A editora francesa Stock iniciou há uns anos um projeto peculiar: convida escritores a passarem uma noite em branco, num museu. Sozinhos.
A coleção original, em francês, conta já com 12 volumes e, agora, a Alfaguara publica um deles em português: “O Perfume das Flores à Noite”. Nascida em Marrocos, e vivendo atualmente em Lisboa, Leïla Slimani, autora de “O País dos Outros” e de “Canção Doce” – com o qual venceu o Goncourt, o mais importante prémio literário francês – passou uma noite no mítico Punta della Dogana, edifício construído para albergar a alfândega marítima de Veneza, terminado em 1682.
Hoje em dia, é um espaço museológico que alberga exposições temporárias de arte contemporânea e parte da Coleção Pinault, constituída por produção artística de 1960 à atualidade, depois da reconversão pelas mãos do arquiteto japonês Tadao Ando – vencedor do prestigiadíssimo Prémio Pritzker de 1995, três anos depois de Álvaro Siza Vieira (e atribuído este ano, pela primeira vez, a um arquiteto africano, Francis Kéré, do Burkina Faso).
Como escritora que acredita que a verdadeira audácia vem do interior, Leïla Slimani não gosta de sair e prefere a solidão à distração. Assim, o que a levou a aceitar o convite do editor francês para passar uma noite no meio de obras que pouco ou nada lhe diziam?
Percorrendo, de pés descalços, as salas e os corredores do museu, estimulada pelo perfume das damas-da-noite que a transportam para a infância em Rabat, Leïla Slimani fala-nos do belo e do efémero – e que melhor cenário para o fazer do que esta cidade condenada à destruição, com os seus esplendorosos palácios construídos sobre palafitas a ameaçarem submergir nas águas da lagoa?
Slimani fala também da virtude do silêncio, da magia da criação artística, da solidão e do sacrifício da escrita. Acompanhada pelas palavras e histórias de outros criadores, como Virginia Woolf, Rilke, Montaigne, Murakami e Emily Dickinson, a escritora franco-marroquina conduz o leitor por uma viagem intensa, refletindo sobre questões da identidade entre Oriente e Ocidente, e evocando diversas memórias comoventes, como a do pai preso.
Quer para a escrita quer para a leitura, o silêncio pode ser capital. Por vezes, para apreciarmos devidamente o que nos rodeia, também: “ Em certos lugares, lugares saturados de palavras, de significados, lugares onde nos sentimos obrigados a sentir esta ou aquela emoção, o silêncio é a nossa melhor aposta. É neste estado de espírito que atravesso Veneza”.
Eis a sugestão de leitura desta semana da livraria Palavra de Viajante.
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