O Apolo 70 apresenta-se como a exceção à regra, pois à beira dos 50 anos de idade o centro comercial mais antigo de Portugal está mais vivo que nunca e, ao contrário do que acontece com muitos espaços comerciais semelhantes, não tem uma única loja vaga.
Inaugurado em maio de 1971, com pompa e circunstância, por várias individualidades da política portuguesa, foi apresentado como o maior centro comercial da Europa e o primeiro em Portugal com cinema incluído, condições que lhe conferiram um carácter vanguardista na Primavera Marcelista que marcou a fase final doEstado Novo. O tipo de pessoas admitidas no espaço comercial localizado nas Avenidas Novas de Lisboa foi uma das chaves do sucesso, com os porteiros a ficarem encarregues de fazer a seleção dos clientes, tendo como critério principal a aparência física, o que por vezes era motivo de desavença para quem esperava horas à porta. Ponto de encontro tradicional da alta sociedade lisboeta, muitos assuntos de Estado foram discutidos num espaço que, chegado a 2020, sobrevive tranquilamente à mudança de cultura e tradições e, inclusive, prospera.
O centro comercial com três mil metros quadrados tem uma forma labiríntica, mas de fácil navegação para quem entra pela primeira vez. O cinema deixou de existir há muitas décadas e abriu espaço para uma série de restaurantes. É precisamente a restauração que o administrador do Apolo 70, Ulisses Silva, em entrevista ao Jornal Económico, considera ser a principal atração dos clientes. “As pessoas que trabalham na zona circundante ao Apolo deslocam-se até aqui durante a hora de almoço e enchem o centro comercial, normalmente entre as 12h00 e as 14h30”, diz, acrescentando que “a maioria das pessoas que vêm almoçar acabam por depois visitar outras lojas”.
É esta dinâmica que vai ajudando o Apolo 70 a manter-se como um dos principais pontos comerciais da zona do Campo Pequeno. Sobre a competição interna entre os lojistas, Ulisses Silva diz que uma das principais responsabilidades da administração é “assegurar que cada loja é única, com o objetivo de haver espaço para todos e ninguém roubar clientes a ninguém, mas sim todos partilharem clientes, complementando-se”.
Ainda assim, é difícil de explicar como é que o centro comercial mais antigo do país é dos poucos que ainda continua aberto e a prosperar, quando os seus contemporâneos desapareceram e muitos dos que foram inaugurados nas décadas seguintes com um formato semelhante seguiram o mesmo caminho. Segundo o administrador, “existem três tipos de cliente, o residente – que mora aqui nas Avenidas Novas e já tem uma idade avançada. O cliente das lojas-âncora – como a farmácia ou a restauração – é normalmente trabalhador de empresas da área circundante. Por fim, temos os clientes inopinados – são turistas que passam, tropeçam e entram dentro do centro comercial, seja por causa da agência de viagens, da farmácia, ou porque foram atraídos por uma montra ou por um souvenir”.
São estes três tipos de cliente que asseguram o normal funcionamento do Apolo 70, e permitem que subsista sem grandes dificuldades. A ambição de Ulisses Silva enquanto administrador não acaba aqui, tendo plena noção de que a transformação digital é um processo que obrigatoriamente tem de passar pelo centro comercial, ainda que durante as últimas duas décadas a única medida tomada neste sentido pelas anteriores administrações tenha sido a criação de uma página de Facebook. “É um dinamismo que nunca foi explorado devidamente”, reconhece Ulisses Silva, para quem a chave na captação de novos públicos, principalmente das novas gerações, prende-se com o marketing digital.
“Há coisas que obrigatoriamente vão ter de se fazer no próximo ano, que passam por uma maior atividade nas redes sociais. Não existe Instagram nem sequer marketing digital, a única coisa que há é uma página de Facebook obsoleta e desatualizada. São coisas que têm de passar a existir. Uma coisa é o cliente que passa, outra é o cliente que não passa e que nem conhece, e se não existirmos na internet, não existimos. Isto é a realidade atual. Se enquanto negócio não existo nesse mundo, há aqui um apelo que não estou a utilizar, e estou a perder potenciais clientes”.
A administração do Apolo 70 já tem o plano traçado para 2020 e 2021 e Ulisses Silva confirma que “para o próximo ano temos de fazer aqui três coisas, uma tem a ver com uma mudança interna, que é adaptar a infraestrutura do centro comercial, reestruturações de algumas coisas, reparações e readaptações noutras, mas estamos a falar na infraestrutura do espaço interior e exterior”. Com as comemorações dos 50 anos à porta, existem planos para celebrar a data. “Já não falta muito tempo, digamos que é um dos grandes objetivos desta nova administração: criar durante 2021, logo a partir de janeiro, atividades que honrem os 50 anos deste espaço comercial. Para já há muitas atividades que ainda só temos pensadas, mas que vão criar dinamismo não só ao espaço comercial mas também à zona circundante, para comemorar estes 50 anos, porque oApolo 70 merece”.
Costuma dizer-se que o segredo é a alma do negócio, mas neste caso é justo dizer que a alma do negócio é o segredo, ou seja, o nível personalizado como cada cliente é atendido em qualquer loja, que ajuda a cimentar o Apolo 70 como “shopping do bairro”. A longevidade não se deve à sorte, mas sim aos lojistas que sabem como ninguém captar a clientela e fidelizá-la, através de gestos e ações que dificilmente ficam esquecidos. A maneira como conseguiu sobreviver às crises de 2008 e de 2011, neste caso aquando da intervenção da troika em Portugal, é um feito notável, especialmente porque foram responsáveis pelo fecho de muitas lojas de comércio tradicional um pouco por todo o país, inclusive nas zonas nobres de Lisboa. A tudo isso resistiu, como uma espécie de museu que mantém a mesma essência do ano da abertura, combinada com o toque dos tempos modernos.
LOJAS ÂNCORA: Cabeleireiro Pinto’s
O cabeleireiro de homens, como o dono, Joaquim Pinto, gosta de chamar, é uma das principais lojas que eleva o nome do centro comercial Apolo 70. Por ali passaram grandes nomes da elite portuguesa, principalmente da classe política. Entre secretários de Estado, ministros, primeiros-ministros como Sá Carneiro ou até presidentes da República, como MárioSoares e Cavaco Silva, muitos confiaram os seus penteados a um dos mais condecorados barbeiros de Portugal. Joaquim Pinto abriu a barbearia em 1975 com o irmão, do qual se viria a separar nos negócios nos anos 1990. É conhecido pela simpatia, mas sobretudo pelas mãos, tendo ganho vários concursos profissionais de cabeleireiros a nível nacional e internacional. Quando lhe perguntámos o segredo do negócio, responde que “temos de ter um trato muito fino, a começar na humildade, no profissionalismo, não nos metermos na vida de ninguém e estarmos mais preparados para ouvir do que para perguntar”.
A discrição é uma das imagens de marca de Joaquim e do seu cabeleireiro, e ajudou-o a manter clientes e estatuto dentro do centro comercial. O local onde se encontra é escondido, o que reforça o conceito do qual Joaquim muito se orgulha. Sobre mudar de loja dentro do centro comercial, Joaquim Pinto diz ter ponderado mas foi sempre aconselhado a recuar na decisão. “Já quis mudar lá para cima, mas as grandes individualidades disseram-me que se quisesse manter a minha clientela para me deixar estar neste cantinho recatado, que os clientes vêm cá”. Sobre o futuro, tem o desejo que o cabeleireiro sobreviva por muitos anos, mas sem nenhum familiar no ramo terá de encontrar outra pessoa para dar continuidade ao seu legado. Recusa pensar na reforma e para ilustrar a sua vontade utiliza uma adaptação de uma frase proferida pela fadista Maria da Fé: “Hei-de trabalhar até que os dedos me doam”.
Farmácia Apolo 70
Com 65 anos de história, já passou por três gerações e dois edifícios. Inserida originalmente num prédio localizado de frente para onde hoje está o Apolo 70, a farmácia foi obrigada a mudar de local porque o prédio onde estava foi demolido. Encontrou no centro comercial o local, na altura provisório, onde poderia continuar até o prédio ser reconstruído, mas não mais atravessou a rua. Tornou-se assim na primeira farmácia do país inserida num espaço comercial, algo que era proibido na época, mas que o carácter vanguardista do Apolo 70 ajudou a contornar.
Teresa Coelho, farmacêutica e dona da farmácia, foi a única de seis irmãos que se interessou pelo negócio da família. Ao Jornal Económico explica que “comecei a trabalhar aqui, fui gostando, e já estou à frente do negócio há 20 anos”, garantindo que não foi “empurrada” para assumir as rédeas da farmácia. Assistiu a várias fases do centro comercial, admite que algumas foram “terríveis”, e aproveita para dizer que o Apolo 70 “está numa fase de reabilitação, mas continua aquém das possibilidades que tem”. Sem falsas modéstias, realça que a farmácia tem um papel fundamental em atrair clientes para o centro comercial, mas explica que o Apolo 70 “vive muito à base dos trabalhadores que estão aqui à volta”. Ainda assim, tendo características que transcendem o local físico onde se encontra, continua a atrair clientes para o centro comercial, e posiciona-se como a principal e única loja que acompanha o Apolo 70 desde a sua criação, em 1971.
Tagus Park – Edifício Tecnologia 4.1
Avenida Professor Doutor Cavaco Silva, nº 71 a 74
2740-122 – Porto Salvo, Portugal
online@medianove.com