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“PRR vai potenciar os sectores que realmente têm potencial”, considera vice-presidente do BCP

João Nuno Palma está confiante quanto ao impacto positivo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) na economia portuguesa. BCP quer ser “o banco do PRR em Portugal”, com uma quota de 40%.
21 Janeiro 2022, 08h27

O vice-presidente da comissão executiva do BCP está otimista em relação ao impacto do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) na economia portuguesa. Mas alerta que é necessário aplicar as verbas no devido tempo e de forma eficaz. O banco tem como objetivo atingir quota de 40% na área do PRR, à semelhança do que conseguiu no PT2020. Ouça esta entrevista na íntegra no JE Podcasts, em www.jornaleconomico.pt e no Spotify e outras plataformas.

Como encara a importância do PRR para a economia portuguesa neste contexto pós–pandémico?
E qual o impacto no tecido empresarial e na economia portuguesa no seu todo?
Primeiro, gostaria de focar-me um pouco no contexto. A pandemia criou uma crise sem precedentes, que é distinta de outras porque foi uma crise de oferta, não de procura. A economia parou, deixou de haver oferta, e os problemas com que neste momento nos debatemos são de descontinuidade das cadeias de valor e de inflação sobre o preço de matérias-primas. Todos estes problemas que nasceram desta crise têm características bastante diferentes de outras crises que ultrapassámos. Em 2022 temos um contexto de crescimento económico, com o Banco de Portugal a prever um crescimento de 5,8%. É importante referir que foram criadas, em 2021, 34 mil novas empresas, portanto houve um crescimento do número de empresas de 8,2%. É um contexto muito importante para podermos aferir o impacto que o PRR vai ter na economia portuguesa e estamos a prever 7,2% de crescimento no investimento em 2022. Do ponto de vista de contexto é bastante positivo, embora não isento de riscos.

Refere-se à subida da inflação?
O risco que, no fundo, considero mais de curto prazo é o da inflação. Neste momento tivemos uma inflação de cerca de 4,5% na Europa. Aliás, Portugal está com cerca de 2,6% de inflação, que é a segunda mais baixa da Europa. É algo que ainda não entrou nas variáveis mais estruturantes, como rendas e salários, mas que pode ainda entrar. Esta inflação pode deixar de ser pontual para ter alguma componente estrutural. O PRR nasce de uma política fiscal da União Europeia (UE) que é a que está a funcionar neste momento com maior força, porque a nossa política monetária, que vinha sendo a que estava a suportar o crescimento económico na Europa e em Portugal, sai desta pandemia bastante exaurida, bastante enfraquecida. Aliás, já estamos a chegar ao fim dos efeitos da política monetária.

E no horizonte perspetiva-se a subida das taxas de juro…
Nós vemos subidas de taxas de juro no horizonte e, sobretudo, das taxas Euribor. O seu forecast já é de uma progressiva aproximação para, pelo menos, terreno positivo, deixando de ser negativas. Em 2022 ainda serão negativas.

Vê a possibilidade de a subida da inflação se fazer sentir também nos salários e, de por essa via, passar a ser um fenómeno permanente?
A questão da ligação da inflação aos salários tem ainda outra origem, que é a falta de trabalhadores que se verifica em todas as indústrias, incluindo os serviços, a construção e a transformação. Acontece em todas as profissões – especializadas ou não – e está a colocar alguma pressão sobre os salários, para além da própria inflação. Diria que sim, no curto prazo esse poderá ser um efeito que, como sabemos, é mais estrutural do que outras componentes mais flexíveis.

O grande risco é se o PRR não surtir o efeito desejado na economia e a Europa ficar a braços com inflação alta e crescimento fraco…
Mas o PRR foi bem pensado. Porque ele está pensado para, no fundo, endereçar três grandes questões que foram geradas com a pandemia. Primeiro a dimensão da resiliência. Foi uma questão de quebra económica em que até vemos isto pelo facto de esta recuperação estar a ser assimétrica, a ser divergente. Ou seja, nem todos os países estão a recuperar à mesma taxa, nem todos os sectores estão a recuperar à mesma taxa. Esta divergência foi uma consequência da pandemia e daí ser importante a resiliência. Ela vem endereçar questões de inovação e competitividade. Vem endereçar também uma questão que estamos a ter agora, que é a disrupção das cadeias de valor. Porque é que sofreram uma disrupção? Porque eram demasiado longas. Nós tínhamos dependência das nossas indústrias de componentes, que estavam muito longe. Se calhar muitas vezes sem redundância e as cadeias de valor estavam muito flat, just in time, não havia stocks, tudo muito lean e unclean. Quando surgiu uma pandemia de que ninguém estava à espera e que afetou a oferta, as cadeias de valor tornaram-se descontínuas. Temos a crise das matérias-primas e a crise energética, tudo a acumular.

O PRR deve servir para aumentar a autonomia da Europa nessas área, por exemplo na produção de chips?
É, no fundo, encurtar as cadeias de valor, aquilo a que chamam de near shoring. Há incentivos para criar empresas que vão colmatar deficiências de cadeias de valor europeias. Estão identificados cerca de 140 produtos essenciais dos quais não se querem dependências externas da UE e isso vai ser uma oportunidade para as empresas portuguesas.
Sobre esta questão, a da resiliência, não tenho dúvidas nenhumas.

E outras componentes?
Depois temos as componentes da transição climática e da transição digital. Há duas tendências que já vinham de trás e que foram aceleradas com a pandemia. A primeira é a tendência da digitalização. Já vínhamos de uma tendência de digitalização da economia, nomeadamente ao nível dos serviços, e de robotização, com a industria 4.0. A pandemia acelerou tudo isto como se tivéssemos carregado no botão do fast forward. Acelerámos o filme de uma forma drástica, como se viu na questão do trabalho a partir de casa. Este vector da transição digital vem trazer oportunidades para que as empresas façam este investimento na digitalização dos seus negócios, com uma componente a fundo perdido importante. É um incentivo à digitalização que tem uma vantagem fundamental: o aumento da produtividade. Isto é, não vamos digitalizar para reduzir a função do trabalho, nem para despedir pessoas. A digitalização aumenta a produtividade, o que é fundamental para podermos aumentar salários. Eu aqui sou otimista, bastante otimista, relativamente ao PRR e à maneira como foi desenhado e à maneira como está a ser implementado a nível europeu.

Há também a componente da transição climática.
Sim. E esse terceiro ponto é talvez o mais importante e o mais imperativo de todos, a descarbonização. A transição climática vai endereçar a descarbonização, que é uma mega tendência que já vinha de trás e foi claramente acelerada pelo contexto pandémico porque, em 2021, tivemos eventos climáticos brutais no mundo inteiro, com prejuízos incomensuráveis, mesmo na Europa.

É também uma oportunidade para surgirem novas indústrias?
É, mas há uma coisa que nós nunca nos podemos esquecer: a transição climática tem custos, tem dor, uma primeira dor que tivemos já aconteceu, que foi a crise energética. Não há magia neste processo e, portanto, há sempre um período de transição de muita volatilidade. (…) Não esquecendo que nesta descarbonização – e acho que o PRR endereça esta necessidade – as empresas vão ter de fazer alterações aos seus modelos de negócio de modo a tornarem-se mais sustentáveis. Já não é mais possível esquecer esta questão.

Algo que será também tido em conta pelos bancos na hora de conceder crédito…
O sistema financeiro vai ser um acelerador. Hoje em dia analisamos em detalhe o negócio das empresas nossas clientes, porque entendemos que não podemos ser relevantes para um cliente se não o conhecermos. Mas agora vamos ter de entender, também, os riscos climáticos inseridos no modelo de negócio do cliente e em que medida este poderá ficar em causa se estes riscos climáticos se realizarem. Ainda chegará a fase em que nós, os bancos, ou não poderemos financiar ou, por outro, só financiaremos a custos de capital completamente incomportáveis.

Tem sido muito criticado o facto de a maior parte das verbas do PRR estar destinada a entidades públicas. Acredita que, ainda assim, o dinheiro vai chegar às empresas?
Vai ter impacto nas empresas. Repare, há uma coisa que gostaria de transmitir claramente, o BCP posiciona-se como o banco do PRR em Portugal, com base no que aprendemos com o PT2020, que foi uma grande experiência e onde temos uma quota de mercado de 40%, o dobro da nossa quota natural no sistema bancário português, que é de 20%. Essa quota de 40% permite-nos claramente endereçar esta questão e apoiar de uma forma totalmente diferente, digamos, as empresas portuguesas que vão endereçar as oportunidades do PRR. Porque vimos com uma grande experiência, temos uma equipa estruturada que assenta em seis vertentes, sendo que a última é a apoio indireto do Estado. Para estas empresas temos soluções de factoring a pensar nessa procura induzida do Estado em empresas privadas. Já temos estruturada no BCP uma solução em que descontamos as faturas desses clientes que estão a trabalhar para o Estado e que assim podem receber essas verba antecipadamente. (…) Atenção que estamos a falar de empresas viáveis. No fundo, o que queremos é potenciar empresas viáveis, dotá-las de mais meios para que elas possam ser eventualmente consolidadoras de um determinado sector e possam exportar ainda mais.

Qual é o objetivo ao nível de quota de mercado no PRR? Manter os 40% do PT2020?
Sim, vamos querer manter a nossa quota de 40%, é para aí que nos estamos a apontar dada a experiência que temos à velocidade que já temos. Que o PRR está a ter impacto na economia portuguesa isso já não é discutível. O que é importante é a sua implementação rápida. O objetivo é implementar 65% do PRR em dois anos e meio. Nas agendas mobilizadoras, em que foram selecionados 64 consórcios para a segunda fase de candidatura, são mais 1.600 empresas e estamos a falar de um investimento global de cerca de 10 mil milhões de euros.

Tocou no tema da consolidação, cuja necessidade se faz sentir em vários sectores de atividade. O PRR pode estimular esses movimentos no tecido empresarial português?
Estes meios que estão à nossa disposição, volto a dizer, a sua origem é uma política fiscal. Portanto isto vai ser pago pelos impostos na UE, logo tem que ter um retorno, que tem de ser um maior crescimento económico, um modelo social mais equitativo, uma transição climática exigente e uma digitalização que nos permita criar a produtividade para poder melhorar a equidade. Tudo isto tem uma lógica por trás. Portanto vai ser natural. Ou seja, na minha opinião o objetivo disto não é financiar empresas ou sectores que não tenham viabilidade, que dependam muito de baixos salários e de fraca produtividade. Deve ser potenciar sectores que realmente têm potencial. Portugal saiu das ultimas crises graças aos empresários. É um tributo que todos temos de prestar ao empresariado português. E será ele também que neste momento irá tirar da Portugal da crise, como se vê por esta resiliência e capacidade de criar 34 mil empresas em 2021. Isto não é um feeling, é uma realidade. São dados concretos.

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