Vivemos em pleno estado de emergência, decretado com o objetivo de conter um surto viral altamente contagioso que entre nós se instalou e que, globalmente, tem registado elevado índice de mortalidade. Este objetivo abrangerá, sem exceção, necessariamente todos os portugueses e terá de se impor em ambientes com elevada densidade populacional, para que os esforços para conter a pandemia do Covid-19 surtam efeito.
No que respeita, em concreto, à realidade humana dos estabelecimentos prisionais, enquanto potenciais focos de infeção e de rápida disseminação do vírus, torna-se evidente a prioridade e urgência na tomada de medidas para os reclusos em cumprimento de pena, protegendo a saúde e a segurança não só da população reclusa, mas também a dos guardas prisionais e suas famílias.
Não há aqui lugar a qualquer dilema ético ou frustração do cumprimento das condenações, trata-se antes de uma questão humanitária, de saúde pública. Procura-se evitar a devastação nas prisões, caso tal flagelo pandémico ocorra.
Pelo que a decisão de flexibilização das penas da prisão (quer seja por via de um perdão parcial de penas de prisão, de indultos, de um regime extraordinário de licença de saída administrativa ou da antecipação extraordinária da colocação em liberdade condicional) irá permitir a retirada do universo prisional dos reclusos mais idosos, dos doentes e dos infratores de baixo risco.
Fica claro que determinados requisitos têm de se encontrar preenchidos, que a apreciação terá de ser casuística e apenas no caso dos crimes de pequena gravidade de duração igual ou inferior a dois anos e de natureza não violenta, devendo, desde logo, expressamente ficar excluídos os reclusos condenados com penas por crimes relativamente aos quais permaneçam prementes as exigências relativas de prevenção, geral e especial, e de estabilização dos sentimentos de segurança comunitários.
Em suma, é imperativa a busca do equilibro, para que este tipo de medidas encontre fundada justificação, sem que isso cause qualquer alarme social.
O seu benefício, reitere-se, porque se trata de medidas pautadas por critérios de equidade e proporcionalidade e fundadas em razões de saúde pública, afigura-se claramente superior ao da reclusão.
Como se sabe, em ambiente prisional, e devido às especificidades próprias do meio, é inexequível a prática do distanciamento social, da higiene e etiqueta respiratória obrigatórias para prevenção do contágio e transmissão da doença. O que consubstancia uma clara violação dos direitos dos condenados, equiparando-se a maus-tratos.
Conforme comunicado do Comité para a Prevenção da Tortura e Tratamentos ou Penas Desumanos ou Degradantes do Conselho da Europa, “Whilst acknowledging the clear imperative to take firm action to combat Covid-19, the Committee for the Prevention of Torture must remind all actors of the absolute nature of the prohibition of torture and inhuman or degrading treatment. Protective measures must never result in inhuman or degrading treatment of persons deprived of their liberty.”
Numa fase em que somos todos agentes de saúde pública, porque a disseminação da doença não espera, não respeita fronteiras, nem faz distinção entre pessoas, tem o Estado o dever especial, e imperativo constitucional, de proteger a saúde física e mental e o bem-estar de todos os seus cidadãos, incluindo os reclusos.
E porque num Estado de Direito condenar não é, nem deve ser, a derradeira função da Justiça, neste enquadramento verdadeiramente excecional, estas medidas extraordinárias constituem a concretização de um dever de ajuda e de solidariedade para com as pessoas condenadas.