À semelhança da discussão na especialidade do OE2019, o Bloco de Esquerda (BE) voltou a apresentar nesta terça-feira, 14 de janeiro, uma proposta de alteração ao Orçamento do Estado para 2020 para acabar com os ‘vistos gold’, criados em 2012. Anunciados como mecanismo de apoio ao investimento estrangeiro criador de emprego em Portugal, bloquistas consideram que os ‘vistos gold’ mostraram ser, na prática, “um autêntico fiasco na criação de postos de trabalho”. E, defendem, têm contribuído para a proliferação da criminalidade económica e a especulação imobiliária nas grandes cidades.
“Esta figura, cuja defesa maior coube ao CDS, mas que PSD e PS desde início defenderam, tornou-se num dos principais focos de criminalidade económica, mas também um dos principais motivos de especulação imobiliária”, lê-se na proposta de alteração ao OE2020 do BE que deu ontem entrada no Parlamento, onde os bloquistas propõem a revogação da autorização de residência para atividade de investimento com dispensa de visto de residência.
O Bloco pretende assim alterar a proposta do governo que no OE/2020 prevê apenas uma autorização legislativa no âmbito do Regime das Autorizações de Residência para Investimento, onde fixa que o Executivo fica autorizado a alterar o seu âmbito de aplicação no sentido de “favorecer a promoção do investimento nas regiões de baixa densidade, bem como o investimento na requalificação urbana, no património cultural, nas atividades de alto valor ambiental ou social, no investimento produtivo e na criação de emprego”.
Bloquistas querem ir mais longe e pretendem mesmo o fim dos ‘vistos gold’ que são aplicados em actividades de investimento, essencialmente na compra de imóveis por mais de 500 mil euros. Ou ainda mediante a transferência de capitais de, pelo menos, um milhão de euros, a criação de, pelo menos, dez postos de trabalho ou o investimento de, pelo menos, 350 mil euros em investigação científica ou no património cultural ou artístico. Bloquistas realçam aqui que, em maio de 2019, foram atribuídos 120 vistos, sendo 114 por via da aquisição de imóveis e, concluem, “até o que poderia ser visto como uma virtude – o facto de ter estimulado o mercado imobiliário de luxo – veio a ter um efeito absolutamente perverso”.
Para o BE, ‘os vistos gold’ “contribuem para a especulação imobiliária e criam problemas estruturais na forma como concebemos a organização das cidades”, realçando que “mais do que um imóvel, está em causa a compra de uma de uma autorização de residência, e se o preço desta autorização vale €500.000, pouco importa que o imóvel não valha tanto”.
Os bloquistas justificam a proposta de alteração com o facto de “num curto período de vigência este instituto trouxe consigo um adensamento da criminalidade económica e um aumento dos preços no mercado imobiliário para valores que não correspondem aos valores de mercado, tornando impossível o direito à habitação”. Segundo o BE, “motivos mais que suficientes para se reconhecer que é preciso revogar este instituto”.
Na proposta de alteração, o BE recorda ainda que, recentemente, a Transparência Internacional (TI) tornou público um estudo que “aponta claramente os ‘vistos gold’ como um instrumento capaz de potenciar a prática de crimes (com a corrupção à cabeça) e que insta o Governo a tomar a olhar de forma consequente para estes factos”.
Em sete anos, ‘os vistos gold’ captaram cinco mil milhões de euros em investimento com a aquisição de imóveis a somar 4,47 mil milhões de euros, de acordo com dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Desde a criação deste instrumento foram atribuídas 8.125 autorizações de residência, com a China a liderar.
PAN chumbou proposta do BE e pede agora também revogação imediata
Em janeiro do ano passado, com os votos de CDS, PSD, PS e PAN, a Assembleia da República chumbou a proposta do Bloco de eliminação dos ‘vistos gold’ e aprovou uma do PAN no sentido de ampliar o elenco desses vistos, nomeadamente consagrando direitos a milionários que ponham dinheiro em suposta defesa do ambiente – os chamados “vistos green”. Nas propostas de alteração ao OE2020 o PAN pede agora também a revogação imediata dos ‘vistos Gold’.
Na altura, deputado bloquista José Manuel Pureza considerou que “não há nenhuma razão” para que Portugal seja “um país que não se leva a sério e que vende a sua cidadania a troco de dinheiro”.
O proposta de alteração do Bloco cita a intervenção da antiga eurodeputada socialista Ana Gomes, que classificou estes vistos como “um esquema de importação da corrupção e da criminalidade organizada para a União Europeia”.
Ao acelerar e simplificar o processo de atribuição de visto a quem tem 1 milhão de euros disponível para fazer uma transferência de capital ou para quem adquire um imóvel de valor superior a 500 mil euros, o Estado português está a criar uma “discriminação inaceitável entre cidadãos de primeira – a quem tudo é facilitado por força da posse de bens materiais, sem cuidar sequer da respetiva origem e natureza – e cidadãos de segunda – pessoas que trazem consigo apenas a sua força de trabalho e a quem a lei e a prática administrativa impõem sucessivos obstáculos e restrições à entrada e permanência no nosso país”, sublinha a proposta do Bloco.
No Orçamento do Estado para 2019 o BE já tinha também apresentado uma proposta de alteração para acabar com os ‘vistos gold’, mas a mesma foi chumbada, tendo tido apenas os votos a favor de bloquistas e comunistas e os votos contra de PSD, PSD e CDS-PP
No debate quinzenal de 10 de outubro de 2018, depois de a coordenadora do BE, Catarina Martins, ter pedido a revogação dos ‘vistos gold’, o primeiro-ministro, António Costa, mostrou disponibilidade para o Governo analisar este regime em Portugal, recordando o processo de avaliação em curso. “Era de esperar, que depois de uma reação como essa, que foi muito importante, que o Governo tivesse feito uma avaliação daquilo que são os resultados e que são as práticas envolvidas no regime dos ‘vistos gold’ e que tivesse cumprido aquilo que anunciou publicamente”, respondeu, quando questionado sobre estas declarações de António Costa. Já José Manuel Pureza afirmou que o atual Governo “já tinha feito alterações” a este regime, mas essas mudanças “ou não produziram resultados ou são negativas”, não existindo “aquelas que foram anunciadas”.
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