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Menina ucraniana raptada por tropas russas reencontra-se com avô em Kiev após longa viagem

Em Donestsk, Kira foi entrevistada por um canal estatal russo, onde foram divulgadas imagens em que exprime alegria pelo facto de ter liberdade para contactar o seu avô. A entrevista foi apropriada como “prova” de que Kira não foi raptada, de acordo com um apresentador do canal. Contudo, a versão de Kira é amplamente diferente.
29 Abril 2022, 21h00

Kira Obendisky, uma menina ucraniana que se tornou órfã após a morte do seu pai num ataque militar a Mariupol, finalmente reuniu-se com o seu avô, após ter sido levada por tropas russas para uma zona da Ucrânia controlada pela Rússia. O seu avô embarcou numa longa viagem de quatro dias até Donestsk, após ter-lhe sido dito que a menina iria para um orfanato russo.

Tudo começou quando Kira Obedinsky, aos 12 anos, viu a sua cidade natal de Mariupol a ser alvo de ataques bombistas. O pai de Kira não sobreviveu a uma bomba que atingiu a sua casa no dia 17 de março, deixando-a órfã (a sua mãe faleceu quando Kira tinha apenas duas semanas). Dias após o ataque, Kira Obedinsky foi transferida para um hospital no este da Ucrânia, numa zona controlada pelas tropas russas, quando ficou ferida com uma mina terrestre ao tentar fugir de Mariupol com a namorada do seu pai.

O avô da menina, Oleksander Obedinsky partilhou com a CNN no início de abril que receava não voltar a ver a neta por ser quase impossível viajar numa Ucrânia devastada pela guerra, mas mesmo depois do hospital onde Kira estava a ser tratada ter-lhe dito que a menina iria para um orfanato russo, o avô manteve-se empenhado em a reaver.

Agora Kira Obendisky está num hospital em Kiev a recuperar das feridas e reunida com o seu avô Oleksander Obedinsky, após mais de um mês de separação. Tem cicatrizes na cara e uma postura acanhada, sinais do trauma físico e psicológico que enfrentou. Graças ao único objeto que Kira conseguiu guardar do seu pai – o seu telemóvel – , a menina conseguiu contactar o avô através do Instagram.

O reencontro resultou de negociações entre a Rússia e a Ucrânia, após a história de Kira ter sido partilhada nos media. O Governo da Ucrânia disse a Oleksander Obedinsky que poderia deslocar-se a Donestsk para reaver a neta, mas que tal não iria ser tarefa fácil. O avô de Kira embarcou numa viagem de quatro dias, que envolveu um comboio para a Polónia, um voo para a Turquia, um segundo voo para Moscovo e uma viagem de comboio para a cidade russa de Rostov, de onde Oleksander partiu de carro até reunir-se com a neta em Donestsk. Após um reencontro emocional no dia 23 de abril, avô e neta seguiram rumo para Kiev.

Em Donestsk, Kira foi entrevistada por um canal estatal russo, onde foram divulgadas imagens em que exprime alegria pelo facto de ter liberdade para contactar o seu avô. A entrevista foi apropriada como “prova” de que Kira não foi raptada, de acordo com um apresentador do canal. Contudo, a versão de Kira é amplamente diferente.

“Este hospital é mau”, disse a menina à CNN. “A comida aqui é má, os enfermeiros gritam e o hospital não é bom”, partilha. “Fui levada para um hospital à noite numa ambulância. Tiraram-me estilhaços de bombas dos ouvidos. Gritei e chorei muito porque senti a manipulação deles no meu ouvido, na minha cara, no meu pescoço e nas minhas pernas”, disse Kira.

A menina partilha ainda a experiência de ter vivido sob bombas constantes, os tanques nas ruas, e de ter que se esconder nas paredes em ruínas da sua casa com a sua família. Depois da casa ter sido atingida por uma bomba, à qual o pai de Kira não sobreviveu, a menina e a namorada do pai procuraram abrigo noutra cave, onde permaneceram durante três dias antes de tentarem escapar da cidade.

Foi aqui que um amigo de Kira acertou com o pé numa mina terrestre. O grupo sobreviveu, mas com feridas causadas pelos estilhaços da mina. As forças russas, alertadas pelo barulho da bomba, encontraram o grupo, levando-os para um hospital na cidade de Manhush e depois para outro hospital em Donetsk. Aqui, o grupo foi separado, deixando Kira sozinha, onde permaneceu até reunir-se com o seu avô no dia 23 de abril.

“Continuo sem acreditar que finalmente aconteceu”, diz Oleksander Obedinsky, avô de Kira. “Nós acreditávamos, mas muitos diziam que seria impossível. Foi um processo muito difícil”.

O avô de Kira enalteceu os esforços do presidente da Ucrânia Volodymyr Zelensky para poder reaver a sua neta, algo que trouxe atenção ao nível internacional para a sua história.

Na passada terça-feira, o presidente Volodymyr Zelensky visitou Kira no hospital e ofereceu-lhe um iPad. Para o presidente ucraniano, Kira é apenas uma das muitas crianças ucranianas que têm sido deliberadamente deportadas para zonas do país controladas pela Rússia. Moscovo diz que tais acusações são mentira, alegando que é a Ucrânia que está a dificultar o processo de “evacuar” pessoas para a Rússa.

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