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Direitos de 900 milhões de passageiros aéreos em perigo devido a revisão de lei europeia

“A revisão não tem em consideração que a lei EC261 permitiu a redução de atrasos e cancelamentos e melhorou significativamente a proteção dos passageiros. Se esta proposta for aceite, os únicos beneficiários serão as companhias aéreas, o que seria bastante irónico, uma vez que falamos de uma legislação que visa proteger os passageiros”, realça Christian Nielsen, membro do Conselho de Administração da Associação de Defensores dos Direitos dos Passageiros.
DR
5 Março 2020, 13h53

Os passageiros aéreos da Europa estão protegidos pelo regulamento europeu EC261, no caso de perturbações nos voos. No entanto, o Conselho da União Europeia, atualmente presidido pela Croácia, quer rever esta lei até ao final de junho, tendo como base uma proposta que irá reduzir a proteção de todos os passageiros aéreos europeus, indica a AirHelp.

“A revisão prevê remover a maioria dos direitos de mais de 900 milhões de viajantes da UE, por ano, e cerca de 80% dos passageiros poderão perder o direito a compensações financeiras das companhias aéreas, após serem afetados por problemas nos seus voos”, diz a organização de aconselhamento dos passageiros aéreos.

Também Christian Nielsen, membro do Conselho de Administração da Associação de Defensores dos Direitos dos Passageiros (APRA), revela que o Conselho da UE acredita que “a sua proposta incentivaria as companhias aéreas a assegurar os seus serviços”. “No entanto, acreditamos que qualquer incentivo que as companhias aéreas tenham para realizar os seus serviços dentro do tempo estipulado será completamente eliminado”, aponta Nielsen.

“A revisão não tem em consideração que a lei EC261 permitiu a redução de atrasos e cancelamentos e melhorou significativamente a proteção dos passageiros. Se esta proposta for aceite, os únicos beneficiários serão as companhias aéreas, o que seria bastante irónico, uma vez que falamos de uma legislação que visa proteger os passageiros”, critica o membro da associação de defesa dos passageiros. “Esta revisão demonstraria uma grande falta de consideração pelos passageiros e por todas as sentenças do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) nos últimos 15 anos”, sublinha.

O ano de 2018 verificou valores recordes em termos de voos elegíveis para compensações a serem pagas pelas companhias aéreas, obrigando-as a priorizar a pontualidade e o atendimento ao cliente por estarem em risco de perder dinheiro devido às indemnizações até 600 euros aos clientes. “Como resultado, de acordo com dados da AirHelp, em 2019 houve uma redução de 25,3% nos cancelamentos de voos e o número de passageiros elegíveis diminuiu 22,6%, em relação a 2018”, refere a organização.

Que alterações podem ser prejudiciais para os passageiros?

Com o regulamento a ser revisto e a possibilidade de afetar mais de 900 milhões de passageiros aéreos, dois problemas principais são destacados pela AirHelp.

O primeiro assunto são as compensações financeiras, que serão disponibilizadas apenas para atrasos superiores a cinco horas. Em voos de curta distância os passageiros são elegidos a receber compensações em atrasos superiores a três horas, sendo que a proposta do Conselho pretende aumentar o limite para cinco horas. Nos voos de longa distância, ou seja, mais de 3.500 quilómetros, o objetivo é aumentar o limite de três para 12 horas.

O segundo assunto é que os problemas técnicos passam a ser considerados “circunstâncias extraordinárias”. Atualmente, o regulamento a ser avaliado classifica como circunstâncias extraordinárias fatores que “fogem ao controlo das companhias aéreas, como tempestades e ameaças de segurança”. A alteração que o Conselho propõe é a desresponsabilização das companhias em caso de atrasos e cancelamentos causados por falhas técnicas nas aeronaves, isentando compensações.

“A revisão, na sua forma atual, precisa de ser bloqueada, caso contrário poderemos assistir a um aumento de perturbações graves em voos e os passageiros aéreos europeus serão completamente destituídos dos seus direitos. Aumentar significativamente o tempo limite da elegibilidade para compensações em casos de atrasos não é o único problema crucial”, indica Christian Nielsen.

Esse novo conceito fornecerá uma falha para as companhias aéreas evitarem pagar compensações, alegando constantemente questões técnicas ‘relacionadas com a segurança’ e, portanto, criar mais incerteza para os passageiros aéreos”, sustenta Nielsen.

“Cerca de 55% dos casos analisados pela APRA afirmam que o problema do voo foi causado por constrangimentos técnicos. O TJUE já se pronunciou sobre estes casos e declarou claramente que, de acordo com a lei atual, as companhias aéreas são responsáveis pelos seus aviões. Tudo isso desapareceria e deixaria os passageiros desamparados e confusos”, sublinha o membro da APRA.

Posições públicas contra a revisão da lei

Johannes Kleis, diretor de comunicação da organização europeia dos consumidores (BEUC), já se pronunciou sobre a revisão da lei, afirmando que “existe um estudo da Comissão Europeia que conclui que 60% dos consumidores não são compensados quando o voo se atrasa ou é cancelado. É incompreensível que o foco dos estados-membros seja a redução dos direitos dos passageiros, em vez de contribuir para uma maior proteção dos consumidores”.

Também Maria Pisanò, diretora do Centro Europeu do Consumidor de Itália, também assumiu uma posição discordante. “Prever compensações apenas após cinco horas de atraso levará as transportadoras a não cancelar os voos, mas a adiá-los, para evitar o pagamento aos passageiros”, indica.

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