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Quando os vírus assustam os mercados financeiros

Bolsas têm oscilado entre o receio da propagação do coronavírus e a esperança sobre o tratamento. Impacto em casos anteriores foi curto, mas maior peso da China no economia mundial é novo fator de risco.
13 Fevereiro 2020, 09h30

Investidores “indecisos” e mercados com comportamento “errático”. As palavras empregues por João Pisco, analista financeiro e de mercados do Bankinter, descrevem na perfeição a reação das bolsas mundiais ao surto do novo coronavírus.

A última semana de janeiro começou e acabou com quedas fortes em Wall Street, provocadas pelos receios sobre o vírus. A primeira semana de fevereiro arrancou com um trambolhão de quase 8% no índice Shanghai Composite. Foi a pior sessão em mais de quatro anos, mas tendo em conta que foi a primeira nos mercados chineses após as férias do ano novo lunar, nem foi tão castigadora quanto se previa. As bolsas norte-americanas também recuperaram, com três sessões positivas a levarem os S&P500 e o Dow Jones Industrial para perto de máximos históricos.

Pedro Lino, administrador da Optimize Investment Partners, realçou que “a reação a este surto foi bastante mais curta do que nos anteriores, com os mercados a recuperarem em quatro dias, apesar de estarmos a falar na maior operação da história em termos de número de pessoas em quarentena, vigilância e velocidade de propagação por todas as geografias”.

“A intervenção do Banco Central da China contribuiu definitivamente para acalmar os investidores e fazê-los regressar aos ativos com risco”, acrescentou, referindo-se às decisões do banco central chinês de injetar 1,2 biliões de yuan (cerca de 215 mil milhões de euros) em liquidez no mercado e de cortar algumas taxas de juro.

Aajudar à recuperação estão também rumores sobre a descoberta de uma vacina contra o vírus, o anúncio pelo Estado chinês que vai cortar em metade as tarifas para a importação de bens norte-americanos avaliados em 75 mil milhões de dólares, e o otimismo com resultados em Wall Street.

Paulo Rosa, economista e trader sénior do Banco Carregosa, recordou que os mercados europeus, nomeadamente o alemão DAX30, e as praças norte-americanas estão muito perto dos máximos históricos e que “o atual surto viral até ao momento foi apenas uma justificação do mercado para corrigir das fortes valorizações”.

Histórico aponta para retoma rápida
O histórico dos impactos dos ‘antecessores’ do novo coronavírus poderá dar algum conforto aos investidores. “Sabemos que no século XXI as principais epidemias foram sempre controladas, o seu impacto económico foi limitado e a recuperação subsequente das bolsas valeu sempre a pena”, frisou João Pisco, do Bankinter.

“Desta vez não deverá ser diferente. Esperamos que, assim que o vírus seja controlado, a subida das bolsas seja imediata”, adiantou. “Se tomarmos como exemplo as epidemias anteriores, todas elas acabaram por proporcionar claras oportunidades de compra”.

Pisco recorda que o S&P500 subiu 37% nos 12 meses após a epidemia do SARS em 2003, 11% depois da gripe das aves de 2006, 40% a seguir à Gripe A (H1N1) de 2009 e 22% no ano após o Zika em 2016.

Paulo Rosa explicou que o Ébola e o Zika foram vírus que sempre estiveram “muito confinados às suas regiões de origem”, enquanto o MERS, e principalmente a SARS, tiveram uma maior propagação, mais semelhante à disseminação do atual coronavírus, salientando que estas “não impactaram negativamente as bolsas”.

O trader sénior do Carregosa alertou, no entanto, que o surto do vírus que originou na cidade de Wuhan na China em dezembro, e já provocou mais de 28 mil casos e 565 mortes, não é idêntico aos anteriores, pois o contexto mudou.

“A velocidade de propagação, disseminação e o maior tempo de incubação distinguem-no dos restantes”, disse, realçando que “o mundo é cada vez mais uma aldeia global, onde as pessoas vivem mais próximas e a esperança média de vida é mais elevada”.

“Uma epidemia, em virtude da crescente proximidade entre as pessoas, pode tornar-se mais facilmente numa pandemia à escala global, e terá cada vez mais impacto na economia e nos mercados financeiros”, avisou.

Fator ‘medo’ pode reduzir o consumo a nível global
“A curto prazo teremos uma forte desaceleração da economia chinesa e todas as empresas que dependem desse mercado serão afetadas”, referiu Pedro Lino, da Optimize. “Indústria automóvel, hotelaria ou aviação deverão demorar algum tempo até recuperarem”.

Para Paulo Rosa, é provável que o governo chinês, em março, ou até antes, possa reduzir a meta de crescimento, para o limite inferior do atual intervalo previsto (6% a 6,5%), ou seja, para 6%, o menor crescimento desde 1992.

“Caso o impacto do coronavírus na economia seja significativo, é plausível traçar um cenário mais pessimista quanto a um abrandamento brusco do crescimento para valores próximos dos 4,5% no primeiro trimestre de 2020”, explicou.

O receio de ‘contágio’ para outras economias foi expresso esta semana por Christine Lagarde. A presidente do Banco Central Europeu disse que numa altura em que a ameaça da guerra comercial parece estar a diminuir, o coronavírus veio trazer “uma nova camada de incerteza” que representa uma “nova fonte de preocupação”.

Os analistas do ING salientaram, numa nota de research publicada ontem, que a nível global essa preocupação reside na disrupção da cadeia de fornecimento. “A China está muito mais integrada na economia mundial do que estava em 2003, aquando da SARS”.

Uma queda sustentada na produção chinesa de componentes eletrónicos, por exemplo, teria efeitos não só na Ásia, mas também na indústria alemã.

O principal problema é que, devido ao período de incubação (14 dias), ainda se sabe quanto é que o vírus se espalhou. “Se o número de casos começar a disparar fora da China, um dos principais canais de transmissão para a economia global será através do ‘medo’, explicaram os analistas do ING.

“O receio de contraír o vírus resultará numa alteração do comportamento das famílias, mesmo que este seja desproporcional ao risco, manifestando-se através de uma queda substancial no consumo de serviços, por exemplo de entretimento, transportes públicos, restauração ou alojamento”.

Segundo o ING, quando se tratar de choques como este, em alguns países há espaço limitado para implementar políticas de reação. “As taxas de juros estão baixas ou negativas em várias economias desenvolvidas, enquanto medidas orçamentais estão limitadas por questões políticas, como nos EUA, regulatórias na União Europeia e estruturais no Japão.

O resultado positivo das medidas de mitigação tomadas pela China também não é garantido, alerta João Pisco.

“Não serão as injeções de liquidez que vão ajudar a curar as pessoas infetadas pelo coronavírus, ou a convencer os trabalhadores a sair de casa para irem trabalhar”, afirmou o analista do Bankinter.

“Temos portanto algumas dúvidas em relação à capacidade do governo chinês para travar esta inevitável desaceleração económica no país”.

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