Sophia, como só ela o poderia, escreveu o poema de Abril

“Esta é a madrugada que eu esperava

O dia inicial e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo”.

Ode intemporal à liberdade e à dignidade da pessoa humana.

Cântico que abriu a porta a muitos que deixaram de ter como horizonte o exílio ou uma guerra sem sentido, e, antes, lhes fez sentir a responsabilidade de que o futuro era deles.

Iniciou-se ali um caminho de aprendizagem único na história colectiva e individual de cada um de nós.

Os Liceus fervilhavam de movimentos associativos que mais não eram que escolas fundadoras de democracia, liberdade e, sobretudo, cidadania.

As Universidades explodiam em actividades político-associativas marcadas pelos movimentos e partidos que a clandestinidade tinha gerado.

Tempos em que os dias valiam semanas, as semanas eram meses e os meses eram anos.

Desde o cinzento imposto na/pela escola até ao silêncio prudentemente sugerido em casa, tudo se transformou naquele “dia inicial e limpo”.

Do associativismo estudantil à militância partidária foi um pequeno passo. Aos horizontes de cada escola sucederam-se os horizontes do país.

E é esse rasgar de horizontes que verdadeiramente funda a democracia tal como hoje a conhecemos.

Cada um de nós, na sua “tribo”,  a acreditar que podia mudar o mundo, a dar-se, em cada momento, em cada combate, em cada debate, em cada disputa.

Na minha “tribo” sempre soube, sempre soubemos, qual era “o melhor de nós todos”.

Na Coimbra em que me formei nos anos 80 do século passado, sempre o dissemos, o Paulo, o Fernando, o Diogo, o João, o Júlio, eu próprio.

Em 2022, os portugueses acharam claramente o mesmo ao confiarem, de forma inequívoca e sem mácula, no “melhor de nós todos”.

Sobretudo num momento que é muito difícil para Portugal, para a Europa e para o Mundo.

Claro que reconciliar os portugueses com as maiorias absolutas é uma óbvia prioridade para quem, há décadas, é autor e actor convicto da reforma dos sistemas político e eleitoral.

Mas este é, também, o momento do investimento, do crescimento, da diminuição das desigualdades, da justiça nas suas várias dimensões, da afirmação da dignidade da pessoa humana – desafios que só “o melhor de nós todos” poderá levar de vencida. Em nome desta geração de Abril e do legado de que queremos que os nossos filhos se orgulhem.

Inspirando-se nos versos de “Canto Civil”, de Orlando da Costa,

Este é o meu canto civil
Canto cívico graduado
Desde um tempo antigo que vivi
Entre poemas de aço camuflados e alge-
mas de silêncio.
Esse era o tempo do assalto às casernas
Mas já então eu escrevia o que devia:
A cartilha da guerrilha do amor e da paz
Para ser ensinada à luz das lanternas
Nas escolas, nas igreja, na parada dos
quartéis
Este é o meu canto civil
Canto cívico desfardado
Escrito a 28 de Abril
Do ano passado à noite
De punho cerrado com alegria e sem
espanto
Canto para ser cantado de dia
Por todos, por muitos, por mim ou por
ninguém

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.