desenvolvimento da Madeira (SDM), concessionária da Zona Franca.
Faz um ano em Fevereiro que transitou do Governo para a SDM. Que balanço faz?
Encontro-me agora em funções como administrador executivo pela Sociedade de Desenvolvimento da Madeira (SDM), onde tenho o gosto de trabalhar com o presidente, Francisco Costa, o administrador executivo, José António Câmara e como administradores não executivos, Clotilde Palma e Luís Amado. Constitui-se aqui uma administração bastante interessante com uma série de valências, pessoas com muita competência, que tem salvo erro 34 pessoas. Penso que fazemos aqui uma equipa muito interessante com pessoas que demonstram grande dedicação.
Qual é o contributo do Centro Internacional de Negócios (CINM) para o desenvolvimento regional em termos da receita fiscal?
Em 2016, foram cerca de 200 milhões de euros, num total de 900 milhões de receita fiscal da Região, portanto temos aqui um valor bastante significativo a rondar os 22% da receita fiscal regional, mas também há um contributo muito importante para o PIB regional relativamente à economia, que se estima entre os 15% e os 20% e que tem um significado tão importante como o da receita fiscal. Realmente 20% é um número bastante importante, para ter uma ideia da receita fiscal que em 2016 proveio da Zona Franca da Madeira.
Só isso atesta da importância deste mecanismo. É preciso termos presente que os alicerces da SDM são essencialmente a promoção, o desenvolvimento, a atratabilidade e a internacionalização da economia regional e que a receita fiscal acaba por ser um corolário disso mesmo.
Em que medida a política de promoção tem tido resultados efetivos na angariação de empresas?
A SDM tem um calendário e um planeamento de acções promocionais internacionais durante todo o ano. Neste momento, enquanto falamos, acabou uma acção em França, inicia-se agora uma em Madrid e em Barcelona. Tivemos em Itália, no Chile, na Bolívia, no Perú, em Londres, no Reino, Luxemburgo, República Checa, Suíça, são aqueles que estou a citar de memória.
É decisivo. A SDM mantém uma rede de correspondentes, quer no estrangeiro, quer em Portugal continental. Neste momento, o mercado português é o principal cliente da Zona Franca.
Isso é principalmente dirigido pela direcção comercial, de Roy Garibaldi que desenvolve uma série de iniciativas, normalmente apresentações sobre aquilo que é o nosso centro.
Temos tido o prazer de termos, em todos os sítios onde nos deslocamos, a adesão de entidades, associações industriais, comerciais ou profissionais e, portanto, a captação de empresas faz-se por esta via. A outra via passa pelo facto de a Madeira se apresentar, no panorama internacional, como uma praça muito sólida, ainda que pequena, quando comparada com outras circunscrições na Europa, mas extremamente sólida.
Os empresários querem acima de tudo segurança, previsibilidade, transparência e conformidade com as regras. E eu costumo dizer – é uma opinião bastante pessoal – que o CINM é o quadro fiscal português mais estável e previsível que nós temos. Nós sabemos as regras.
Nós estamos agora com dois regimes a conviver simultaneamente. O regime 3 que já não licencia empresas desde 2014, mas que mantém os seus efeitos até 2020, e o regime 4 que licencia empresas até 2020 e que mantém os seus efeitos até 2027. Os empresários sabem com aquilo que contam. Evidentemente que proximamente se iniciarão, se tudo correr bem, negociações para um 5º regime.
O que pode mudar no 5º regime?
Aquilo que eu acho que deveria mudar era uma readaptação do quadro regulador da Zona Franca da Madeira naquilo que concerne quer aos limites impostos pelos plafonds de matéria colectável sobre os quais impende o benefício quer sobre a relação rácio de trabalhadores em função da obtenção desses plafonds.
É muito difícil por decreto estarmos a impor determinado tipo de regras que depois o mundo empresarial dificilmente se compadece ou se consegue adaptar.
É evidente que têm cumprido essas regras, e assim deve ser, mas também não é menos verdade que outras paragens, outros centros de negócios – Holanda, Malta, Luxemburgo, as ilhas do canal no Reino Unido, Áustria, Alemanha – não tendo este quadro tão regulador apresentam-se ao mercado, muitas vezes, muito mais concorrencialmente do que nós. Portanto, temos que suplantar uma série de desvantagens comerciais que deveriam ser cuidadas. O raciocínio deveria ser inverso, numa lógica daquilo que são as regiões ultraperiféricas e naquilo que devem constituir os mecanismos de autofinanciamento dessas mesmas regiões e da sua sustentabilidade.
Isso implica mais incentivos?
Nós não precisamos de mais incentivos. O quadro de benefícios da Zona Franca é bastante interessante: uma taxa de IRC de 5% e uma série de outros benefícios. Quanto ao quadro do emprego não é que ele tenha que ser mais ou menos aberto, tem é que ser mais entendido de acordo com aquilo que constitui a realidade e a atividade das empresas num panorama internacional e num centro internacional de negócios. Naturalmente que a empregabilidade é um fator desejável, que se saúda, e que efetivamente se tem vindo a conseguir com maior ou menos sucesso.
É preciso mais flexibilidade?
Sim, também. Não é bem flexibilidade. É o chamado bom senso e adaptabilidade àquilo que é a vivência de uma empresa internacional e daquilo que é necessário proporcionar a uma região ultraperiférica para que ela possa encontrar mecanismos de equiparação e de equidade quando comparada com outras zonas da Europa e que lhe permita ter uma competitividade e desenvolvimento.
Tem havido uma série de questões relacionadas com as regiões ultraperiféricas que se têm colocado e que têm de merecer um olhar da União Europeia. Têm de conceder instrumentos às regiões. Não basta apenas subsidiar e injectar dinheiro nessas regiões. É evidente que isso é bem-vindo e constitui um quadro estrutural, mas também se deve fornecer mecanismos para isso mesmo.
Eu tenho expectativa que, num 5º quadro, isso seja entendido pela positiva, no sentido de podermos ir um pouco mais além, não que queiramos que as empresas paguem mais ou menos impostos, isso é um mito, mas que elas tenham condições efectivamente de atratividade e de incentivos de se instalarem numa ilha e também perceberem todos que a Zona Franca é um instrumento fundamental também para Portugal.
Cerca de 12% das exportações portuguesas são feitas via Zona Franca da Madeira. Há toda uma série de empresas portuguesas que optimizam os seus negócios e a sua internacionalização através da nossa praça.
Nós só conseguimos ultrapassar a dimensão da nossa através de duas ou três coisas. Uma delas o conhecimento. Temos de possibilitar a criação de oportunidades e valorizar quem empreender e o CINM é uma ferramenta fundamental.
Se calhar as pessoas não sabem mas, por exemplo, a gestão remota do YouTube é feita por uma empresa da Madeira. Há uma empresa que faz toda a gestão remota de navios do exterior com engenheiros aqui instalados… Mesmo assim no passado, fruto de uma política fiscal nem sempre bem conseguida quer das autoridades europeias, até mesmo das nacionais, perdemos aqui oportunidades provavelmente históricas de grandes conglomerados do comércio eletrónico de se terem instalado com todas as oportunidades que isso encerra em si mesmo.
Quando fala em oportunidades perdidas, refere-se também ao fim do regime especial relativo às atividades financeiras ?
Nós já antes disso tínhamos perdido essa oportunidade comparativa. Na altura o IVA, era tributado na origem no comércio electrónico e por falta de competitividade da nossa taxa, e também por algumas acções menos leais de países concorrentes, acabámos por perder oportunidades muito importantes de ter na Zona Franca grandes portais da internet e de comércio via internet que estão efectivamente instalados noutras paragens.
Hoje esse processo está mais equilibrado: com a tributação no destino essa concorrência nas taxas deixaram efectivamente de existir. Mas a verdade é que, tendo eles a estrutura instalada e montada noutro sítio, não vão agora mudar a sua atividade , até porque em muitos casos a sua dimensão económica ultrapassa de facto os plafonds que estão associados ao que nos foi autorizado pela União Europeia.
Conta com o apoio do Governo para sensibilizar a UE na questão dos plafonds?
Julgo que é bem patente a convicção, o entusiasmo e o empenho, que todos – as autoridades, particularmente as regionais, mas também é bom que se diga em abono da verdade, as autoridades nacionais do sector – têm colocado neste tema. Têm demonstrado uma enorme disponibilidade para colaborar.
Como vê a reformulação no Governo?
Também houve curiosamente no Governo da República. Tínhamos uma excelente relação com o anterior secretário, Rocha Andrade, e temos uma excelente relação com o actual, Mendonça Mendes, e são pessoas que mostraram sempre disponibilidade para trabalhar em conjunto com a Região.
Com a remodelação do Governo Regional, passamos a ter um vice-presidente que tem sob a sua responsabilidade também as finanças, entre outras pastas, e a Zona Franca. A convicção que tenho, por conhecer o titular do cargo, Pedro Calado, e aquilo que pensa sobre esta matéria, é o melhor possível. Só nos deixa as melhores perspetivas. E também não me canso de enaltecer o empenho da presidência do Governo Regional e a sua disponibilidade total.
Portanto temos aqui um quadro de oportunidades que é um excelente relacionamento institucional com as diferentes entidades regionais e nacionais. Um entendimento coletivo do país e da Região sobre a importância do CINM e o peso que ele representa na sociedade e na economia madeirense.
Atualmente, quantas embarcações estão inscritas no Registo de Navios?
Cerca de 530 embarcações. Neste momento, somos já em alguns indicadores o primeiro registo da União Europeia e o segundo noutros. Começa a ter uma relevância que a todos nós nos apraz registar.
O próprio número de empresas no Centro cresceu. Nós temos neste momento cerca de 1500 empresas instaladas nos negócios internacionais. Isto é dinâmico.
Dessas 1500 empresas, quantas são nacionais? Quais os setores?
Não lhe consigo dizer de cor, mas será à volta de 30% das empresas instaladas.
Na aérea industrial, temos vindo a ver muitas empresas do setor ambiental, reciclagem e valorização de resíduos. A Zona Franca industrial, não tendo uma dimensão como a que gostaríamos, tem, no entanto, um investimento significativo, a rondar os 300 milhões de euros, e tem cerca de 700 pessoas a trabalhar nessas empresas, o que é muito bom.
Devo recordar que a Zona Franca industrial aproveita as empresas madeirenses. Elas também podem lá exercer a sua atividade e vender para o mercado regional, tirando partindo dos benefícios que estão previstos na lei. Começa a haver uma procura significativa da Zona Franca industrial aos níveis nacional e regional. Não tenhamos, contudo, a pretensão de que uma grande fábrica mundial venha instalar-se na Madeira, o que penso que vai acontecer é a fixação de empresas na área das novas tecnologias, do ambiente, e será por aí o mercado.
Qual é a percentagem de aumento no número de empresas?
Nós temos uma previsão já para o final deste ano de um crescimento de 9% do CINM, nas três vertentes: o registo de navios, os negócios internacionais e a zona franca industrial. É um dado com alguma novidade porque é, de facto, significativo. Nos negócios internacionais, há já alguns anos que não tínhamos um saldo positivo entre saídas e entradas.
E quanto aos empregos diretos?
A Zona Franca industrial tem 700 pessoas. Naquilo que são as regras europeias, nos negócios internacionais, rondará já milhares de pessoas.
O Brexit pode ajudar o CINM?
O CINM sofreu alguns abalos no passado e tende a estabilizar e a aumentar. Existem efetivamente oportunidades importantes. Pode parecer irónico, mas o Brexit poderá ser uma excelente oportunidade para o CINM por força evidentemente dos empresários e das empresas do Reino Unido quererem continuar a ter uma porta aberta para a Europa, e dada a excelente relação que existe com Portugal e historicamente até com a Madeira.
Quando fala em revés refere-se à perda de empresas do sector financeiro?
Isso foi em minha opinião uma má decisão da Comissão Europeia. É evidente que uma praça internacional tem toda a vantagem em ter um centro financeiro associado. Os bancos poderiam ter mantido as suas sucursais financeiras sem benefício fiscal, não haveria qualquer problema com isso, mantendo para os seus clientes determinado tipo de benefícios. Isso poderia ter inclusivamente evitado, na minha opinião, o próprio plano de ajustamento financeiro a que a Região esteve submetida porque a receita que seria proveniente da atividade dessas sucursais seria bastante significativa e a atratabilidade de capitais também.
As estatísticas assim o evidenciam. A banca nacional tem vindo a ter cada vez menos capacidade de captação de poupança dos nossos conterrâneos da diáspora e mesmo cidadãos que aqui vivem em Portugal e isso não é por acaso. Tem a ver também com uma crise de confiança e com uma crise de condições mais vantajosas que outras praças oferecem.
Noutro plano mais alargado do próprio funcionamento, da própria sustentabilidade, do sistema bancário português, estou convencido que parte da crise do sistema teve algo a ver com o encerramento da atividade financeira no CINM.
Efetivamente, constituiu um grande solavanco para os nossos bancos, para os bancos estrangeiros provavelmente nem tanto, porque seguiram para outras paragens, a banca portuguesa também seguiu para outras paragens. Isto é uma lógica concorrencial e global.
Ora, não podemos ter um sistema financeiro, mas os bancos podem estar todos instalados, de porta aberta, e com os benefícios todos, no Luxemburgo. Há aqui um pouco de falta de equidistância e se calhar de justiça comparativa.
Há um prejuízo de uma pequena região, de um pequeno país, em prol de um pequeno país, mas com uma dimensão económica que nada tem que ver com a nossa e que, no plano da concorrência, veio a constituir um revés para a praça.
Mas mesmo assim a praça tem vindo a sobreviver, a estabilizar e agora a crescer, mesmo perante algumas adversidades.
Isto demostra aquilo que é a estratégia de gestão ou de promoção do CINM, aquilo que é o quadro regulador do governo português e o regional. atestando muito da credibilidade da nossa Região e da vocação para a internacionalização que a Madeira tem por natureza.
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