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Manufatura atravessa fase de transformação acelerada

A chamada quarta revolução industrial está em curso. Robótica, impressão 3D, “Internet das Coisas” são apenas alguns elementos. Para acompanhar a tecnologia é preciso mudar processos e requalificar pessoas.
7 Dezembro 2017, 09h20

A indústria 4.0 é muito mais que um conceito abstrato e tem atualmente múltiplas aplicações prática. Do ponto de vista tecnológico integram este ecossistema realidades “como a Internet das Coisas (IoT), a impressão 3D, o “Machine2Machine”, as fábricas e cidades inteligentes, os sensores inteligentes, big data, tudo assente uma hiper-cloud que funciona à velocidade do 5G”, sintetiza Pedro Matias, presidente do ISQ. Este conjunto de tecnologia está a “revolucionar o modo de produção e de vida. Mas a “tecnologia que vai revolucionar muito do estamos a fazer hoje é a inteligência artificial”, prevê o responsável da empresa que integra o comité estratégico da iniciativa Indústria 4.0.

A iniciativa indústria 4.0, promovida pelo Governo, apresenta um conjunto de 60 medidas de iniciativa pública e privada. Durante quatro anos deverá ter impacto sobre mais de 50 mil empresas a operar em Portugal. A requalificação dos recursos humanos é um dos pilares desta estratégia. O objetivo requalificar e formar 20 mil trabalhadores até 2020. A iniciativa, lançada em janeiro deste ano, implica a injeção de 4,5 mil milhões de euros de investimento no mercado até ao final do período de vigência. A acompanhar esta estratégia estão mais de 200 entidades e empresas de todas as dimensões e tipologias em representação dos sectores da agroindústria, retalho, turismo ou automóvel.

Para Pedro Matias, o trabalho desenvolvido pela COTEC e pelos vários parceiros do comité “tem sido notável”, tendo colocado no terreno, no mais curto espaço de tempo, medidas concretas de aplicação da indústria 4.0 nas empresas e em muitas PME portuguesas”. Já foi divulgada uma lista de medidas concretas, mas Pedro Matias recorda: “nesta área as medidas vão ter de ser abertas”, ou seja, “vão variar ao longo do tempo”.

Perfil 4.0 é comum na manutenção industrial

No sector de manutenção industrial são vários os casos de “empresas cujo plano estratégico já visa um perfil 4.0”, sendo a iniciativa do Governo uma “vertente simbólica que impulsiona ainda mais a dinâmica das empresas para incrementar o nível de automatização e de integração de plataformas eletrónicas para aumento da produtividade”, assinala José António Lopes dos Santos, presidente da direção da Associação Portuguesa de Manutenção Industrial (APMI). De acordo com o responsável “algumas empresas estão a fazer candidaturas a programas Portugal 2020”.

Entre os associados académicos da APMI existem “diversos projetos a decorrer, quer “num âmbito estritamente académico quer em parceria com empresas, visando implementar protótipos para posterior colocação em produção”, exemplifica o responsável da APMI. Acresce ainda que, no âmbito do Portugal 2020, os núcleos de Investigação e Desenvolvimento são uma ferramenta de apoio estratégica para este tipo de projetos”, salienta.

As soluções, ferramentas e aplicações da quarta revolução digital em curso já estão disponíveis há vários anos, mas têm apresentado limitações: custos, desempenho ou estabilidade, “condicionaram a confiança e impediram uma adoção generalizada pela indústria”, esclarece José António Lopes dos Santos, que contou com a colaboração de Torres Farinha, Rui Assis e Joaquim Vieira na elaboração das respostas às questões colocadas pelo Jornal Económico.

As tecnologias em questão suportam a “sensorização, a instrumentação, a monitorização e a análise abrangente e generalizada devido a uma redução nos custos de processamento, de largura de banda, de armazenamento e dos próprios sensores”, detalha. Mais acessíveis atualmente, as tecnologias de informação disponíveis contribuem para um grande desenvolvimento e implementação de processos de manutenção “permitindo um controlo à distância e a tomada de ações preventivas, evitando ou reduzindo as paragens imprevistas dos ativos”, esclarece o presidente da APMI.

Entre outras vantagens as TIC permitem o “controlo da condição dos equipamentos, das pessoas e dos processos” que está a ser dinamizado pela “recolha, processamento e análise de grandes quantidades de dados que são convertidos em informação de apoio à decisão em manutenção, que é partilhada com recurso aos mais diversos dispositivos desde interfaces homem-máquina, dispositivos fixos ou móveis”, exemplifica Lopes dos Santos.
O recurso a outras tecnologias de comunicação de voz e dados e mesmo à realidade aumentada estão a permitir agilizar os processos de reação a situações de emergência por acidente, avaria de equipamentos, sistemas ou instalação. Estas soluções são não só aplicadas em situações reais, mas suportam igualmente simulacros de treino e formação dos profissionais de manutenção, assegura o responsável da APMI.

Robótica poderá melhorar a eficiência

Questionado sobre o que irá acontecer com a automatização de processos e a introdução de uma nova geração de robótica mais “inteligente” nas fábricas, Pedro Matias não hesita: “É simples: vai mudar tudo. Tudo vai ter de ser repensado na base de novos layouts e novos modos de produção”.

O presidente da APMI também acredita na mudança aponta aspetos mais concretos. A automatização “irá contribuir para uma “melhoria da eficiência dos ativos ao permitir “monitorizar remotamente, além das variáveis físicas e químicas dos processos tecnológicos, também o estado de condição dos componentes críticos”. Deste modo é possível prever “os momentos em que as substituições preventivas devem ser realizadas, maximizando as suas vidas úteis. Permitirá também dimensionar otimamente os recursos mais adequados a cada intervenção, minimizando custos e tempos de indisponibilidade”, conclui Lopes dos Santos.

A indústria da soldagem, junção e corte, representada pela European Federation for Welding, Joining and Cutting (EWF), está igualmente atenta às mudanças do mercado.

Neste sector, os membros da EWF são responsáveis pela “gestão nacional do sistema harmonizado de qualificações” e têm um papel ativo na definição dos objetivos estratégicos para a Federação, explica Luísa Coutinho, diretora executiva desta Federação Europeia. “Os membros participam em diversos projetos europeus que visam acelerar a adoção das mais avançadas tecnologias de fabrico, integrando a vertente de formação. Em quase todos, fruto do papel de charneira desempenhado pela Federação a nível europeu, na ligação entre a indústria e as entidades que certificam os profissionais, falamos de projetos ligados ao desenvolvimento das mais avançadas soluções tecnológicas, da impressão 3D à soldadura laser e à segurança por radiação eletromagnética em processos de soldadura.

A evolução passa pela integração de TIC

Para fazer face aos desafios da Indústria 4.0, as tecnologias de ligação têm vindo a sofrer uma profunda evolução, com a integração de novas tecnologias de informação e equipamentos complexos. Luísa Coutinho, destaca o papel determinante que as tecnologias de ligação têm nos processos industriais futuros. Em causa está, por exemplo a redução do peso dos produtos de aeronáutica e automóvel, para a qual as empresas do sector podem contribuir ao desenvolver formas de ligação de materiais “inteiramente distintos, sem comprometer a rigidez estrutural dos equipamentos”. Estes processos de ligação utilizados, por exemplo na colagem de componentes estruturais de aviões e automóveis, estão a passar por uma “mudança profunda”.

Para continuarem a ser competitivos, os profissionais que “operam nestas áreas” têm de ter “conhecimentos das propriedades dos materiais e do seu comportamento, da operação de equipamentos (incluindo TI) e ainda de ter uma visão da sua integração numa cadeia de produção, detalha Luísa Coutinho.

A formação é por isso incontornável. O sector “tem um forte pendor exportador” e é fundamental ter “operadores certificados e reconhecidos” pela União Europeia. Também as empresas devem ter os seus processos reconhecidos internacionalmente. Para preencher esta necessidade a EWF promove há 25 anos standards de formação, a partir de Oeiras.

Também o ISQ aposta na inovação em matéria de formação. “Temos dinamizado diversas acões em quase todas as atividade-chave: requalificação e upskills de adultos em domínios tecnológicos (incluindo desempregados); construção do quadro europeu de qualificações EQF; promoção de competências digitais básicas e avançadas; competências sectoriais emergentes (espaço, automóvel, mar, construção sustentável, manufatura aditiva); reformulação do quadro de referência de soft skills e formação (incluindo inovação, liderança, empreendedorismo), formação de formadores e novas metodologias de aprendizagem mais atrativas e gamming”, detalha o presidente do ISQ.

Preparar a transformação digital

As empresas devem preparar um plano de transformação digital efetivo, com caminhos definidos para “melhorar o desempenho com recurso à utilização de tecnologia. Estes planos devem envolver áreas chave do negócio como “a relação com o cliente, os processos operacionais e os modelos de negócio”, aponta o presidente da APMI.

Os profissionais de manutenção deverão ainda participar em processos de formação para ser “garantida a atualização de conhecimentos que permita que a qualificação possa corresponder e responder aos requisitos que são impostos pelo progresso tecnológico”. Para o efeito, a própria APMI promove promover ações de formação junto dos seus associados com “o objetivo de divulgar conhecimento sobre novas tecnologias e formas de gestão”, esclarece Lopes Santos.

A APMI que recomenda aos associados “manterem-se informados e participarem ativamente na evolução desta metodologia [transformação Digital], recorrendo às competências importadas e ao desenvolvimento interno que se está a fazer no mundo universitário e no International Iberian Nanotechnology Laboratory (INL) em Braga”.

Às empresas a APMI aconselha a realização de diagnósticos para avaliar claramente o seu posicionamento face a “processos, procedimentos, política, estratégia e tecnologias”, que deverão ser alinhados com os objetivos traçados.
Pedro Matias, do ISQ destaca os “imensos desafios” e as “oportunidades enormes e urgentes” ao nível da qualificação e da formação. “A indústria 4.0 implica novos modelos de negócio, novas tecnologias, novas competências nas empresas e nos cidadãos em geral. Numa economia de mudança, com velocidade exponencial, a aprendizagem e a formação são críticas e são parte da solução sobretudo para atualização de competências e requalificação de adultos, num contexto holístico e abrangente, e dirigido quer a lideres quer aos trabalhadores altamente especializados, quer menos qualificados”, defende Pedro Matias.

Ao nível das recomendações, a EWF pede atenção para a “visão estratégica para o futuro da indústria doe fabrico na Europa”, na qual se incluem temas como a impressão 3D e a rápida transição entre processos, da prototipagem à produção.

As empresas têm de estar atentas. “Esta mudança implicará uma transformação do espaço fabril, em que a automatização, a IoT ou a Robótica estarão na génese de um novo conceito, a fábrica do futuro, em que passaremos cada vez mais a ter operadores de equipamentos complexos e sofisticados, todos interligados numa cadeia de produção”. A qualificação dos recursos humanos constitui assim um aspeto fundamental, conclui Luísa Coutinho.

Desafio da impressão 3D

Um dos aceleradores da transformação digital, segundo a IDC é a impressão 3D. Esta tecnologia deverá movimentar mundialmente cerca de 35,4 mil milhões de dólares até 2020, o dobro do volume registado em 2016. É um segmento que apresenta um dos crescimentos mais acelerados do sector a nível mundial e a EWF está atenta, procurando “dotar a indústria dos profissionais necessários para responder aos desafios da Indústria 4.0”.

Para o efeito, a EWF está a desenvolver formação na área da manufatura aditiva (impressão 3D), mobilidade profissional e aprendizagem ao longo da vida, refere Luísa Coutinho, sendo esta última a “pedra de toque de qualquer sistema de formação pensado para o futuro”. A manufatura aditiva “permite uma transformação radical dos processos de fabrico”.

“Neste momento, recorrendo ao processo de manufatura 3D, é possível produzir apenas uma unidade ou milhares de unidades em fábricas. A flexibilidade neste âmbito é um aspeto fundamental”. Adicionalmente, a evolução tecnológica decorre em ciclos muito curtos e “é fundamental que os profissionais desta área possam tirar partido de um sistema de qualificações modular, que lhes permita evoluir nas suas qualificações adicionando os módulos que necessitam à medida das suas necessidades e ambição de progressão profissional”.

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