O paradoxo da complexidade.
Será realista que Portugal possa ter uma resposta para as pessoas que precisam de cuidados de saúde psicológica e não o podem pagar?
Para responder a essa pergunta precisamos de responder algumas outras questões: existem em Portugal o número de psicólogos suficientes para que o Estado os contrate? Formamos um número de diplomados em psicologia para o número de psicólogos que necessitamos? As respostas a todas estas perguntas é SIM. Vejamos: Portugal tem cerca de 25.000 psicólogos. Todos os anos as 31 escolas de psicologia formam um número médio de 1200 diplomados. E quantos psicólogos precisaríamos de contratar?
Em 2015 a Ordem dos Psicólogos apresentou um documento ao primeiro Governo de António Costa, a pedido do Ministro da Saúde Adalberto Campo Fernandes, com um contributo dos Psicólogos para a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Entre outras propostas podemos ler “… Aumento progressivo do número de psicólogos no SNS, no sentido de se aproximar do rácio internacionalmente recomendado de 1/5.000.” Para isso, sugeria-se a contratação de um total de cerca de 450 psicólogos, faseadamente, até 2019. Se esse pequeno aumento anual tivesse acontecido e tivéssemos continuado esse pequeno esforço até 2021 teríamos contratado mais de 650 psicólogos e estaríamos agora com um rácio de 1/5974. Mas… e o investimento seria possível para um país como o nosso?
Para que o leitor possa formar a sua opinião deixo-lhe alguns números: anualmente o custo acrescido para o SNS da contratação de cerca de 650 psicólogos rondaria os 14 milhões de euros. É muito? São 0,1% dos cerca de 10,8 mil milhões de euros anuais de orçamento da saúde em Portugal.
O trabalho destes psicólogos é preventivo de muitos problemas de saúde, não só ao nível das doenças mentais, mas particularmente nas que resultam de causas comportamentais, como certas formas de obesidade ou diabetes, a título de exemplo. Por isso, como sugerem alguns estudos – de há pelo menos 20 anos –, o investimento em intervenção psicológica pode ter um retorno significativo e poupar muito mais ao erário público do que aquilo que custa (Hunsley, 2002).
O recentemente aprovado Plano de Recuperação e Resiliência vem dar resposta ao há muito tempo programado para lidarmos com a doença mental em Portugal, mas não prevê investimento na prevenção ou na promoção da saúde, nomeadamente com a contratação de psicólogos para os centros de saúde. É certo que a prevenção e a promoção não se fazem apenas em contexto de saúde, pois têm que se fazer na educação e no trabalho em grande medida.
Mas atenção: faz-se também e muito necessariamente nos centros de saúde, em proximidade, com intervenções breves e acessíveis, para que, quando lidamos com crises de vida como a perda de rendimento, uma dificuldade com um divórcio dos pais (num caso de uma criança) ou uma doença de um familiar, possamos ter apoio para mais rapidamente recuperarmos o nosso bem-estar e não desenvolvermos uma doença.
Na educação, o papel do psicólogo deve fazer-se em actividades preventivas como o desenvolvimento de competências sócio emocionais e não em intervenções clínicas que devem, sempre que necessárias, ser preferencialmente encaminhadas para os centros de saúde. No trabalho, o papel do psicólogo deve partir de uma avaliação dos riscos psicossociais e da intervenção em Planos de Prevenção destes riscos, ao nível do stresse ou promotoras de práticas de lideranças compatíveis com mais bem-estar e logo mais produtividade.
Regressando ao SNS: qual o ponto da situação? Um concurso para 40 psicólogos que se iniciou em 2018 e que ainda não teve listas de selecionados publicadas, mais de três anos depois. A razão: mesmo com o enorme esforço do júri, cerca de 2500 entrevistas demoram muito tempo e são obrigatórias porque este concurso decorre num quadro legal ultrapassado há muitos anos, anacrónico e complexo. Mesmo que sejam colocados estes profissionais… não podemos esperar mais três anos pelos próximos!
Tem havido muita inoperância, negligência e mesmo incompetência do Estado ao longo de mais de 20 anos para chegarmos a este ponto. E agora? Vamos simplificar e contratar o mínimo necessário ou vamos continuar com as desculpas?
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.